A produtividade do café de Rondônia cresceu 544% em 22 anos: enquanto a área cultivada diminui 75,2% entre 2001 e 2023, a produção aumentou 57,8%, segundo dados registrados pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

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Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Rondônia tem a melhor produtividade de café no país, com 55,2 sacas por hectare na safra de 2025. Fica a frente do Espirito Santo (45 sc/ha) e da Bahia (39,7 sc/ha).

Em volume de produção, Roraima aparece na quinta posição, com 2,3 milhões de sacas. Está atrás da Bahia (4 milhões), São Paulo (4,7 milhões), Espirito Santo (17 milhões) e Minas Gerais (25 milhões).

O estado se consolidou como o maior cafeicultor da Amazônia, catapultado pela conquista de um selo de denominação de origem (DO), que disseminou práticas sustentáveis de cultivo, inclusive em territórios indígenas.

Matas de Rondônia

“Denominação de Origem” é um registro expedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) para autenticar que a produção de um determinado item em uma região utiliza métodos específicos, capazes de dar características especiais ao produto, ligadas a sua localidade.

O café “Matas de Rondônia” foi o primeiro da variedade canéfora produzido de forma sustentável no mundo. Para além das particularidades em sua poda e manejo, ele utiliza agentes de controle biológico no lugar de agrotóxicos. Em territórios indígenas, conta ainda com o sistema agroflorestal, em que as plantas de café dividem espaço com outras culturas capazes de dar notas diferentes ao sabor dos grãos.

Conquistado em 2021, o selo de DO é resultado de um trabalho iniciado muito antes. Analista de inovação na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e embaixadora dos cafés robustas amazônicos, Renata Silva chegou ao estado em 2011 para participar do projeto. “Já existia uma produção em Rondônia desde a década de 70”, explica a especialista. “Então a gente começou a trabalhar para aumentar a qualidade.”

Impactos da sustentabilidade

Com o selo de DO, os cafés plantados por produtores de quinze municípios de Rondônia já não são vendidos como commodity. As sacas passam a ser destinadas a compradores de cafés especiais, que pagam valores consideravelmente superiores.

O cafeicultor Ronieli Hel, da empresa familiar Hel Cafés, localizada em Novo Horizonte do Oeste (RO), alcançou até o momento a maior valorização em comparação aos cafés simples, em uma venda realizada durante a Semana Internacional do Café em novembro de 2021. Enquanto a saca do “café commodity” era negociada com preço em torno de R$ 700, ele conseguiu vender um lote por R$ 4 mil/saca, valor cerca de 470% maior.

Embalagem de grãos da marca Hel Cafés
Embalagem de grãos da marca Hel Cafés. Crédito: Divulgação

“A procura está muito grande para fora do país. A gente já mandou para a Austrália, Portugal, Dubai”, conta o cafeicultor. “E ainda vai crescer muito, porque tem muito interesse, e muito mais gente chegando, vendo a conquista destes produtores.”

Dados do Censo Agropecuário 2017, pesquisa mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre o tema, estimam cerca de 10 mil famílias produtoras de café com DO em Rondônia. Profissionais que atuam na região acreditam que este número esteja desatualizado, e a quantidade de agricultores, subdimensionada.

Em 2023, o “Perfil socioeconômico e produtivo dos cafeicultores da região das Matas de Rondônia” publicado pela Embrapa apontou que o faturamento médio destas propriedades foi de R$ 222.244 ao ano, valor 16,8% superior ao do ano anterior. A mediana foi de R$ 125.050.

Para além do comércio dos grãos, os produtores faturam com o agriculturismo, modalidade turística em que os viajantes visitam cidades para conhecer as plantações e o dia a dia na lavoura. Uma das principais unidades agrícolas da região, a fazenda da família Bento, em Cacoal (RO), já recebe 30 mil pessoas por ano. Os turistas gastam assim nas fazendas, e também com hospedagem e alimentação, impulsionando a região como um todo.

3 Corações impulsiona produção indígena

Para as famílias indígenas, a profissionalização alcançada pela busca do selo de DO causa um impacto financeiro ainda maior. “Quando eles chegavam na cidade para comercializar o café deles, o intermediário pagava o que queria, explorava mesmo. Se no mercado a cotação do café estava em R$ 600, os atravessadores pagavam R$ 300, e os indígenas vendiam”, recorda Silva.

