Responsável por menos de 30% da produção de café no Brasil, a espécie canephora, que envolve as variedades conilon e robusta, tem tudo para ganhar espaço entre os produtores brasileiros no futuro. 

Conhecida por conter o dobro de cafeína do café arábica, a espécie mais popular do país, o conilon e o robusta sempre foram vistos como “patinhos feios”, por não terem um sabor tão delicado quanto o arábica. Hoje em dia, porém, muitos produtores já estão pensando em começar a produzir o café conilon, que é mais resistente às mudanças climáticas e pode render até o dobro de sacas por hectare. 

Conilon chegou ao Brasil no século XX

O café conilon, assim como o robusta, faz parte da espécie coffea canephora. Tradicional da região do Congo e do Gabão, e hoje é cultivada no Brasil principalmente nos estados do Espírito Santo, Bahia e Rondônia. 

Apesar de ser cultivada desde o final do século XIX, foi somente durante a II Guerra Mundial que a variedade ganhou popularidade, já que ela contém o dobro de cafeína e era uma bebida que servia para os soldados ficarem acordados. 

“O café era consumido principalmente pelo seu teor de cafeína, como um estimulante para para começar o dia. O Conilon, sendo um produto com mais cafeína, foi muito introduzido nesse período. Além disso, ela também ficou muito popular por conta da criação do café solúvel, devido às suas características químicas”, explicou a analista em café da Hedgepoint, Laleska Moda.  

No Brasil, a variedade só se popularizou na década de 1970, quando produtores começaram a testar a plantação dos grãos no Espírito Santo, depois de se frustrarem no cultivo do arábica. Já o arábica é cultivado no país desde o século XVI, trazido pelos franceses.   

De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o arábica foi responsável por 66,4% da produção de café do país em 2024, enquanto o conilon responde por 27,9%. Já em rendimento por hectare em 2024, o arábica atingiu 26,9 sacas por hectare enquanto o conilon superou as 50 sacas. 

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Variedade mais resistente

Apesar do tamanho do mercado estar estagnado em 30% há alguns anos, muitos agentes do mercado acreditam que o conilon tende a ganhar terreno entre os produtores do Brasil e conseguir atingir os 50% da produção em poucos anos. 

Um dos maiores trunfos da espécie é ela ser mais resiliente diante das mudanças climáticas e pragas que afetam mais o arábica. Rodolfo Climaço, gerente da agricultura da Nestlé Brasil, conta que produtores em regiões que historicamente produz arábica, já estão querendo mudar para o conilon. 

“Produtores do cerrado mineiro, região mais tecnificada na produção de café do mundo, já estão nos procurando para conseguir fazer estudos em campo com o conilon justamente pensando em uma rentabilidade maior, além de ser uma espécie que se adapta melhor ao cenário de mudanças climáticas”, explicou. 

O analista de café do Rabobank, Guilherme Mory, explica que, por ser plantado em baixas altitudes, ao contrário do arábica, o conilon não corre o risco de sofrer com as geadas e também se adapta melhor ao clima quente. 

“Ele é considerado uma espécie de café mais robusta, como o próprio nome sugere, e está mais preparado para enfrentar adversidades climáticas extremas do que o arábica. Isso inclui eventos como geadas e secas, que têm impactado a cafeicultura brasileira nos últimos anos.”, explicou. 

 

Outro ponto que pode ser positivo para o produtor, de acordo com Mory, é que ele não sofre tanto com a bienalidade quanto o arábica, dando uma produção mais regular nas safras. 

A produção de conilon no Brasil subiu mais de 10 milhões de sacas entre 2014, 12 milhões de sacas, e 2024, com estimativa de 24,7 milhões. Há dez anos, a espécie era responsável por 15% da produção total de café no Brasil.  

Conilon será o café mais plantado do Brasil? 

