08/04/2022 - 13:18
O tenente-coronel Valmor Saraiva Racorti, da assessoria policial militar do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPE) sob a acusação de ter acobertado um homicídio dentro do quartel do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar de São Paulo. A vítima foi o tenente Samuel Rodrigo Rosa.
O crime aconteceu no dia 1º de setembro de 2020, na Rua do Horto, no Tremembé, na zona norte de São Paulo. Eram 18h30, quando, após uma instrução que envolveu dois pelotões de policiais, o primeiro-tenente Marcos Vinícius de Souza Pegoretti teria assassinado o colega dentro do quartel. Na época, Racorti era o comandante do 4º Batalhão de Choque, ao qual o Gate, uma tropa de elite da polícia paulista, está subordinado.
O caso agora está nas mãos do juiz auditor Ronaldo João Roth, titular da 1ª Auditoria da Justiça Militar. Ele deve decidir na próxima semana se acolhe ou não a denúncia do MPE e transforma os acusados em réus. Caso isso ocorra, deverá ser formado um Conselho Especial de Justiça, com quatro coronéis da PM e o juiz auditor.
O crime foi registrado inicialmente como homicídio culposo, como se fosse um acidente, mas, segundo o Ministério Público Estadual (MPE), a farsa foi desmontada por meio de uma reconstituição feita a mando do corregedor-geral da PM, coronel Eduardo Henrique Briciug Martinez. Além do tenente-coronel, outros quatro oficiais são acusados de prevaricação e Pegoretti, de homicídio doloso (quando há intenção de matar). São eles: os capitães Pedro Alexandre de Farias Gobbi, Bruno Penachio de Oliveira e André Júlio da Costa e o tenente-coronel José Luiz Gonçalves, então no Comando de Policiamento de Choque (CPChoq).
No dia do crime, a vítima e o acusado de homicídio participaram de treinamento com munição não letal na sede do Gate. A instrução terminou às 18h. O capitão Farias Gobbi era o responsável pelos dois pelotões e superior de Pegoretti e da vítima. Após o término do treino, ele determinou que todos fizessem a verificação de armas para deixar o local da instrução. O tenente Pegoretti apanhou uma submetralhadora Famae, calibre 40. Ele a municiou e a manteve destravada. Estava com guarda alta, empunhando a arma para cima, quando ingressou em um dos locais usados na instrução. O quarto era mal iluminado.
Foi quando, segundo o acusado, ele escorregou e disparou acidentalmente a arma. Mas como o local não foi preservado pela capitão para a perícia, pontos obscuros permaneceram. O celular do acusado também não foi apreendido. Foi nesse ponto que a Corregedoria da PM entrou no caso. “Um sujeito treinando pelo Estado matou um colega de farda em treinamento que, diga-se, não era utilizada munição letal”, diz a denúncia.
De acordo com o MPE, o tenente-coronel Racorti disse ao chancelar a decisão de que não havia crime no caso que o tenente Pegoretti agiu como qualquer ser humano e chamou o caso de “fatalidade”.
Mas, para a Promotoria, o tenente sabia do risco de andar com submetralhadora armada e destravada e assumiu o risco de produzir o resultado ao matar o colega. Por isso, o promotor Rafael Magalhães Abrantes Pinheiro decidiu denunciá-lo por homicídio doloso. E ainda acusou os outros cinco oficiais – seus superiores – de terem tentado encobrir a sua conduta criminosa. A principal prova do Ministério Público é a reconstituição do crime, feita pelo próprio comandante da Corregedoria, coronel Briciug. A perícia foi acompanhada pela assistente de acusação, a advogada Sylvia Ono.
Para a Promotoria, a defesa dos acusados não conseguiu explicar como em um treinamento sem munição real pôde ser morta por outro oficial com uma arma longa e com munição real. Samuel Rosa foi descrito como um oficial “muito querido” por quem o conheceu.
A reportagem do Estadão procurou o gabinete do prefeito para tentar conversar com Racorti. Mas não obteve resposta até a publicação desta matéria. Também procurou o comando da PM. Até agora, os oficiais acusados alegaram inocência.