11/09/2020 - 12:02
A revelação de que a ala militar do governo estava se articulando para ganhar maior poder de decisão nos assuntos orçamentários em detrimento da equipe econômica ampliou a preocupação com a pressão dentro do governo por aumento de gastos. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, deve passar a integrar a Junta de Execução Orçamentária (JEO), colegiado responsável pelas principais decisões do Orçamento e que é hoje formada apenas pelos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Casa Civil, Walter Braga Neto.
Segundo apurou o Estadão com integrantes do Planalto e da área econômica, a mudança estava em discussão no governo com a justificativa de que haverá mais envolvimento da área política do governo na definição sobre a divisão dos recursos do Orçamento. A chegada de Ramos seria para haver um “desempate” nas questões.
O diagnóstico entre os técnicos da área econômica do governo, porém, é de preocupação. Com a inclusão, os ministros militares do Planalto passariam a ser maioria na JEO, com poder de fazer prevalecer suas decisões ante as posições do ministro Guedes e sua equipe.
O colegiado toma as principais decisões sobre recursos no governo federal, inclusive sobre a liberação de emendas que fazem parte das negociações políticas com parlamentares para a aprovação de pautas de interesse do governo no Congresso.
Segundo apurou o Estadão, a inclusão da Secretaria de Governo atende à articulação política do governo, necessária quando se trata de Orçamento, mas pode abrir brechas para a entrada de outros ministros na JEO.
Nos últimos meses, a JEO foi palco de atritos entre os ministros por conta da elaboração da proposta de Orçamento de 2021 e da divisão dos recursos. Um ponto que gerou fricção foi a pressão por mais dinheiro para o Ministério da Defesa, inclusive com a proposta de adiar o Censo marcado para 2021, com o objetivo de irrigar recursos para a área militar.
Outro tema de embates foi a divisão de recursos para o chamado Plano Pró-Brasil de investimentos ainda em 2020. Guedes queria limitar os gastos a R$ 4 bilhões, mas a conta acabou ficando em R$ 6,5 bilhões, como revelou o Estadão, para contemplar todas as demandas dos ministérios da Infraestrutura, do Desenvolvimento Regional e do próprio Congresso.
O Planalto reclama que Guedes não liga para o cálculo político e tem atrapalhado nas negociações. Já os técnicos da área econômica veem com grande preocupação as mudanças, que podem incentivar aumento de gastos e novas concessões.
Em conferência, na quarta-feira, o ministro Guedes disse que está agora “enquadrado em um regime de comunicação política regular, acabou meu voluntarismo”. A área econômica vê, porém, como positivo para a pauta econômica a maior articulação política do governo com as lideranças dos partidos, sem a dependência do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Distorção
Não é de hoje que a Secretaria de Governo, responsável pela articulação política, queria integrar a JEO. A pasta vinha buscando seu assento há algum tempo, justamente por entender que precisa ter poder de voto para deliberar sobre as emendas parlamentares.
O ingresso da pasta, porém, é visto como uma distorção no desenho da junta orçamentária, hoje calcado em dois pilares: o de limites técnicos (orçamentários e financeiros), defendido pela Economia, e outro das demandas de política pública, incorporado pela Casa Civil.
Depois que a reportagem foi publicada no estadao.com, a Secretaria de Governo confirmou em nota que o ministro Luiz Eduardo Ramos deve passar a compor a JEO, mas alegou que “apenas em função consultiva”, não como membro decisório.
No ano passado, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub garantiu lugar privilegiado nos momentos decisivos da divisão do bolo de recursos do Orçamento de 2020. Nas reuniões finais da JEO para bater o martelo sobre o projeto de Lei Orçamentária do ano que vem, Weintraub participou como convidado e pôde fazer uma pressão corpo a corpo por mais dinheiro. Com isso, conseguiu aumentar em R$ 5 bilhões os recursos previstos no Orçamento. Como revelou à época o Estadão, a participação de muitos técnicos e ministros de fora da JEO nas reuniões incomodou a área econômica, dada a sensibilidade dos temas tratados nos encontros.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.