16/12/2016 - 15:18
O projeto Balde Cheio, que se tornou uma referência em capacitação de profissionais da assistência técnica e produtores de leite, pode se tornar um macro programa de transferência de tecnologias da Embrapa. Dentro do sistema de gestão da instituição, “macro programas” são as instâncias que abrigam vários projetos de pesquisa sobre um mesmo tema. Dessa forma, o Balde Cheio deixaria de ser uma ação de uma das unidades da Embrapa para se tornar um programa da instituição, englobando outras unidades com a mesma finalidade. Esse redimensionamento ampliará as ações do projeto, permitindo maior aporte de recursos, tanto da Embrapa como de órgãos parceiros, o que possibilitará a ampliação do número de produtores assistidos.
Várias reuniões estão já foram realizadas com esse objetivo. Entre elas, o Seminário Leite e Derivados – Balde Cheio e outras tecnologias, ocorrido no início de dezembro, em Goianá-MG. O evento que durou quatro dias reuniu representantes do Sebrae e pesquisadores e analistas das unidades da Embrapa que trabalham com leite. Segundo o chefe do Departamento de Transferência de Tecnologias da Embrapa, Fernando Amaral, o objetivo foi definir as linhas de atuação da Embrapa e do Sebrae na construção de uma rede com as metodologias consolidadas do projeto Balde Cheio, com coordenação nacional. Além da Embrapa Pecuária Sudeste e da Embrapa Gado de Leite, o Sebrae (entre outras instituições, conforme a região) terá papel fundamental na formulação e condução do projeto.
Produtor familiar – O Balde Cheio surgiu há 18 anos, idealizado pelo pesquisador Arthur Chinelato de Camargo, da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos/SP. Em linhas gerais, o objetivo é capacitar extensionistas e produtores de leite, utilizando propriedades rurais para difundir informações e tecnologias aplicadas em cada região, monitorando os impactos ambientais, econômicos e sociais nos sistemas de produção que adotam as tecnologias propostas.
Segundo Chinelato, o foco do Balde Cheio são as propriedades de base familiar: “Além do aumento da produtividade e da rentabilidade, buscamos a recuperação da autoestima e da dignidade do produtor de leite por meio do aumento da renda, permitindo a fixação da família no meio rural”. Quanto à extensão rural, o pesquisador diz que o objetivo é restabelecer a importância do extensionista como fator essencial no desenvolvimento sustentável da atividade leiteira. Em linhas gerais, o que o Balde Cheio pretende é incrementar a pecuária de leite via transferência das tecnologias que melhor se adaptem à realidade de cada propriedade.
Sobre essa perspectiva, o chefe-adjunto da Embrapa Pecuária Sudeste, André Novo, desfaz um grande mito do projeto: “O Balde Cheio não quer impor um pacote tecnológico, mas fazer com que o produtor trabalhe de forma profissional”. Uma das exigências para participar do projeto é fazer a escrituração básica: anotações zootécnicas como controle leiteiro e reprodutivo e controle financeiro da propriedade. Também são necessários os controles de brucelose e tuberculose e o atendimento de todas as exigências legais relativas à atividade.
O projeto trabalha com o conceito de “unidades demonstrativas”, onde a fazenda é a sala de aula para o técnico da extensão. Reuniões e dias de campo envolvendo os produtores de uma localidade são realizados periodicamente, sempre com a autorização do dono. Nesses encontros, os produtores recebem as orientações dos profissionais da assistência técnica, bem como de um instrutor, capacitados pelos pesquisadores da Embrapa. “O que preconizamos são tecnologias consagradas de intensificação da produção como adubação de culturas forrageiras, obedecendo peculiaridades regionais”, diz Novo. Outra exigência para que uma propriedade se torne uma “unidade demonstrativa” é que o proprietário permita a visitação por outros técnicos e produtores da região.
Evolução do projeto – No ano passado, o Balde Cheio estava presente em 395 municípios de 11 estados. Eram 246 técnicos em treinamento, 303 unidades demonstrativas e 1.531 propriedades assistidas. Em 2016, só Minas Gerais, estado onde o projeto está melhor estruturado, já se contabiliza 330 municípios participantes, 240 técnicos em treinamento e 2.500 propriedades assistidas. O engenheiro agrônomo Fábio Moreira, coordenador do Balde Cheio no estado, diz que em 2007 eram apenas 50 produtores em nove municípios. Esse crescimento se deve principalmente às parcerias, uma característica importante do projeto. Em todo país há cerca de cem instituições parceiras envolvendo Sebrae, Senar, federações estaduais de agricultura e empresas estaduais de assistência técnica, além de prefeituras, sindicados, cooperativas, associações e laticínios.
