06/06/2025 - 7:00
Em meados dos anos 1870, alguns pesquisadores começaram a se interessar pela exploração das chamadas terras pretas da Amazônia. O que logo chamou a atenção foi a alta fertilidade das terras em comparação com os solos vizinhos e o potencial de armazenar carbono.
Apesar da origem desconhecida, alguns estudos dão conta de que o carbono está armazenado nestas terras há cerca de entre 1.000 e 1.500 anos, ou seja, muito antes da chegada de Cristóvão Colombo às Américas.
Esse material ficou conhecido como biochar, e é feito com o carvão obtido pela queima de resíduos sólidos. Esquecido durante décadas, ele começa a ser redescoberto pela indústria, em especial nas produções cafeeiras.
Uma das maiores torrefadoras de café do Brasil, a holandesa JDE Peets, dona de marcas no Brasil como L´Or e Pilão, começou, em novembro de 2023, um estudo sobre os benefícios e a viabilidade do uso do biochar em grandes plantações de café. O objetivo da pesquisa é tanto para medir o impacto positivo no sequestro de CO₂ no ambiente, como para analisar o quanto que a aplicação do produto é benéfica para a melhora do solo.
O engenheiro agrônomo na JDE Peet’s Brasil, Bruno Ribeiro, explica que o biochar que está sendo testado na pesquisa é feito com as sobras do café depois que ele é beneficiado, como as cascas secas.
“O processo de produção do biochar a partir de resíduos, como a casca seca de café, ocorre por meio de uma queima sem oxigênio, o que gera calor e gases que podem auto-sustentar o processo e até produzir energia excedente”, apontou.
Pesquisa com biochar foi feita em mega fazenda em Minas Gerais
A primeira fazenda que o biochar foi testado na produção cafeeira foi na Fazenda da Lagoa, de propriedade do grupo alemão MKG, na cidade de Santo Antônio do Amparo, em Minas Gerais.
Com 1.700 hectares de café plantado, a propriedade contou com a ajuda de alunos do curso de Engenharia Agrônoma da Universidade Federal de Lavras, coordenados pelo professor Leônidas Carrijo Azevedo Melo, para utilizar o composto em 800 plantas. Nelas, há quantidades diferentes do produto para realizar testes entre cada uma delas.
“Com base nesse um ano de pesquisa, o impacto já identificado em termos de sacas de café foi um aumento de 18 sacas por hectare onde o biochar foi aplicado. O resultado foi observado na aplicação da dose mais alta de biochar (3500 kg por hectare, cerca de 600g por planta), onde também foi possível reduzir a aplicação de nitrogênio em até 40%. Houve um melhor efeito em aumento de produtividade com essa combinação”, explicou Leônidas.
Ribeiro explica, porém, que resultados mais exatos serão atingidos no final desta safra, já que a produção das plantas de café são bianuais.
Quais os benefícios na produção de café?
O uso do biochar no Brasil ainda está mais concentrado na cultura do café, mas caso o resultado seja positivo, o produto deve ser utilizado em outras culturas, por conta de seu potencial como condicionador de solo e de diminuição da pegada de carbono. De acordo com os dados já verificados, os principais benefícios na produção de café são:
Melhora das propriedades do solo: funciona como um condicionador de solo e consegue reter mais água, o que pode ajudar a minimizar o impacto das grandes secas. Além disso, ele consegue reter mais nutrientes.
Aumento da produtividade do fertilizante mineral: permite reduzir a aplicação de nitrogênio mineral, já que na dose mais alta testada, houve melhor efeito em aumento de produtividade mesmo com a redução de até 40% do nitrogênio aplicado.
Os nutrientes minerais (fósforo, potássio, cálcio, magnésio) contidos na casca do café se concentram no biochar e atuam como fertilizantes. Foi possível economizar na adubação de potássio no primeiro ano devido a isso.
Além disso, observou-se um aumento de 18 sacas de café por hectare no melhor tratamento testado (equivalente a 38% de aumento de 28 para 46 sacas).
Benefícios ambientais e sustentabilidade: é uma ferramenta para remover carbono atmosférico e colocar no solo, já o carbono presente na casca do café fica estocado por mais de 1000 anos, de acordo com pesquisas. Adotado em larga escala, pode tornar a fazenda carbono neutro ou negativo.
Pesquisas ficaram paradas por décadas
Apesar de ser um material já conhecido da comunidade científica, os estudos em larga escala do biochar ficaram paralisados por décadas por conta do alto custo de sua produção.
O cenário começou a mudar em 2018, quando o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) reconheceu o material como uma ferramenta confiável para a remoção de carbono atmosférico. “Com isso, o desenvolvimento das pesquisas para o biochar ser utilizado em propriedades que querem ter crédito de carbono avançou muito”, explica Leônidas.
Brasil desponta como pioneiro
O Brasil é pioneiro no uso do biochar na produção agrícola e seu uso no café deve se expandir para outras culturas nos próximos anos. O professor Leônidas e Bruno Ribeiro explicam que o modo de produção do café no Brasil auxilia na produção do material.
A forma como o café é processado no Brasil (principalmente via seca, secando o grão inteiro e depois descascando) gera um resíduo (a casca) que já está seco e praticamente pronto para ser usado na produção de biochar. Isso é diferente de países como a Colômbia, onde a produção gera uma polpa úmida que exigiria um processo adicional de secagem, gastando energia, para ser usada na produção do material. Essa característica do processamento brasileiro facilita a produção de biochar a partir da casca de café sem a necessidade de gastar energia para secar o resíduo.
Como foi feito o teste
Local e Escala: O experimento está montado em um campo de café e envolve um número considerável de plantas. São 48 parcelas de campo. Cada uma dessas parcelas contém 16 plantas de café, totalizando quase 800 plantas que recebem algum tipo de tratamento neste experimento.
Delineamento Experimental: O estudo utiliza um delineamento que chamam de fatorial 3×4. Isso significa que eles estão testando combinações de três níveis de biochar com quatro “níveis” de nitrogênio no solo. No total, são 12 combinações de tratamentos.
Replicações: Cada um dos 12 tratamentos é replicado quatro vezes para garantir a robustez estatística, resultando nas 48 parcelas. Existem blocos casualizados para avaliar a variação dentro da lavoura.
Doses de Biochar Aplicadas: As doses de biochar aplicadas foram de 1750 kg por hectare e 3500 kg por hectare. A dose mais alta (3500 kg/ha) equivale a cerca de 600 gramas por planta, enquanto a mais baixa é cerca de 300 gramas por planta. Estas não são doses consideradas muito elevadas, levando em conta o custo e o potencial impacto negativo de doses excessivas. Ao aplicar o biochar, os pesquisadores também descontaram o potássio presente nele na adubação do primeiro ano.
Método de Aplicação: O biochar foi aplicado a lanço, ou seja, foi jogado na superfície, especificamente debaixo da planta. Este método de aplicação na superfície/lanço é diferente de aplicá-lo diretamente no sulco (o buraco feito para plantar a muda), que é outro método de aplicação em campo que não foi usado neste experimento específico.
Quando Foi Aplicado: A aplicação foi feita em novembro de 2023, que foi no começo da fase de adubar para aquele ano, antes de iniciar a adubação usual.
Identificação: As parcelas e plantas que receberam tratamento (ou são controle) são marcadas com fitas para identificação.
Persistência no Solo: O biochar aplicado na superfície foi incorporado ao solo ao longo do tempo e permanece lá, pois ele é considerado praticamente permanente no solo.