Para os estrangeiros que residem no Brasil, a compra de um imóvel rural está regulamentada, hoje, pela Lei 5.709, de 1971. Nela estão todas as exigências legais para que o vendedor e o comprador realizem um negócio que lhes dê segurança jurídica. No setor imobiliário, embora seja comum o emprego do contrato particular de compra e venda – aceito como documento em muitos casos –, quando o negócio envolve um estrangeiro, a lei exige que seja feita somente por meio de escritura pública. E mais: que nessa escritura conste o documento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que autorizou a transação.

A lei atual é tão severa que a transação é tida como nula, caso o comprador e o vendedor utilizem outro documento que não seja a escritura pública para formalizar a transação. Portanto, do ponto de vista jurídico, para não correr risco de fazer um negócio sem valor, o melhor para as partes é seguir à risca o que a lei determina.

Outro ponto importante da Lei 5.709/71, que não pode sair do radar de quem compra ou vende terras, estabelece que uma empresa brasileira, cujo capital social esteja em sua grande maioria em mãos de estrangeiro, também está submetida aos rigores da lei. Por exemplo, uma empresa brasileira cujo capital social é de 100 mil quotas, das quais 90 mil estão nas mãos de estrangeiro, não poderá comprar imóvel rural no Brasil acima da quantidade de área permitida. E, mesmo quando essa empresa adquire área dentro do limite legal, o negócio precisa ser feito através de escritura pública. Essa exigência foi o modo adotado pelo poder legislador do País para que os negócios tivessem o controle do Estado. Caso contrário, não se saberia ao certo a quantidade de propriedades rurais que estariam em mãos de estrangeiros.

 

MUDANÇA: o novo projeto de lei prevê que um estrangeiro, dono de empresa no Brasil, possa adquirir imóveis rurais

 

No entanto, um projeto de lei aprovado na Comissão de Agricultura da Câmara Federal, que está indo para a Comissão de Constituição e Justiça – e que na sequência segue para a votação em plenário –, traz significativas mudanças nesses dois aspectos da lei atual. A primeira mudança proposta no projeto de número 4.059/2012 é liberar de vez a empresa brasileira de capital social majoritariamente estrangeiro das limitações da lei. Ou seja, qualquer estrangeiro poderia criar uma empresa no Brasil com o objetivo de comprar imóveis rurais. Caso isso se concretize, as terras agricultáveis do País correm o risco de passar rapidamente ao domínio de não nacionais, em razão do poder de compra de muitos estrangeiros.

A segunda mudança que o projeto sinaliza é a legalização de negócios que hoje são ilegais, realizados por estrangeiros nos últimos anos. Ou seja, a compra e a venda de áreas rurais no Brasil acima do limite legal e cujo documento empregado no negócio não foi uma escritura pública. No relatório que discrimina o projeto de lei, fica a ideia de que regularizar os negócios nulos efetivados nos últimos anos tem como finalidade dar segurança jurídica ao investidor estrangeiro que já comprou terras no Brasil. Ocorre que, nesse sentido, o estrangeiro será levado a fazer o raciocínio inverso. Ele irá, fatalmente, pensar que se uma lei que diz que um ato é nulo é revogada por outra lei que estabelece que o ato é perfeito, mais tarde outra lei poderia dispor em sentido contrário, ou seja, que um ato juridicamente perfeito será tido como nulo.

Com essa suposição, que se mostra bastante viável, o investidor estrangeiro não terá interesse em aplicar recursos no País, exatamente pela instabilidade jurídica reinante. Para ele, será fácil concluir que as leis no Brasil mudam conforme a conveniência dos fatos e não segundo os preceitos jurídicos que devem imperar em sua elaboração. E, ainda, se o atual projeto virar lei na forma como está, mais um ator deve entrar em cena. O Supremo Tribunal Federal, que certamente será chamado a se manifestar a respeito, já que o projeto de lei contraria diversos artigos da Constituição Federal, a carta máxima dos princípios que regem o País.