Resultados no campo – O melhor resultado do projeto é encontrado no campo, ouvindo a experiência de produtores como a de Hudson Silva, de Lima Duarte – MG. Antes de entrar para o programa, em 2014, Silva era técnico de enfermagem no hospital da cidade, assim como a esposa, Silvânia Barbosa da Costa, que ainda trabalha no mesmo hospital. Cansado da rotina estressante da área de saúde, ele decidiu deixar a profissão para produzir leite. Visitou propriedades leiteiras participantes do Balde Cheio e, com a orientação de um dos técnicos, começou uma nova vida no sítio Boa Sorte, com área total de 1,3 hectares.
Há dois anos, quando iniciou na atividade, Silva tinha um rebanho de cinco vacas, com duas em lactação. Sua produção era de 14 litros de leite por dia. Hoje, com oito animais, produz 170 litros diariamente. “É uma satisfação ver a produção crescer dia a dia”, comemora Silva. “Consegui aumentar o número de vacas do meu rebanho sem expandir a área; aos poucos estou me aprimorando e adotando mais tecnologias”. Mesmo continuando a trabalhar na área de saúde, a esposa de Silva fez vários cursos e hoje, quando não está no hospital, fabrica queijos e iogurtes para agregar valor à produção do sítio.
Há cerca de 100 quilômetros de Lima Duarte, no município de Santos Dumont–MG, está a propriedade de Paulo Fernando Mendes e uma outra história de sucesso. Mendes suou muito a camisa sem obter resultados significativos. Segundo ele, sua vida era cortar capim o dia todo para alimentar as vacas. Quando iniciou o trabalho começou a produzir leite, Mendes chegou a ter uma média de apenas um litro de leite ao dia por vaca. Em 2008, conheceu o Balde Cheio e passou a visitar outras propriedades, adotando as metodologias recomendadas pelo programa. O corte diário e extenuante da capineira ficou no passado. Hoje ele divide a fazenda em piquetes rotativos para as vacas e, com ajuda do filho Lucas, de 19 anos, e da esposa Lucinea, mantém uma produção diária de 1.200 litros de leite, com média de 29 litros por vaca, ocupando intensivamente menos da metade de sua propriedade de 46 hectares.
Mendes é ainda mais otimista com o futuro: “Temos grande potencial e sinto que posso crescer muito trabalhando com minha família”. Para Chinelato, este é o resultado mais significativo projeto: “recuperar a autoestima do pequeno produtor, pois é isso que fará ele permanecer na atividade”. Novo destaca que as mudanças nem sempre são rápidas como a dos dois produtores citados nesta reportagem, mas a aprendizagem é sustentável e o progresso, continuo.
Leite de cabra – Além da produção de leite em rebanhos bovinos, o Balde Cheio já está presente na caprinocultura leiteira. Incluir a produção de leite de cabra no escopo do projeto Balde Cheio, foi uma das metas de Chinelato para este ano. O “marco zero” dessa inclusão ocorreu em julho, durante dia de campo realizado numa fazenda de caprinos, no município de Rio Novo–MG. O evento fez parte da programação do14º Cabra Fest, que também contou com um workshop sobre a produção de caprinos na região da Mata Atlântica, realizado no dia anterior no campo experimental da Embrapa Gado de Leite, em Coronel Pacheco-MG.
A metodologia é a mesma utilizada na pecuária de leite bovina: utilização de propriedade leiteira de cunho familiar como “sala de aula prática”, com a finalidade de reciclar o conhecimento de todos os envolvidos (pesquisadores, extensionistas e produtores). Os caprinocultores recebem acompanhamento contínuo dos técnicos e, como na pecuária bovina, as unidades demonstrativas também servem de exemplo de desenvolvimento sustentável da atividade leiteira em todos os aspectos, sejam técnicos, econômicos, sociais e ambientais. O sucesso tende a se repetir.