Desde 2019, a empresa 3 Corações compra a produção dos povos originários através de um projeto chamado Tribos. A iniciativa já impactou ao menos 150 das famílias indígenas detentoras do selo de IG, segundo dados da empresa.

“Todos os anos, o projeto realiza um concurso de qualidade”, explica a gerente do projeto, Patrícia Carvalho. A empresa compra a produção de 100% dos participantes. Para os 10 primeiros colocados, adiciona um prêmio em dinheiro como incentivo à excelência.

“Não se trata de uma iniciativa pontual ou de curta duração. O Tribos é um projeto perene, que aposta na construção de laços duradouros e no aprimoramento constante da cadeia produtiva indígena”, diz Carvalho. O projeto já comercializou mais de 520 mil quilos de café (cerca de 8.600 sacas) desde sua criação, mantendo uma média de aproximadamente 1.500 sacas por ano.

Natural de Cacoal (RO), Celesty Surui é a primeira indígena na região a se tornar barista – profissional especializada em preparar e servir bebidas à base de café. Para ela, o trabalho desenvolvido pela Embrapa e pela 3 Corações na região foi essencial para chegar ao posto.

Celesty Surui prepara um café. Ela veste uma camiseta branco e um avental. Em cada orelha, tem um brinco de penas. Sobre a cabeça, um cocar cheio, também de penas
Celesty Surui é primeira barista indígena em Rondônia. Crédito: arquivo pessoal

“A Embrapa fez pesquisas das plantas, do solo, para que eles pudessem trazer esse conhecimento para dentro das aldeias”, diz. Com o desenvolvimento da região, foram ofertados cursos através dos quais ela veio a se especializar. “Eu nunca imaginei trabalhar com café, porque a minha cultura é muito diferente da cultura brasileira”, diz.

Hoje, nos territórios indígenas, há ainda um trabalho de reflorestamento de regiões invadidas por colonizadores, feito em paralelo à plantação de café. “A partir dessa parceria com a Três Corações e com a Embrapa, tivemos a ideia de usar essas áreas como forma de plantar cafés, para que além de reflorestar, também pudesse ajudar as famílias aqui na comunidade”, explica.

Canéfora, o ‘rock and roll’ dos cafés

Dentre as centenas de espécies de café no mundo, apenas duas são amplamente cultivadas e comercializadas: o arábica (nome científico Coffea arabica) e o canéfora (Coffea canephora). Em Rondônia, cultiva-se o canéfora, uma variante mais adaptável, que pode ser cultivada em baixas altitudes e temperaturas altas como as encontradas na região amazônica.

Existem ainda duas classificações dentro da espécie canéfora: o conilon, cuja produção brasileira é destaque no Espírito Santo, e o robusta. Rondônia é terra dos robustas amazônicos, uma variante híbrida resultante do cruzamento entre as variedades conilon e robusta.

“Lá na Itália, criaram um diferencial para o mercado na Europa. Existe um mote assim: ‘O meu café é melhor porque é 100% Arábica’. Começaram assim a relegar a espécie canéfora como um café de péssima qualidade”, explica Renata Silva.

O trabalho desenvolvido pela Embrapa teve então de passar por uma valorização entre os próprios agricultores rondonienses, que não costumavam beber do café cultivado em suas lavouras. “Hoje, vocês podem ver que os produtores ‘vestem a camisa’ como se tivessem vestindo um traje de gala”, diz a especialista.

A diferença do canéfora é possível de sentir no gosto. Com quase o dobro de cafeína do arábica, a variedade plantada em Rondônia tem um gosto mais forte e encorpado. “Quando a gente está divulgando para as pessoas, a gente brinca com a analogia de que o arábica é bossa nova, o canéfora é rock and roll”, explica Silva.

A produtividade do canéfora também se destaca. Enquanto boas práticas já levaram o arábica a atingir médias de 40-60 sacas por hectare (saca/ha), com recordes de 100 sacas/ha, os agricultores têm alcançado médias de 100 sacas/ha do canéfora, com pico de 400 sacas na mesma área plantada.