17/06/2021 - 13:00
Para Luiz Fernando Figueiredo, sócio da gestora Mauá Capital e ex-diretor de política monetária do Banco Central, o aumento da taxa básica de juros de 0,75 ponto porcentual está em linha com o processo de subida de juros iniciado pelo Banco Central no começo do ano. Segundo ele, a decisão indica uma posição de “firmeza” da autarquia, que busca elevar a meta da Selic para conter o aumento da inflação dos últimos meses.
Em entrevista ao Estadão, Figueiredo afirma que a disparada nos preços no Brasil está relacionada a um choque de custos global, puxado principalmente pela elevação das commodities. A situação tende a ser passageira, mas deve levar tempo para se normalizar, à medida que a economia dos países se recupera da pandemia.
Nesse ambiente, segundo ele, os Bancos Centrais e os governos precisam ficar atentos para reduzir os estímulos monetários e fiscais, para evitar uma inflação ainda mais elevada. “As expectativas sobre a inflação ainda estão dentro do esperado, mas é preciso tomar cuidado para não descolarem da meta do ano que vem”, afirma ele na entrevista a seguir.
Qual o desafio do Banco Central em responder à pressão inflacionária?
Na minha visão, o aumento da inflação é um fenômeno mundial, que ainda não se encerrou. À medida que (a economia) vai normalizando, a demanda de alguns produtos e serviços cresce, e a procura por outros itens cai. Mas o mundo ainda vive um nível de desemprego elevado. Uma vez que a economia se normalize completamente, é difícil acreditar que o processo inflacionário se mantenha muito forte.
Por quê?
Porque o desemprego é tão alto, que impede uma alta de preços elevada. A dúvida que existe hoje é se o desemprego vai sumir rapidamente. Se isso acontecer, realmente pode ter uma situação de superaquecimento e um processo inflacionário mais vigoroso. O cenário de hoje não é este. É o primeiro cenário: o desemprego ainda alto e os choques de preços muito intensos.
Como o Banco Central pode responder a esses choques?
O Banco Central consegue ajustar a demanda, mas, sobre os choques de aumento de custo, não há muito o que fazer. Não existe instrumento para agir contra isso. Nenhum Banco Central no mundo tem. Só que esses choques tendem a ser temporários.
Como fica a situação do Brasil?
No caso brasileiro, diria que o desafio é maior porque os choques de preços foram mais acentuados do que a média no mundo, até por causa da nossa fragilidade fiscal. Mas, por outro lado, o nosso desemprego não tende a se reduzir muito fortemente.
Por que não?
O Brasil já tinha um desemprego alto antes da pandemia. E acredito que muitas empresas aprenderam a trabalhar com menos pessoas. O custo de empregar e desempregar é muito alto. O mercado de trabalho é rígido. A tendência é (a empresa) trabalhar o máximo que puder sem empregar mais, o que acaba postergando a recuperação do emprego.
Nesse sentido, o risco de inflação mais acelerada é menor?
O risco de superaquecimento é menor. O risco é muito mais de haver tantos choques de custos que isso acabe gerando um processo de bola de neve. As expectativas sobre a inflação ainda estão dentro do esperado, mas é preciso tomar cuidado para não se descolarem da meta do ano que vem. Um desafio importante para o Banco Central é controlar as expectativas. A gente precisa ter choques menos frequentes e intensos para que isso aconteça. A verdade é que, semana a semana, a gente vê as expectativas se distanciando da meta do Banco Central. O desafio é controlar minimamente isso.
Como controlar?
Dar choques (de aumento de juros acima do esperado) um atrás do outro é contraproducente. O Banco Central já surpreendeu o mercado várias vezes ao longo desse processo. Ele tem que mostrar que está firme e disposto a fazer o que for necessário.
Como avalia a resposta da política monetária até aqui?
Tivemos tantos choques, e agora temos essa crise hídrica que trouxe mais inflação. E parece que ela levará mais tempo para normalizar. É muito difícil um Banco Central controlar as expectativas quando há um choque atrás do outro. O lado positivo é que o risco fiscal, pelo menos no curto prazo, baixou. O teto de gastos foi respeitado. Temos um orçamento que está mais para o responsável do que para o irresponsável. A arrecadação aumentou, e o governo segurou gastos. Esse era um impacto relevante que atrapalhava o Banco Central.
O aumento da taxa Selic está em nível adequado?
Para se mostrar firme, o Banco Central não deve aumentar o passo. Porque (a elevação de 0,75 ponto porcentual) já é um passo largo. Não é extraordinário, mas está acima do normal, que seria de 0,50 ponto. Vejo que o Banco Central pensava em normalizar a política monetária parcialmente. A meu ver ele vai ter que abandonar isso. Dado a esse processo inflacionário, vai ter que normalizar completamente. O que quer dizer não dar nenhuma paradinha (no aumento de juros) e ir para uma Selic em 6,50% ou 7% com certa velocidade.
O Banco Central subestimou a inflação quando manteve o juro em 2%?
Agora é fácil dizer. Mas, desde 2002, a gente não tem essa quantidade de choques (de custos). Era difícil supor que haveria essa pressão quando a taxa Selic foi para 2%. A expectativa de inflação no ano passado era bem abaixo da meta.
O que pode afetar a política monetária nos próximos meses?
O primeiro ponto é a dinâmica da pandemia: o quanto a economia no mundo está indo ou não para a normalidade. À medida que isso ocorre, é cada vez menos correto manter o volume de estímulos fiscais e monetários. Tem que haver uma mudança nessas políticas. Quanto mais se demorar para fazer essa mudança, maior risco de inflação mais elevada.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.