N a fazenda Genève, encravada na charmosa serra que liga o município de Teresópolis ao Rio de Janeiro, a paisagem e a arquitetura lembram os Alpes suíços, boa parte dos animais que circulam pela propriedade é originária da Suíça, o queijo servido aos convidados remete à França, mas as cabras são brasileiras. Nesse pedaço de chão, desde 1996 o zootecnista e criador caprino leiteiro Reinaldo Pires testa receitas de queijos artesanais que vêm conquistando renomados chefs de cozinha da capital fluminense, como Olivier Cozan, do iX Bistrô, Roland Villard, do Le Pré Catelan, e Claude Troisgros, do Olympe. O grupo que brilha no cenário da alta gastronomia carioca e nacional mantém no cardápio de seus restaurantes pratos elaborados a par tir das iguarias produzidas com o leite das cabras da Genève. “Foi a qualidade do leite e a técnica francesa de produzir o queijo que levaram nossos produtos à elite carioca”, diz Pires. “Troisgros foi um dos primeiros chefs a apreciar o nosso queijo.”

No entanto, Pires não se contentou apenas com os queijos e os cabritos da Genève. O pecuarista criou um estilo de vida ao transformar sua fazenda em um misto de capril, fábrica artesanal e espaço gastronômico. Desde o início do projeto, ele mantém no local um bistrô no qual atua como chef de cozinha. “Preparo fondues, gratinados, trutas e uma variedade de carnes e receitas à base de queijo”, diz. Em 2004, Pires recebeu o primeiro Prêmio Jovem Chef em um evento promovido pela Universidade Estácio de Sá, na capital fluminense, instituição na qual ele concluiu o curso de gastronomia. No mesmo ano, Pires passou uma temporada na Le Cordon Bleu, de Paris, a renomada escola de culinária francesa. A fazenda Genève conta ainda com uma loja que oferece uma variedade de produtos com leite de cabra, como cremes hidratantes e doces, além do próprio queijo. Para o próximo ano, o projeto do criador é inaugurar uma pousada na fazenda.

A ideia da Genève começou a germinar depois que Pires concluiu a faculdade na década de 1990 e foi estagiar em um capril em Le Bois de Louvières, em Marsauceux, na região central da França, em companhia da mulher, a veterinária Rose. Na Europa, o casal aprendeu a fabricar os queijos, aperfeiçoou as técnicas de manejo de animais e da inseminação artificial. Atualmente, 10% do rebanho é gerado por essa técnica reprodutiva e todo sêmen utilizado é importado da França e do Canadá. Para produzir os queijos de qualidade, os animais são registrados na Associação de Caprinocultores do Estado do Rio de Janeiro, com o controle leiteiro realizado a cada 15 dias para a avaliação da produção individual e do rebanho. Mas o casal continua com um pé na Europa. “Ainda fazemos intercâmbio com produtores do Exterior porque sempre podemos aprender alguma coisa”, diz Pires. “O objetivo é melhorar constantemente nosso sistema de produção.” O capril participa ainda do Programa de Melhoramento Genético de Caprinos Leiteiros realizado pela Embrapa Caprinos e Ovinos, em Sobral (CE), em busca dos melhores animais do rebanho.

Na fazenda, o manejo das 170 cabras é feito em sistema de confinamento, com grande parte da alimentação dos animais cultivada na própria fazenda. “Isso garante a qualidade do leite, porque controlamos o que vai para o cocho”, diz Pires. Segundo ele, na dieta dos animais, feijão-guando, sorgo, milho, capineiras de capim-elefante, tifton, amora, rami e bananeira garantem uma alimentação diversificada, que interfere no sabor do leite. A essa alimentação, Pires acrescenta sal mineral, feno de alfafa e silagem de aveia. A ordenha mecânica é realizada duas vezes por dia, e cada uma das cerca de 90 fêmeas em lactação produz em média quatro litros de leite por dia, ou seja, quase 11 mil litros de leite por mês. De acordo com o pai e sócio do empresário na Genève, Carivaldo Pires, normalmente uma cabra alimentada com uma dieta de boa qualidade é capaz de produzir no máximo três litros de leite por dia. “Conseguimos um litro a mais porque investimos em tecnologia e manejo”, diz Carivaldo. Mesmo assim, em função da demanda por queijos, a produção própria não é suficiente para a fábrica. De outros produtores da região a Genève compra atualmente cerca de nove mil litros de leite por mês.

Com os cerca de 20 mil litros de leite que chegam à queijaria da Genève todos os meses, é possível fabricar uma média de dois mil quilos de queijo por mês. “O crottin é um deles”, diz Carivaldo. O queijo fabricado com as mesmas técnicas de preparo utilizadas na província francesa Berry, local de origem do crottin, é revestido com diferentes tonalidades de mofos ou temperos. O brique, outra especialidade do capril, tem a forma de um pequeno tijolo, o sabor forte e um odor típico. Esse queijo é servido por Pires em tábuas ou em recheios de massas no restaurante Cremerie Genève, nome de seu bistrô na fazenda. Já o queijo pyramide, que pode ser recoberto por mofos brancos ou azuis, conta ainda com a cinza especial chamada cendrè, que seu pai faz questão de buscar na França.

Os queijos da Genève, entre eles o charolais, sainte maure, boursin, chevrotin, aperitif – são 12 tipos no total –, também conquistaram as gôndolas dos supermercados de elite da zona sul carioca e restaurantes de hotéis requintados, como o Sofitel, em Copacabana. Pai e filho não dizem quanto faturam com a venda dos queijos, mas, no mercado consumidor, um quilo dessas delícias produzidas com leite de cabra pode variar de R$ 60 até R$ 1 mil.