Surgidos em 1994, os títulos financeiros lastreados em operações agropecuárias sempre foram vistos como uma alternativa de financiamento para o agronegócio que não ganhava corpo. Os primeiros papéis a ser regulamentados, os Certificados de Produto Rural (CPR), são garantidos pelos produtos físicos – soja, milho, café ou trigo, por exemplo. Sua circulação é restrita, pois não há muitos investidores interessados em receber, em casa, sacas de grão ou cabeças de gado. Bons CPRs, porém, são disputados pelo mercado financeiro, pois servem de matéria-prima para a estruturação de títulos de diversas formas, prazos e rentabilidades.

Brilhante em teoria, essa estrutura de financiamento vem patinando na distribuição dos títulos, atualmente restrita a clientes abonados de private banks. No entanto, um evento realizado no pregão da BM&FBovespa, no dia 16 de agosto, representa um novo estágio no desenvolvimento desses papéis. Naquela data, Certificados de Recebíveis do Agronegócio, os CRAs, que são títulos puramente financeiros lastreados em atividades agropecuárias, foram oferecidos ao mercado, em uma operação que contou com a participação da Bunge Alimentos, da Syngenta e de quatro distribuidoras de insumos de Mato Grosso. “É a primeira vez que esses títulos são oferecidos diretamente aos investidores”, diz Ivan Wedekin, diretor da BM&FBovespa, responsável pelos mercados agropecuários. “Esse é um novo instrumento para o produtor, que se juntará a outras alternativas para o financiamento do agronegócio”, diz Pedro Parente, presidente da Bunge Alimentos.

A operação é fácil de entender. Quatro distribuidores de insumos da Syngenta – Fiagril, Sinagro, Agrocar e Agrícola Panorama – emitiram títulos de renda fixa garantidos por CPRs de seus clientes. Esses títulos foram reunidos sob a forma de CRAs por uma companhia de securitização paulista, a Octante, e oferecidos ao mercado. Para as distribuidoras, a vantagem é ter mais fôlego financeiro para conceder crédito ao agricultor. “Isso garante sua fidelidade como cliente”, diz Jaime Binsfeld, diretor-comercial da Fiagril. As distribuidoras consomem fertilizantes da Bunge e sementes da Syngenta. “Nossa concorrência é com o produtor de sementes mais baratas, mas que proporcionam uma produtividade menor”, diz David Télio, gerente de estruturação financeira da Syngenta e responsável pela montagem do negócio. “Com maior fôlego financeiro, o produtor pode comprar as nossas sementes.”

Em si, a emissão foi pequena, tendo captado apenas R$ 82 milhões. No entanto, as condições foram invejáveis. Os papéis, com três anos de prazo, pagam juros equivalentes a 109% dos juros de mercado medidos pelos Certificados de Depósito Interfinanceiro (CDI) e possuem classificação de risco de crédito AAA pela agência Fitch Ratings. Há um bônus adicional para o investidor: seu rendimento é isento de imposto de renda, o que garante uma das melhores rentabilidades da praça. “Essa remuneração com certeza vai atrair mais investidores”, diz Laércio Giampani, diretor-geral da Syngenta. Segundo ele, o potencial de emissão pode chegar a cerca de R$ 4 bilhões nos próximos anos, à medida que os investidores passem a conhecer e a demandar esses títulos. “O fato de os papéis serem listados no Bovespa Fix, segmento de negociação de títulos de renda fixa da bolsa, garante transparência de preços e favorece a liquidez, que é o que está faltando para esse mercado deslanchar.” No caso das negociações realizadas na Cetip, mercado organizado de títulos, as negociações de CRA acontecem desde 2010 e o volume negociado saltou de R$ 23 milhões para R$ 361,7, um crescimento de 1.472%.