20/10/2021 - 20:49
Em uma derrota para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os deputados rejeitaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O substitutivo teve 297 votos favoráveis e 182 contrários, mas, por ser uma PEC, demandava maioria qualificada, com três quintos dos deputados em dois turnos de votação – ou seja, no mínimo 308 votos dentre os 513 deputados. Faltaram, portanto, 11 votos para a aprovação.
Apelidada de PEC da Vingança e considerada uma revanche contra a Operação Lava Lato, a PEC era uma das prioridades da agenda de Lira. As entidades que representam procuradores e promotores, como a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), se posicionaram contra a proposta.
Até a vencedora do BBB 2021, Juliette, se mobilizou contra o texto e comemorou sua derrota. “Sou a favor da autonomia do Ministério Público sim. O MP não é a pessoa A e nem B, ele é maior que qualquer um. Enquanto estiverem preocupados com personalidades ou partidos, a gente deixa de defender o que de fato importa. Eu não defendo pessoas ou partidos, eu defendo DIREITOS”, postou, em sua conta no Twitter.
Em busca do apoio necessário, a votação da PEC foi adiada por três vezes, e o parecer do relator, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), chegou a ter nove versões. O último e definitivo relatório foi protocolado pouco mais de duas horas antes do início da votação.
Havia dúvidas sobre se o texto seria pautado hoje, em razão da resistência de alguns partidos e das entidades que representam a categoria. Lira, no entanto, atuou para evitar novas manobras regimentais que adiassem a votação. Ele testou o placar ao permitir votação nominal para um requerimento de retirada de pauta do texto de autoria do Partido Novo, pedido foi rejeitado por 316 a 126 – o que deu a falsa impressão de que o texto teria os votos necessários.
Em seguida, Lira anunciou que todas as votações relacionadas à PEC teriam efeito administrativo, ou seja, os deputados que não registrassem presença e voto teriam o salário descontado. Embora faça parte do regimento, essa estratégia raramente é usada na Câmara, mas surtiu efeito. O requerimento de adiamento de votação por cinco sessões, também do Novo, foi rejeitado por 344 a 128, dando ainda mais segurança para aqueles que defendiam a aprovação.
A rejeição do texto surpreendeu os parlamentares. Autor da proposta, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) lamentou a rejeição do texto. Lira chegou a anunciar que submeteria o texto original da PEC do deputado petista em votação – ou seja, sem as modificações feitas na busca de mais votos. Lira, no entanto, desistiu em seguida e encerrou a sessão plenária minutos depois.
Teixeira lamentou a rejeição do substitutivo, mas disse acreditar que o texto original ainda pode ser aprovado pelos deputados. Para ele, a falta de um Código de Ética no CNMP depõe contra a categoria.
Mudanças
A PEC altera tanto a composição quanto a própria função do colegiado, criado em 2004 e responsável por fiscalizar a conduta de procuradores e promotores. Na tentativa de “enquadrar” o MP, o texto aumentava o número de vagas do conselho e ampliava a influência do Legislativo sobre o órgão, criticado pelos parlamentares por agir com corporativismo e evitar punições severas a procuradores e promotores que extrapolam suas funções.
A última versão do texto ampliou o número de membros do Conselhão passará de 14 para 17. Uma das vagas novas passaria a ser dos Ministérios Públicos Estaduais, enquanto Câmara e Senado teriam um assento a mais cada. Assim, nove dos 17 integrantes seriam indicados pelos MPs.
Já o corregedor-geral deveria, necessariamente, pertencer à carreira do MP Estadual, indicado a partir de uma lista quíntupla pelos procuradores-gerais dos Estados, com escolha final alternada entre Câmara e Senado. Ele não poderia ser reconduzido, o que, na avaliação de Teixeira, permitiria separar o “joio do trigo” e o combate ao malfeito.
Os deputados recuaram e retiraram do texto a possibilidade de anulação de atos de promotores e procuradores pelo Conselhão. Assim, essa prerrogativa seria apenas do Judiciário. Todas as ações que questionassem atos do CNMP serão julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e os membros do conselho também terão foro privilegiado.
Votação
O texto reuniu apoios tão diversos quanto a ala bolsonarista do PSL e a bancada do PT. O contexto, pouco citado, eram as ações de procuradores da Operação Lava Jato, que tinha políticos como alvo preferencial.
A líder do PSOL, Talíria Petrone (RJ), admitiu que havia divergências na bancada. “Não dá para seguir a lógica de que o Ministério Público acima do bem e do mal. Os abusos cometidos no âmbito da Lava Jato são inadmissíveis. Não queremos mais Moros ou mais Dallagnois”, disse, em referência ao ex-juiz Sergio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol.
Para o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), a proposta representava “a morte de um Ministério Público independente”. “Está aí clara e escancarada a motivação que levou ao protocolo desta PEC, que passou na frente da PEC do fim do foro privilegiado e da PEC da volta da condenação na segunda instância. A motivação é a vingança daqueles que foram perseguidos pelos crimes que cometeram.”
Com as mudanças da última versão do texto, partidos que até a semana passada estavam contra o texto, como o MDB, PSB e PDT, orientaram seus deputados a votar a favor. Podemos, Novo, PSOL e Rede foram os únicos que se posicionaram contra a proposta. Nem assim o texto foi aprovado.
O deputado Vinicius Poit (Novo-SP) comemorou. “Podem insistir, mas continuaremos trabalhando pra não permitir o enfraquecimento do combate à corrupção e ameaças à independência do Ministério Público. Hoje a democracia respira aliviada!”, disse, por meio do Twitter.