26/11/2012 - 17:15
Nos últimos anos, a política agrária brasileira primou pela crescente desapropriação de terras e a criação de novos assentamentos. Por outro lado, pouco fez para criar um modelo económico que garantisse renda para os beneficiados pela reforma agrária. Desde julho, porém, o novo comandante da política fundiária no País vem articulando mudanças nesse quadro. O atual presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o economista Carlos Guedes, quer que os assentamentos sejam mais eficientes na produção de alimentos, com foco em maior cobertura de assistência técnica rural e na diversidade de produtos. Assessor especial do ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, em 2003, sua meta mais ambiciosa agora é triplicar para 45 mil toneladas a produção agrícola de assentados, até o fim do ano safra 2012/2013, em Junho do ano que vem. Como parte dessa estratégia, o principal objetivo é garantir um destino para a produção desses agricultores pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “A ideia é ter assentamentos competitivos”, diz Guedes.
A política defendida por Guedes, graduado em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), marca uma ruptura em relação a gestões recentes do Incra. O novo projeto de política agrária defendido pela presidenta Dilma Rousseff passa a inserir os assentamentos num modelo de negócios. Enquanto os assentados entram com a produção, o Estado utiliza seu poder de compra para garantir-lhes renda. Além da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), gestora do PAA, o Incra quer incluir as Forças Armadas e o sistema penitenciário como clientes dos assentados. “Com isso, o Incra fará com que o agricultor saia da mera subsistência e obtenha lucros”, diz o pesquisador Guilherme Delgado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fundação vinculada ao Núcleo de Assuntos Estratégicos do governo federal.
Potencial não falta para o crescimento da produção dos assentamentos. Atualmente, segundo Guedes, apenas 25 mil assentados, dos 4,4 milhões existentes no País, fornecem produtos para o PAA. “Queremos abrir mais mercado para esses agricultores.” Guedes quer investir na ampliação da produção de culturas das quais os assentados já detêm conhecimento, como leite, arroz, feijão, mandioca e milho. Para isso, estão previstos R$ 145 milhões em recursos no orçamento deste ano para a assistência técnica aos assentamentos, um salto de 122% em relação ao ano passado.
Não se trata de jogar dinheiro fora: dados do último censo rural mostram que esse é um investimento que compensa. Em geral, os agricultores familiares que receberam assistência continuada entregaram uma produtividade três vezes maior que os demais assentados. Segundo a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Sônia Maria Bergamasco, que há seis anos organiza a Jornada de Estudos em Assentamentos Rurais, a reforma agrária precisa de mais oportunidades de negócio. “É isso o que está propondo a nova gestão do Incra”, diz Sônia.
Guedes também pretende estimular o potencial que algumas comunidades tradicionais têm para produzir itens diferenciados, com o uso de técnicas específicas de plantio. Um exemplo é o da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan) – ligada ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), no Rio Grande do Sul –, que, desde o início deste ano, fornece arroz orgânico para a rede de supermercados Pão de Açúcar. “A grande vantagem da agricultura familiar é abastecer os mercados regionais.”
Com o foco no incentivo à produção, o ritmo de criação de novos assentamentos deve manter a trajetória cadente dos últimos anos. Em 2011 foram 22 mil famílias. Neste ano, entretanto, a primeira desapropriação só aconteceu em agosto, para 1,1 mil famílias. O apetite do órgão para gastar com a expansão fundiária também diminuiu: o orçamento para desapropriações, que em 2011 foi de R$ 790,8 milhões, caiu para R$ 700 milhões em 2012. “O foco mudou”, afirma Guedes. Para colocar em prática a nova política fundiária, ele espera que o Congresso Nacional aprove o orçamento do Incra de 2013, estimado em R$ 2,5 bilhões, ante os R$ 2,1 bilhões deste ano.