Cerca de 560 toneladas de carne bovina produzidas na fazenda Esperança, do confinador de gado Marcos Roberto de Rezende, em Campo Grande (MS), tiveram um destino certo no ano passado: o mercado europeu. “Posso dizer que o objetivo de meu negócio foi alcançado”, afirma Rezende, pecuarista há 30 anos. “Eu queria vender carne para a Europa porque nesse mercado é possível o pecuarista ter um ganho real com o boi, pois a arroba é mais valorizada pelos frigoríficos.” No ano passado, entre outubro e dezembro, período no qual o produtor vendeu toda a boiada gorda, a média obtida pela arroba da fazenda foi de R$ 154, valor 10,3% acima do índice do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP), que ficou na média de R$ 139.

Desde 2009, ano em que começou a confinar, esta foi a primeira vez que Rezende conseguiu um valor diferenciado pela boiada. Mas, para ganhar esse bônus, o pecuarista teve de caprichar na engorda dos dois mil bois anelorados ( nelore cruzados com outras raças), para que fossem entregues ao frigorífico antes dos 24 meses e com peso acima de 18 arrobas. O capricho no manejo dos animais comprados ainda garrotes, que ficam no pasto antes de seguirem para 90 dias de confinamento, passou pela adoção da castração, um método que poucos pecuaristas utilizam atualmente, mas que é considerado o caminho mais curto para a obtenção de uma carne de qualidade, com acabamento de gordura e maciez.


Castração: o produtor escolheu a vacina ao em vez  do método cirurgico tradicional, para não prejudicar a produtividade

Rezende, no entanto, não escolheu o método cirúrgico  tradicional de castração, temeroso de que pudesse prejudicar a produtividade do rebanho. Para entrar no mercado do boi castrado, o produtor optou pela chamada castração imunológica, alcançada através de medicamento. “Para mim, não existe mais dúvida se devo, ou não, castrar um animal, o caminho é claro, pois me interessa um preço na arroba que faça realmente justiça à qualidade do meu gado”, diz Rezende.  De acordo com o produtor, hoje ele detém um poder de negociação que antes não tinha com os frigoríficos. O resultado é que, no ano passado, a receita com a venda do gado foi de R$ 5,7 milhões, mais do que o dobro dos R$ 2,7 milhões obtidos com a venda de mil animais não castrados, em 2013. Para o ano que vem, o plano é chegar ao limite máximo da capacidade da fazenda, estimado em cerca de 2,6 mil animais em 50 hectares. “Por isso preciso rentabilizar o negócio”, diz.


“A pecuária do passado produzia boi, a de hoje precisa produzir carne” Eduardo Pedroso diretor regional de originação do JBS

Todo o gado castrado da fazenda Esperança foi comprado pela JBS, do grupo J&F, que no ano passado faturou R$ 120 bilhões e foi eleita a Empresa do Ano no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL. De acordo com o zootecnista Eduardo Krisztán Pedroso, diretor regional de Originação do JBS e especialista em gestão da qualidade e segurança dos alimentos, a castração é uma das chaves que abrem as portas ao mercado que mais valoriza a carne de qualidade. “Hoje, vários canais de venda são muito refratários aos desvios da qualidade da carne brasileira”, diz Pedroso. “Isso é fruto da crescente pecuária de boi não castrado das últimas décadas.”

Para Rezende, o que pesou na decisão pela castração imunológica foi o custo de R$ 17, por animal, gastos na compra de duas doses de uma vacina produzida pela farmacêutica americana Zoetis, ante a bonificação média de R$ 100, por animal, obtida na venda ao frigorífico. De acordo com o médico veterinário Sebastião Fernandes Neto, assistente técnico da Zoetis Brasil, o maior benefício da castração é levar o gado a um melhor acabamento da carcaça, com depósitos de gordura que protegem os cortes nobres de carne, como o contrafilé e a picanha. “A castração é o único caminho para que o animal desenvolva rapidamente essa capa de gordura na carne”, diz Fernandes Neto. “É ela que protege a fibra muscular, evitando o seu encurtamento nas câmaras frias dos frigoríficos e o seu endurecimento.”


“Técnicas que assegurem o bem-estar animal fazem parte desse pacote” Paco Ortiz presidente da Zoetis Brasil 

Além do Brasil, a vacina da Zoetis, lançada em 2010, é vendida na Nova Zelândia, México, Turquia e Peru. Nos Estados Unidos, o maior mercado mundial de carne de qualidade, ela não é usada por uma razão muito simples. Os americanos utilizam anabolizantes que inibem a atividade sexual dos machos, proibidos no Brasil. A vacina da Zoetis não é um hormônio, mas sim um medicamento que estimula a produção de anticorpos no animal. São eles que suspendem temporariamente a fertilidade dos machos. De acordo com o mexicano Paco Ortiz, presidente da subsidiária brasileira da Zoetis, a castração não traz apenas eficiência ao rebanho, ela é também uma ferramenta de sustentabilidade. “Parte importante do ganho do pecuarista está relacionada com a eficiência operacional na produção”, diz Ortiz. “Todas as técnicas que assegurem o bem-estar animal também fazem parte desse pacote.”

A JBS, que em 2014 abateu 8,6 milhões de animais, o equivalente a  25% da produção nacional, vem monitorando o mercado de castrados, que tem ainda muito espaço para crescer no País. No ano passado, 18,7 mil animais que utilizaram a vacina da Zoetis foram abatidos em seus frigoríficos, o equivalente a apenas 0,2% do total. “A vacina é capaz de trazer vantagens consistentes à pecuária, mas, como toda ferramenta, há uma curva de aprendizado de mercado”, diz Pedroso. Para ele, os erros no uso da técnica são muito freqüentes e se repetem, tais como a falta de um planejamento nutricional adequado e a aplicação da vacina em animais acima de 40 meses de idade. “Quanto mais jovem for o animal, mais eficiente é o efeito dessa vacina na qualidade das carcaças.”

Com o monitoramento mais preciso, através de programas como o Farol da Qualidade, criado em 2012, Pedroso diz que a ideia é refinar cada vez mais o mapa da carne de qualidade no País.  Neste ano, em algumas unidades de abate em Mato Grosso do Sul, por exemplo, a JBS  estabeleceu premiações baseadas no Farol, classificando a carne em padrões desejável, tolerável e indesejável. No ano passado, foram classificadas como toleráveis 52,2% da carne analisada, seguida por 33,8% de indesejáveis, ficando a desejável, com menos de 25%. Pedroso acredita que a castração pode ajudar a reverter esse quadro, ampliando a participação do desejável. “A pecuária do passado produzia boi, a de hoje precisa produzir carne”, afirma. “Porque, cada vez mais, é preciso entregar valor ao consumidor.”