25/12/2021 - 17:00
O bitcoin e outros criptoativos normalmente são avaliados como um investimento altamente especulativo, mas eles estão sendo utilizados em grande medida em transações financeiras entre pessoas, na maioria dos casos em termos nacionais.
A constatação é de Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI e hoje professor na Universidade Harvard. Com mais dois acadêmicos, ele analisou 50 milhões de operações com criptoativos durante três anos.
“Talvez um dos motivos para as pessoas fazerem transações com os criptoativos é que não querem que autoridades e outros cidadãos saibam os recursos que possuem, onde e de que forma foram obtidos”, diz Rogoff. Segundo ele, a maior preocupação relativa aos criptoativos é que podem ser transacionados por pessoas que tentam fugir do pagamento de impostos sobre capitais.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
O estudo aponta que a maioria das transações em vários países, com destaque para Rússia e China, é de operações nacionais. Qual é a principal suspeita do sr. sobre os motivos destas transações?
Na Rússia, certamente muitos oligarcas estão sob sanções internacionais de outros países, o que também ocorre com várias nações. Acredito que eles tentam evitar a vigilância financeira dos EUA. Em princípio, estas operações podem ser rastreadas, mas é preciso a permissão de autoridades para ter tal informação, o que não é disponível para muitos países. Talvez um dos motivos para as pessoas fazerem transações com os criptoativos é que não querem que autoridades e outros cidadãos saibam os recursos que possuem, onde e de que forma foram obtidos. É uma questão de privacidade. Algumas das operações são remessas de recursos, que são muito mais baratas do que as realizadas pela Western Union e outras companhias.
Mas uma das principais razões para pessoas fazerem transações com criptoativos, como o sr. apontou, não seria tentar fugir do pagamento de impostos sobre capitais?
Em termos gerais, esta é a maior preocupação em relação ao bitcoin e outros criptoativos. Não sei se exatamente seria uma questão de impostos, mas pode estar relacionado com ilegalidades. Na China, há uma linha tênue entre o pagamento de tributos e o temor de que o governo vai confiscar os recursos dos cidadãos. Em muitas vilas na Índia, mulheres compram ouro como ativo de proteção, pois acreditam que o governo vai tomar seus recursos. Os criptoativos podem estar exercendo um papel semelhante. Em alguns casos, podemos até ser favoráveis a este procedimento, mas é muito difícil apoiar tal comportamento em muitos países onde os impostos são estáveis e as leis são respeitadas. Na prática, estes ativos são utilizados como notas de US$ 100 com esteroides.
O FMI publicou estudo no qual aponta que a regulação de criptoativos precisa ser coordenada em nível mundial. Como vê isso?
Não acredito que seja necessário regular todos os países, mas sim as economias mais avançadas e, de forma ideal, os maiores mercados emergentes. A abrangência das normas dependerá de quão grande é a base de valores analisada. Hoje, é possível basicamente ter uma conta em bitcoin no JP Morgan e também utilizar criptoativos para comprar mercadorias. Estas práticas permitem lavagem de dinheiro, que precisam ser controladas, embora não seja possível bani-las completamente. É viável tornar mais arriscadas tais atividades se forem pegas pelos reguladores, mas países como Coreia do Norte e Irã nunca concordarão com tais normas globais. Se elas forem adotadas nas economias avançadas, já será um grande progresso. O problema real está nos EUA, com os suspeitos de sempre atuando, especialmente os lobistas que defendem estes ativos perante autoridades. Há ETFS de bitcoin, fundos de pensão comprando bitcoin, grandes instituições de investimento com permissão para oferecer fundos em criptoativos. Isso é loucura. Quando converso com dirigentes de instituições reguladoras e de bancos centrais, vejo que há um forte consenso de que esta situação é um desastre, mas eles já têm muitos problemas para enfrentar.
Avalia que os países do G-7 (sete países mais ricos do mundo) deveriam se reunir para discutir a adoção de regulações comuns sobre criptoativos?
Estes países têm muitos problemas provocados pela pandemia, mas avalio que, quando estiverem reunidos, deveriam definir como adotar tais regulações. Não defendo que todas as operações com criptoativos devem ser proscritas, mas somente aquelas cujos responsáveis são anônimos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.