Por conta de seu preço menor, rendimento maior e melhor adaptação ao cenário de mudanças climáticas, muitos acreditam que o café conilon está em vias de se tornar a variedade mais plantada no Brasil. 

É a opinião da produtora Kaézia Bianchini, uma das responsáveis pela Fazenda Santa Catarina, na cidade de Aracruz, no Espírito Santo, que tem mais de 80 hectares de conilon plantados. “O conilon vai ser o café mais plantado do Brasil. A gente percebe isso olhando para o mercado e pelos pedidos das mudas aqui da fazenda. A gente consegue ter uma união dos dois mundos: uma variabilidade genética com alta produtividade e baixo índice de pragas e doenças”, apontou. 

Já os especialistas são um pouco mais ponderados com esse cenário. Apesar de acreditar que a área do conilon vai aumentar nos próximos anos, Laleska aponta que a área do arábica não vai cair. 

“A escolha de plantio e uso também depende do momento do mercado e dos preços. Se o Arábica tiver um diferencial de preço muito parecido com o Conilon, ele continuará sendo utilizado bastante pelas indústrias. Produtores em Minas e São Paulo também têm plantado mais Arábica e aumentado a produtividade nos últimos anos”, explicou. 

Mory acredita que essa diferença pode cair nos próximos anos por conta de um consumidor mais receptivo e de plantações em áreas como pastos e eucaliptos. 

“O Brasil possui muitas áreas de pasto e eucalipto que estão sendo utilizadas para a expansão das áreas de produção de café, principalmente no Espírito Santo e no sul da Bahia. A capacidade do Brasil de expandir sua produção com sustentabilidade, utilizando áreas já existentes, é um fator importante nesse cenário global”, disse. 

Projeções do Rabobank dão conta de que o Brasil irá ultrapassar o Vietnã nos próximos anos como maior produtor de conilon do mundo. A estimativa é que o Brasil produza 24,7 milhões de sacas da variedade na safra 2025/2026 contra 30 milhões do país asiático, que vem colecionando quedas na produção. 

De patinho feio a café premiado

Outro obstáculo que o conilon está tendo que enfrentar é a resistência do consumidor final. Sendo visto por anos como de qualidade inferior ao arábica, produtores estão mostrando que é possível produzir um conilon de qualidade, inclusive vencendo prêmios nacionais. 

Apesar de estar presente no blend que a grande indústria oferece nas prateleiras dos supermercados, entre 60% e 70% de acordo com fontes, e no café solúvel, o conilon nunca foi muito apreciado pelos consumidores de cafés especiais, por ter um gosto mais forte. 

Kaézia explica que o consumidor de café também está mais aberto aos sabores do conilon. 

“A gente também entende que o consumidor aprendeu a diferenciar o café que ele consome e aprendeu a respeitar o gosto do café conilon. Hoje já existem processos de secagem e beneficiamento do café que consegue ter sabores ainda mais incríveis quando o sabor de chocolate e amêndoas. Ele vai ser o queridinho do Brasileiro, a gente aposta nisso e tem muita convicção de que vai dar certo”, explicou. 

Outro exemplo de que o cuidado na produção do conilon pode fazer a diferença é Dieimes Bohry, proprietário do Sítio Bom Jardim, na Vila Valério, Espírito Santo. Responsável por 10 hectares de café ele também possui uma micro torrefação dentro da propriedade e todo ano envia microlotes do seu café para ser avaliado por um degustador profissional. Um deles atingiu a nota 83 de 100, nota que permite que o café seja vendido como especial. 

“Meu pai, que era o dono da propriedade, nunca tinha tomado o café daqui porque dizia que o conilon tinha gosto de queimado e que dava dor de barriga. Depois que a gente começou a mudar os processos, desde a colheita até o pós, ele tomou e gostou muito. Com o cuidado na produção de conilon de alta qualidade, esses sabores mais fortes não existem mais. Nós já conseguimos café com notas de erva doce e frutas amarelas”, encerrou Dieimes.