03/05/2021 - 17:41
Dois anos após a sanção da lei do novo cadastro positivo, o banco de informações de crédito dos brasileiros segue sem dados provenientes de empresas prestadoras de serviços de água, esgoto, luz, gás e telecomunicações. A constatação é do Banco Central, em documento sobre os efeitos do cadastro positivo no mercado de crédito. A análise foi encaminhada nesta segunda-feira, 3, ao Congresso.
Uma das bandeiras do BC nos últimos anos, o novo cadastro positivo foi instituído em abril de 2019. A lei prevê que os dados de crédito dos brasileiros passariam a ser fornecidos, automaticamente, a Gestores de Bancos de Dados (GBD) que, por sua vez, dariam notas a pessoas físicas e empresas, conforme o histórico de pagamento. Em tese, os bons pagadores teriam notas maiores e, ao buscarem crédito no sistema financeiro, poderiam ter acesso a linhas com juros menores. A grande diferença do novo cadastro é que ele é automático – antes, no cadastro antigo, era preciso solicitar a inclusão.
A tramitação do novo cadastro no Congresso enfrentou obstáculos, em especial entre parlamentares ligados a entidades de defesa do consumidor. Um dos temores era de que o novo sistema dificultasse ainda mais o acesso ao crédito para uma parcela da população que tem pouca ou nenhuma relação com os bancos.
Para minimizar esta possibilidade, o novo cadastro positivo previu que, além do histórico de crédito dos brasileiros, seriam consideradas na nota informações ligadas ao pagamento de contas de água, luz e telefone, entre outras. Com isso, mesmo a população desbancarizada poderia se beneficiar do novo cadastro, porque o correto pagamento das contas significaria notas maiores.
No entanto, o BC informou ao Congresso, no documento “Análise dos Efeitos do Cadastro Positivo”, que dois anos depois da sanção da lei há “dificuldades relevantes” para implementar o novo cadastro em função do baixo engajamento das fontes de dados. “A primeira dificuldade é o não recebimento de dados provenientes dos prestadores de serviços continuados de água, esgoto, eletricidade, gás e telecomunicações. O setor financeiro ainda é a principal fonte de dados e não há previsão legal de penalização para fontes que se negam ou alongam o prazo para o credenciamento e envio dos dados de pagamento para os GBDs”, registrou o BC no documento.
De acordo com a autarquia, as empresas fornecedoras de serviços como água e luz têm enfrentado dificuldades para organizar os dados. Além disso, há um custo envolvido no envio. O BC cita ainda a “desconsideração da importância e dos benefícios do cadastro positivo para a sociedade”. Como não há previsão de penalidade para as empresas, a remessa de informações é deficiente.
O BC apontou ainda que os dados vindos de prestadores de serviços de telecomunicações devem ser incorporados ao cadastro ainda em 2021. “Mas ainda não há previsão para a adição de grande parte das informações provenientes de prestadores de serviços de eletricidade, gás, água e esgoto”.
No documento, o BC afirmou que a visão, entre as instituições financeiras, é de que “os benefícios do cadastro positivo serão maiores quanto mais ampla e mais rápida for a incorporação de novas fontes de dados não bancários ao processo”. “Espera-se que, quando houver a agregação efetiva de dados de telefonia, serviços continuados (água, luz, gás) e varejistas, os consumidores não bancarizados poderão ser incluídos, aumentando, assim, o alcance dos benefícios para a população”.
Ao enviar a análise ao Congresso, o BC cumpre uma das exigências da lei aprovada em 2019, que previa a apresentação, em até 24 meses, de relatório com os resultados alcançados, para fins de “reavaliação legislativa”. Este mecanismo também chamou atenção na época, por abrir a possibilidade de uma “reavaliação” legislativa, no futuro, de uma lei já aprovada. Assim como outras concessões incorporadas à lei, o mecanismo foi uma forma de tornar o projeto defendido pelo BC mais palatável aos parlamentares.
Cadastro maior
O documento enviado ao Congresso pelo BC informa que o número de cadastrados no sistema deu um salto no fim de 2019, chegando a 15 vezes mais do que era registrado no cadastro antigo.
Também houve mudanças no perfil de quem entrou no novo cadastro. Dados do fim de 2020 mostram que 41% das pessoas cadastradas migraram para faixas de menor risco de crédito; 33% permaneceram na faixa original; e 26% foram para faixas que indicam maior risco de crédito.
Conforme o BC, apesar de ainda incompleto, o novo cadastro também já trouxe efeitos positivos para o custo do crédito. “Um estudo empírico das operações de crédito pessoal não consignado para novos tomadores demonstrou uma redução média de 10,4% dos spreads nas operações, comparando tomadores com pontuação no cadastro positivo com aqueles sem pontuação”, disse o BC. “Isto equivale a 31 p.p. quando considerada a taxa de juros média de 299% ao ano observada nessa amostra de operações”, acrescentou a autarquia. O spread corresponde à diferença entre o custo de captação de recursos pelos bancos e o que é efetivamente cobrado do consumidor final em operações de crédito.