Os governos do Brasil e da China avançaram nas últimas semanas na negociação para que o comércio e os investimentos entre os dois países sejam feitos diretamente entre o real e o yuan (RMB), o que excluiria o dólar dos Estados Unidos como moeda de referência nas transações.

Reduzir a dependência do dólar, aumentando a circulação do yuan, é uma das linhas de atuação da política externa e financeira da China, num contexto de disputas comerciais e geopolíticas com os Estados Unidos. Recentemente, o governo do presidente Xi Jinping firmou acordos com Arábia Saudita e Rússia para o uso do yuan no comércio. O RMB tem cerca de 2% de participação nos pagamentos globais, em crescimento principalmente no entorno do gigante asiático.

No fim de janeiro, os bancos centrais dos dois países assinaram um memorando para estabelecer uma “clearing house” no Brasil. Na prática, trata-se de um banco escolhido pelo governo chinês – o ICBC – com liquidez na moeda chinesa para fazer a compensação das divisas diretamente. O empresário no Brasil receberia em yuan e faria, nesse mesmo banco, a troca pelo real.

Segundo relatório lançado em novembro do ano passado pelo Banco do Povo da China (PBC, o banco central chinês), no fim de 2021 existiam 27 bancos de “clearing” da moeda chinesa fora da China continental em 25 países e regiões diferentes, como Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Luxemburgo, Suíça, Catar, Taiwan, Coreia do Sul, Cingapura e Austrália. Na América do Sul, o Chile possui um acordo similar, assim como a Argentina. Mesmo os EUA possuem uma “clearing house” para fazer a troca direta da moeda, indicada pelo BC chinês.

A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, afirmou que “a maior previsibilidade das taxas de câmbio” é muito importante para investidores e comerciantes. Segundo ela, os impostos sobre transações de câmbio são um dos pontos mais questionados por parceiros chineses no Brasil, e o comércio em moeda local poderia contribuir para o incremento das trocas bilaterais. A balança comercial entre os dois países alcançou U$ 150 bilhões no ano passado, e os investimentos diretos da China no Brasil chegaram ao acumulado de U$ 70 bilhões.

Além disso, ela celebrou o avanço de tratativas para que um banco brasileiro possa ingressar no sistema de pagamentos chinês. Em outra frente, o BNDES também planeja lançar novas linhas de financiamento para o comércio bilateral.

“Esses elementos reduzirão os custos de transação para trocas entre real e RMB, e são um elemento a mais nesse adensamento das relações”, disse Tatiana, que participou do Fórum de Negócios Brasil-China, realizado ontem, em Pequim, com cerca de 523 participantes, entre autoridades dos dois governos e empresários.

‘Primeiro passo’

A secretária, que representou o Ministério da Fazenda, disse a jornalistas que o estabelecimento do banco autorizado pelos chineses para fazer as transações entre as moedas locais é um “primeiro passo”, tornando-se mais uma opção para os negócios, embora a ideia não seja tornar esse sistema obrigatório. Ela disse que as próprias “clearing houses” podem ter limitações na capacidade de atender os negociantes agora. “Pode interessar, sim, para muitos empresários, sobretudo quando isso representar queda de custos nas transações, seja com financiamento, comércio exterior ou investimento.”

A vice-ministra de Comércio da China, Guo Tingting, também celebrou os avanços no memorando para estabelecer uma “clearing house” para uso do yuan. Ela disse que os países são parceiros estratégicos e tem um relacionamento “modelo”.

Empresários ouvidos pela reportagem dizem que os efeitos ainda não estão claros. O Ministério da Fazenda entende que o uso da moeda chinesa poderá reduzir custos.

Um executivo de um dos maiores frigoríficos do País disse que o acordo poderá ser interessante se o fato de não envolver o dólar permitir o acesso a linhas de financiamento para exportação, em bancos chineses, com taxas de juros mais baixas. Para exportadores do agronegócio nacional, o uso do dólar pode ser vantajoso, pois, além de receberem na moeda americana e terem despesas em real, conseguem reduzir os efeitos do chamado “custo Brasil”.

Redução de custos

O acordo pode trazer vantagens para exportadores e importadores brasileiros, com baixo risco para o Brasil, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.

Na visão de Tulio Cariello, diretor de Conteúdo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), as transações diretas permitiriam redução de custos financeiros, já que ao passar os pagamentos da moeda chinesa para o dólar e depois para o real, ou vice-versa, há perdas nas taxas de câmbio. Em segundo lugar, as taxas de câmbio para yuan, com maior controle do governo chinês, variam menos, dando maior previsibilidade para as empresas.

“Pode ser uma alternativa para diminuir o custo de transação, para evitar duas conversões”, afirmou o ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento Welber Barral. Ele pontua, porém, que o acordo não deve substituir por completo o uso do dólar nas transações com o gigante asiático. Isso porque, apesar de o Brasil poder comercializar diretamente por meio de outras moedas, chamadas de conversíveis – como euro, franco suíço e libra esterlina -, mais de 90% das transações do comércio exterior brasileiro hoje ainda são em dólar.

Segundo o consultor Sérgio Quadros, diretor da SQ Asia Business Consulting, outra vantagem das transações diretas para os exportadores brasileiros é a possibilidade de abrir mercado na China. Isso porque as regras da política de controle de capitais do governo chinês limitam o acesso dos importadores locais ao dólar. Com as transações diretas, é possível ir além desses limites. “Certamente haverá aumento do comércio”, afirmou. (COLABORARAM VINICIUS NEDER E ANNA CAROLINA PAPP)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.