Berço de quatro campeões mundiais de surfe profissional – Gabriel Medina (SP), Adriano de Souza “Mineirinho” (SP), Ítalo Ferreira (RN) e Filipe Toledo (SP) – o Brasil não costuma constar da lista de destinos mais cobiçados por estrangeiros que viajam atrás de ondas perfeitas. Em parte porque não oferece condições para a prática do esporte tão boas quanto as de destinos famosos, como Austrália, Indonésia e Havaí (Estados Unidos). Mas também por não investir o necessário para tentar atrair este público, conforme apontam entrevistados ouvidos pela Agência Brasil sobre o potencial de atração turística dos chamados esportes de aventura.

“Não sou especialista em turismo, mas me parece que há sim um potencial pouco explorado pelo Brasil”, avalia o diretor de Comunicação da Confederação Brasileira de Surf (CBSurf), Ricardo Bocão.

Sócio fundador do canal a cabo Woohoo, dedicado aos esportes de ação, Bocão pega ondas há mais de quatro décadas. Já surfou em ao menos 18 países e tem dezenas de temporadas havaianas em seu currículo. Também participou das primeiras iniciativas para profissionalizar o surfe no Brasil. Mesmo com sua vivência, o carioca não se lembra de já ter visto uma campanha publicitária destinada a convencer surfistas de outras nações a visitarem o Brasil.

“Certamente, nossos surfistas profissionais seriam ótimos garotos-propagandas se os órgãos responsáveis ou uma agência turística soubessem associar a imagem deles a algo como as características do clima, as belezas naturais, a culinária e ao fato de sermos um povo hospitaleiro”, comenta Bocão.

Ele cita Equador, Costa Rica e El Salvador como exemplos de países mais próximos à realidade brasileira e que investem na atração de surfistas que viajam não só atrás de boas ondas, mas também de “experiências”.

Ricardo Bocão pega ondas há mais de 40 anos – Arquivo pessoal

“Não acho que a performance de atletas profissionais seja preponderante para alguém decidir visitar um lugar a fim de praticar um esporte. O que motiva um surfista amador a conhecer a Austrália, por exemplo, são as condições para a prática do esporte, além das belas paisagens, segurança, infraestrutura e facilidade de se deslocar pelo país, e não o fato de não sei quantos campeões mundiais de surfe terem nascido na Austrália. Ainda que isso também possa entrar na conta”, diz Bocão, destacando que, mesmo não oferecendo as melhores e mais constantes ondas do mundo, o Brasil dispõe de atributos para atrair mais surfistas e turistas de aventura.

“Belezas naturais o Brasil tem de sobra. Basta saber ‘empacotar’ o produto e vendê-lo no exterior. Até porque, muitas pessoas não viajam para praticar um só esporte. Elas vêm atrás de um combo que inclui outras modalidades e culturas. Além disso, quantos países podem oferecer a um surfista experiente a oportunidade de domar as extensas e fortes ondas da pororoca, em plena Floresta Amazônica?”, questiona Bocão.

Estrondo

Pioneiro do surfe na pororoca no Brasil, o paranaense Sérgio Laus, de 43 anos, já correu ondas de rios entre troncos de árvores seculares que as forças das águas arrancaram do solo pela raiz. Observado por ribeirinhos que o auxiliaram a desbravar a Amazônia e, eventualmente, por jacarés, búfalos e uma variedade de pássaros, escreveu seu nome no Guinness, estabelecendo o recorde mundial de maior distância (10,1 quilômetros) percorrida surfando uma onda. Marca que ele próprio superou alguns anos depois, ao permanecer de pé sobre a prancha por 36 minutos ininterruptos, totalizando exaustivos 11,8 quilômetros.

 Paranaense Sérgio Laus é Pioneiro do surfe na pororoca no Brasil – @pororocatur

Os dois feitos foram alcançados no Rio Araguari, no Amapá. Lugar distante da costa brasileira e para onde poucos surfistas pensariam em viajar levando suas pranchas. O paranaense também se dedicou a mapear e experimentar os melhores pontos para prática do surfe em pororocas do Maranhão e Pará. E foi, então, conhecer o efeito do encontro das águas de rios com as do oceano em outros países, incluindo a China, onde esteve a convite do governo.

Com sua experiência, passou a ajudar outros surfistas e equipes de TV e documentaristas, inclusive estrangeiras, a desfrutar das melhores condições para a prática da modalidade e para registrarem o exótico surfe florestal.

“‘Unreal’, ‘Unbelievable’, ‘The best trip of my life’, ‘The best ever’… Essas costumam ser as reações deles ao chegar e ver de perto a dimensão do fenômeno e a natureza. Todos ficam alucinados. E não só os gringos. Os brasileiros que têm a oportunidade de ter a experiência completa, surfando e conhecendo a Amazônia, também voltam impactados”, conta Laus.

Tendo testemunhado ondas de rio virarem lanchas; se perdido na selva e sofrido ao menos um acidente grave, Laus alerta que as condições extremas não permitem que pessoas inexperientes se aventurem na pororoca.

“Surfar uma destas ondas é muito complexo e perigoso. É preciso ter domínio da prancha, saber remar. Não dá para colocar um iniciante naquelas condições. Até porque, mesmo quem já tem o preparo necessário precisa de uma estrutura adequada, com profissionais que conheçam a região, saibam navegar e, principalmente, saibam como minimizar os riscos iminentes. Sem isso, a pessoa pode não conseguir surfar. Ou, pior, pode entrar em uma grande roubada e ver seu sonho se tornar um pesadelo em locais de difícil acesso”, pondera Laus, destacando que, entre surfistas experientes, viagens para lugares remotos, com ondas de boa qualidade e, de preferência, solitárias, são comuns.

“Além disso, as possibilidades turísticas vão além do surfe. A pororoca é um fenômeno que pode ser associado ao ecoturismo, ao turismo de observação e que pode, inclusive, proporcionar a oportunidade única de uma pessoa assistir, em segurança, surfistas experientes surfando ondas poderosas, tal como acontece no Havaí, em Nazaré [Portugal] e em outros picos de ondas grandes”, acrescenta o paranaense. Segundo ele, os principais divulgadores do surfe na pororoca são os próprios praticantes da modalidade.

“A promoção de qualquer atividade relacionada ao ecoturismo e ao turismo de aventura precisa ser feita com cuidado para não fomentarmos atividades perigosas ou que possam prejudicar o meio ambiente”, alerta o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura (Abeta), Vinicius Viegas.