“Os dados do pós-pandemia mostram que a alfabetização precisa ser foco das políticas públicas do novo governo”, afirma Patrícia Botelho, especialista em alfabetização e professora da Universidade Mackenzie. Anteontem, ela participou do terceiro meet point da série “Reconstrução da Educação”, que debate os caminhos para o Brasil retomar investimentos nos ensinos infantil e fundamental. Segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que acompanha o processo de alfabetização de estudantes do 2º ano, a proporção de crianças com dificuldades para ler e escrever dobrou entre 2019 e 2021, saltando de 15,5% para 33,8%. E a baixa participação no exame em Estados como Roraima indica que o número pode ser ainda pior.

Nesse sentido, o Ministério da Educação (MEC) deve lançar, em breve, o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa inspirado no exemplo cearense, referência em educação no País. Ao lado do Escola em Tempo Integral, lançado na última semana, o governo Lula aposta na reedição da parceria com Estados e municípios para alavancar a alfabetização de crianças até os 7 anos. Como destaca Alan Porto, secretário de Educação do Mato Grosso, o Pacto buscará federalizar um modelo de alfabetização que já vem sendo implementado, com sucesso, em 11 Estados. “Isso tem de vir com um apoio técnico e pedagógico, incentivo à formação continuada de professores e um sistema de reconhecimento às escolas com bons resultados – com apoio àquelas que não alcançarem as metas.”

Secretária de Educação de Ferraz de Vasconcelos, Paula Trevizolli espera maior investimento do MEC. Considerada cidade dormitório na Grande São Paulo, Ferraz foi muito afetada pelos cortes dos últimos anos. “Temos muitas crianças em situação de vulnerabilidade social. Cerca de 70% dos recursos recebidos via Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) já estão comprometidos com a folha de pagamento. Por isso, o que sobra é uma quantidade pequena diante das muitas necessidades da região”, destaca.

DESAFIO ANTIGO

As dificuldades para alfabetizar integralmente os estudantes no País já eram realidade antes da pandemia. Segundo estudo da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em parceria com Unicef e Undime, 330 mil crianças brasileiras estavam fora da pré-escola em 2019. Com a suspensão do ensino presencial, as desigualdades sociais e no acesso à tecnologia ganharam evidência, e hoje o cenário é pior.

“A gente já vinha com essa preocupação de como melhorar esse processo. E os resultados atuais mostram que houve uma regressão na pandemia”, diz Patrícia. Segundo o Estudo Internacional de Progresso em Leitura (Pirls), que avaliou o desempenho de mais de 400 mil estudantes do 4º ano em 57 países, o Brasil obteve uma das piores notas no quesito habilidade de leitura, com quatro em cada dez alunos apresentando dificuldades para ler.

COMPREENSÃO DE TEXTO

“Ao fim do 2º ano, a criança deve ser capaz de compreender um texto simples, curto e com palavras cotidianas”, pontua Patrícia, que destaca as dificuldades das escolas para criar mecanismos de acompanhamento das habilidades dos alunos.

Um bom professor alfabetizador deve ter clareza sobre os processos e etapas envolvidos na alfabetização, saber como a criança aprende e qual a melhor forma de estimulá-la a ler e escrever. “Esse conhecimento é importante dentro de uma formação de professores eficaz. Saber que o papel da criança é aprender a relacionar letras e sons, fazendo-a enxergar essa relação na própria linguagem oral, no cotidiano”, afirma Patrícia.

Gerente de Conhecimento Aplicado na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Beatriz Abuchaim acrescenta que um dos desafios é pensar tanto a educação infantil como a alfabetização como partes do mesmo processo, já que, desde cedo, crianças são estimuladas a desenvolver a aprendizagem, criando hipóteses de escrita. “Muitas pessoas pensam na alfabetização como (sinônimo de) ensino fundamental, mas essa discussão precisa começar antes. Sabemos que a criança terá curiosidade pela leitura e escrita mesmo antes da educação infantil. Por nascer num mundo letrado, ela desenvolve essa curiosidade e cria hipóteses de escrita, de maneira espontânea”, afirma.

Nesse sentido, o papel da escola, afirma Beatriz, é fazer com que esse processo ocorra de maneira intencional, desenvolvendo as habilidades de leitura e escrita.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.