28/08/2019 - 12:17
O produtor Alexandre dos Santos Viana, 49 anos, cultiva bananas há 10 anos. É uma tarefa cara e laboriosa. Na fazenda Pedra Furada, no município de Eldorado Paulista (SP), ele planta 25 hectares de bananeiras, que exigem atenção total, cinco dias por semana, e que dá fruta o ano inteiro. Para isso, ele gasta cerca de R$ 10 mil por hectare para manter a produção. A feito de comparação, um produtor de soja em Mato Grosso gasta R$ 3,8 mil por hectare na lavoura. O resultado de Viana são cerca de 500 toneladas de bananas a cada ano. Esse número poderia ser bem melhor, até 50 toneladas (10%) a mais. “Tenho muitas perdas durante a safra”, diz o produtor. “Muitas frutas são bicadas por pássaros, atacadas por insetos e amassadas na hora da colheita. Essas são imediatamente descartadas”. Mas há outra parcela de frutas que não estão nessa primeira categoria. São frutas boas e de qualidade, mas que estão fora dos padrões que a maioria dos consumidores busca, simplesmente por serem consideradas “feias” ou deformadas. “Vendo apenas as bananas maiores e com a casca lisa. As menores e com a casca não tão lisa iam direto para o lixo”. Pelas projeções dele, suas perdas com frutas consideradas feias são de 35 toneladas anuais.
Há dois anos, essa realidade mudou. Agora, Viana consegue comercializar essas frutas que antes eram simplesmente descartadas. Ele faz parte de um grupo de 30 produtores e mais três cooperativas agrícolas que abastecem a startup paulistana Fruta Imperfeita. A empresa, fundada no final de 2015, vende cestas de alimentos pela internet, utilizando um modelo de assinatura. Por R$ 100 mensais, o comprador recebe em casa, semanalmente, uma cesta com cinco tipos de frutas e cinco de legumes. Além das bananas da Pedra Furada, a startup recebe maçãs, batatas, mamões, cenouras, pepinos, tomates, laranjas, entre outros alimentos, que chegam direto desses produtores.
Dependendo do produto e da época do ano, o produtor rural ganha até mais negociando com a startup do que vendendo no mercado formal. Viana, por exemplo, vende o quilo de banana no mercado tradicional por preços que variam entre R$ 0,50 e R$ 2. Para o Fruta Imperfeita, esse preço fica em R$ 1,50. “Já dá para perceber que, em certos casos, eu ganho até mais”, destaca o produtor. “É uma ideia sensacional. Passei a ganhar com aquilo que antes eu jogava fora”. Viana lembra que levava uma pequena parte das frutas descartadas para casa, para ele e sua família comerem. “Por serem menores, são as mais saborosas. O consumidor precisa rever seus conceitos.”
E boa parte deles já está revendo. Semanalmente, 1,7 mil paulistanos recebem em casa a cesta do Fruta Imperfeita, segundo o engenheiro mecânico Roberto Matsuda, 35 anos, fundador e CEO da empresa. “Essa ideia está ganhando cada vez mais adeptos”, afirma Matsuda. “Todo produto recebido é devidamente vendido. Nossa proposta é o desperdício zero.” No ano passado, a startup registrou 350 mil toneladas de alimentos recebidos e vendidos. Para este ano, a expectativa é dobrar essa quantidade, chegando a 700 mil toneladas. “Iniciamos o projeto com o foco na conscientização das pessoas sobre os alimentos.
Vemos que essa ideia está dando bons resultados.” Os números confirmam o que ele diz. Este ano, o faturamento do Fruta Imperfeita deve ser de R$ 1,8 milhão. O maior desafio, porém, nem é conquistar o consumidor, mas desatar o nó logístico entre a startup, instalada num galpão na zona Sul de São Paulo, e o produtor rural. A maior parte deles está em São Paulo, mas há produtores em Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul. “Negociamos o preço para ser atrativo a esse produtor, para que ele também tenha lucro”, diz Matsuda. “A ideia é que o negócio seja sustentável para todos.”
CONTRA O DESPERDÍCIO Foi quase por acaso que Matsuda passou a empreender no segmento de alimentos, com foco na relação entre o campo e a cidade. Desde o início de sua carreira, o engenheiro atuou basicamente no setor de engenharia civil. Até que, em 2015, durante uma pós-graduação em gestão de negócios com viés em sustentabilidade, começou a perceber que havia um nicho interessante na quantidade de alimentos produzidos nas fazendas e descartados. “Saí à procura de produtores e visitei diversas fazendas, para perceber se isso era realmente um grande problema. A conclusão foi evidente”, diz. De lá para cá, Matsuda investiu cerca de R$ 50 mil na empresa. Os planos futuros, no entanto, podem levar esse negócio muito além do modelo de entrega a domicílio de frutas e verduras. “Hoje, penso em formas de como ampliar o sistema, atraindo mais produtores, mesmo que a gente não compre a produção diretamente dele”. A ideia seria como um conceito de marketplace de produtos sustentáveis, uma espécie de shopping center virtual para o comércio desses alimentos desvalorizados pelo mercado. “Poderia servir de conexão direta entre o público consumidor e os pequenos produtores”.
A tarefa é desafiadora. Isso porque o desperdício da produção agrícola é um dos grandes problemas de um mundo com população crescente, que se alimenta mal, joga fora boa parte de sua produção e precisará de ainda mais alimentos no futuro. Mundialmente, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) contabiliza 1,3 bilhão de toneladas de alimentos desperdiçados por ano. Somando os efeitos econômicos (gastos de recursos naturais como água e terra, mais insumos como adubos minerais, pesticidas, energia elétrica e combustíveis fósseis) e mais os impactos ambientais e sociais, estima-se que esse prejuízo seja de US$ 2,6 trilhões anuais. O valor é equivalente ao PIB do Reino Unido, a quinta maior economia do planeta. No Brasil, a FAO estima uma perda anual de 41 mil toneladas de alimentos. No início deste ano, a Embrapa apresentou os cálculos de desperdício residencial no Brasil. Por pessoa, são quase 42 quilos de alimentos descartados, o que pode representar um desperdício de cerca de 9 milhões de toneladas por ano. No final de maio, a estatal fez o cálculo monetário dessa conta. São R$ 68 bilhões literalmente jogados no lixo. Ao menos, o trabalho de Matsuda acende uma luz no fim do túnel.