10/08/2016 - 14:27
Eu costumo dizer que a vaca é o melhor ´termômetro´ para sabermos se as rações que formulamos ou o manejo que recomendamos estão adequados. Devemos sempre ´escutar o que as vacas nos dizem´, mas, muitas vezes, técnicos e produtores não dão ouvidos às vozes do rebanho.
Costumeiramente digo em palestras e treinamentos que a parte mais fácil do manejo da alimentação é a formulação da dieta. O difícil é fazer com que as vacas comam exatamente aquilo que foi previsto pelo nutricionista e que estejam no ambiente que foi considerado por ele na hora de formular a dieta. Sim, pois o desempenho das vacas não depende unicamente da comida disponibilizada. Lembro-me de uma vez em que fui chamado por um produtor de leite que se queixava da produção de suas vacas.
Ele gostaria que eu fizesse uma avaliação das formulações que estavam sendo utilizadas. Fui até a fazenda e passei cerca de três horas visitando as instalações, avaliando itens de conforto, manejo, e voltei a me reunir com ele. Apresentei uma lista com quinze itens que deveriam ser imediatamente corrigidos para que as vacas pudessem ter melhor desempenho. Uma das únicas coisas em que não vi defeito foi justamente na formulação das dietas.
A avaliação da alimentação dos rebanhos leiteiros sempre foca nos índices produtivos e reprodutivos das vacas, e também os resultados das análises laboratoriais dos alimentos, mas para fazer uma avaliação realmente completa do seu manejo nutricional o produtor tem que andar no meio dos animais.
Essa interação mais próxima é fundamental para que o produtor possa observar seu comportamento, o manejo do cocho, a disponibilidade de água, o conforto, seu escore de condição corporal e muitos outros itens, como ruminação, aparência geral, problemas de casco. Além disso, é importante que essas visitas sejam feitas em diferentes horários, para se ter uma ideia melhor das variações ao longo do dia. Assim, é possível unir as informações do escritório com as coletadas entre o rebanho para montar um quadro da situação.
Para saber se as coisas vão bem na fazenda, há uma série de aspectos que devem ser observados. De cada dez vacas, quantas estão ruminando? Há sinais de que as vacas estão selecionando a ração? O que está sendo selecionado? As vacas estão consumindo dejetos, terra ou areia? Estão consumindo minerais de forma exagerada?
Essas e outras tantas perguntas que podem ser feitas procuram cobrir pontos importantes relativos ao manejo da alimentação e às condições de conforto dos quais o rebanho está submetido. Por exemplo: como regra geral, caso não estejam comendo, bebendo, dormindo, ou se estiverem sob estresse térmico, quatro a cinco vacas de cada dez devem estar ruminando.
As vacas podem ruminar por até dez horas por dia e, se isso não estiver acontecendo, é necessário procurar a causa. Seleção de alimentos? Falta de FDN ou Fibra Fisicamente Efetiva? Isso deve ser investigado e corrigido. Fazer a avaliação física da dieta oferecida às vacas e dos alimentos volumosos é muito importante para saber o que, de fato, os animais estão ingerindo e se isso equivale ao que foi formulado pelo nutricionista.
Avaliar as fezes das vacas é uma excelente ferramenta para identificar possíveis problemas. Se as vacas fazem muita seleção de alimentos nos cochos, haverá grande variação nas fezes (de secas à diarreia) dentro do lote, que supostamente está consumindo a mesma ração.
E, nesse caso, ficamos sem ter ideia de qual ração cada vaca está efetivamente consumindo. Dessa forma, aumentam os casos de acidose ruminal e outros distúrbios digestivos. Para resolver o problema, é preciso minimizar as possibilidades de seleção de alimentos, fazendo formulações e misturas corretas.
Outro ponto a ser observado é que o aumento no consumo de minerais, bem como a ingestão de dejetos, terra ou areia, é um sinal claro de desordens digestivas ou de que as vacas estão sob estresse calórico. É fundamental avaliar muito bem as condições de conforto na fazenda.
Atualmente, sabemos que, dependendo da umidade relativa do ar, temperaturas acima de 20°C já são suficientes para causar algum grau de estresse para os animais. Há sombra disponível nos sistemas de pastejo? Os galpões de confinamento oferecem condições adequadas, onde as vacas podem descansar confortavelmente?
Se as vacas não conseguem andar ou descansar com conforto, provavelmente produzirão menos leite, isso porque o animal não precisará destinar energia extra para ´sobreviver´ ao ambiente. Superfícies lisas, que fazem as vacas escorregarem, superfícies irregulares, que as fazem andar como se estivessem pisando em ovos, ou lama tão profunda a ponto de ´sugar´ as botas de algum desavisado possivelmente vão contribuir para que as vacas façam menos visitas ao cocho ou, no caso de vacas no pasto, para que os ciclos de pastejo sejam reduzidos.
Corredores cheios de pedras e buracos aumentam muito a incidência de problemas de casco no rebanho. Se nem o produtor consegue andar direito pelos corredores destinados às vacas, isso significa que elas estão sendo obrigadas a gastar mais energia do que deveriam em atividades não produtivas.
Observar as vacas enquanto se movimentam é uma boa maneira de saber se estão confortáveis ou não. A distância entre a sala de ordenha e as áreas de alimentação e descanso determina quanta energia adicional elas terão que gastar para se locomoverem, acima do que normalmente já está considerado nas exigências de manutenção. E isso será subtraído da energia líquida disponível para produzir leite.
Ou seja, quanto mais tiverem que andar, pior. Percursos de mais de 500 metros são indesejáveis. Proporcionar às vacas um lugar confortável para deitarem, ruminarem e descansarem é fundamental para mantê-las saudáveis e produtivas. Em galpões do tipo Free- Stall, se as vacas não deitam nas baias, é necessário reavaliar seu desenho e dimensões, e verificar se as camas estão limpas e em quantidade adequada.
Os galpões do tipo Compost Barn são cada vez mais comuns em nosso País, mas o manejo da cama está sendo bem feito? As vacas estão passando a maior parte do seu tempo descansando? Um índice que costumo usar para avaliar o conforto em rebanhos leiteiros é de que, das vacas que não estiverem comendo ou bebendo água, pelo menos 80% devem estar confortavelmente deitadas.
Para vacas mantidas em pastagens, se elas passam a maior parte do tempo em pé ou se vão deitar nos corredores ou em áreas ensolaradas, é preciso verificar o estado da pastagem, a presença de pedras e a condição e disponibilidade das áreas de sombra, que devem estar sempre secas. Vacas com estresse térmico ficam mais suscetíveis a distúrbios metabólicos, problemas reprodutivos e, normalmente, consomem menos alimentos. Consequentemente, produzem menos leite.
Cuidar muito bem das áreas de sombra nos pastos e da ventilação nos galpões é a melhor forma de prevenir a ocorrência de estresse térmico pelo calor. Aumentar os níveis de potássio, sódio e magnésio das rações de vacas em estresse térmico é recomendável, mas alterações na alimentação nessa situação são apenas medidas paliativas. O que resolve mesmo é refrescar as vacas!
Há outros inúmeros aspectos sobre os quais poderíamos discutir por tempo indeterminado, mas o que foi abordado aqui já nos dá uma boa ideia do quão importante é observar as vacas, ´ouvir o que elas têm a nos dizer´, pois elas nunca mentem. O trabalho do nutricionista não pode se limitar a formular dietas, pois se as vacas não respondem bem, de quem é a culpa? É muito fácil apontar para quem fez a formulação.