26/03/2021 - 20:33
A pena de 119 dias de suspensão dada ao deputado Fernando Cury (Cidadania) pela importunação sexual contra Isa Penna (PSOL), considerada branda por organizações da sociedade civil, levou à criação de uma campanha em defesa da cassação do parlamentar. “Por Uma Punição Exemplar”, iniciativa de várias entidades ligadas a direitos femininos, é um site em que cidadãos se cadastram para enviar e-mails aos deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) cobrando um desfecho diferente para o caso. Mais de 1 milhão de mensagens foram encaminhadas a 86 dos 94 parlamentares. A pressão se soma à luta da deputada e aliados para aprovar em plenário uma pena mais dura que a já definida pelo Conselho de Ética.
O trâmite do projeto de resolução que define a pena ainda gera dúvidas, agravadas pelo ineditismo do caso: a Alesp nunca debateu um processo de suspensão de mandato. Ainda não se sabe se haverá, em plenário, a possibilidade de apresentar emendas para alterar o projeto; não apenas aprovar ou rejeitar a sanção definida pelo conselho. Na prática, o meio legal de alterar a punição seria aprovar uma emenda ao texto original. A Procuradoria da Casa ainda não determinou como se dará esse rito. Em última análise, a decisão sobre a interpretação recai sobre o presidente da Casa, Carlão Pignatari (PSDB), que já sinalizou resistência, alegando que “é preciso respeitar a decisão do Conselho de Ética”.
A Procuradoria ainda precisa esclarecer o que acontecerá com os servidores nomeados por Cury caso seja confirmada a suspensão. Se aprovada, ele deve ficar sem salário durante o período. No Conselho de Ética, os aliados do deputado conseguiram aprovar uma suspensão mais curta do que a inicialmente proposta, com a finalidade justamente de tentar evitar o desmonte do gabinete e poupar os salários dos servidores.
O parecer inicial do deputado Emidio de Souza (PT) recomendava seis meses de perda temporária de mandato, o que possivelmente levaria a suspender também a estrutura do gabinete. No entanto, foi aprovado um parecer de Wellington Moura (Republicanos), com suspensão de 119 dias justamente para não configurar ultrapassar o período de 4 meses e facilitar o entendimento de que seria necessário afastar também seus funcionários. Embora referindo-se a licenças médicas, o regimento interno da Casa define que afastamentos superiores a 4 meses podem levar à posse de um suplente.
O projeto de resolução que propõe a pena de 119 dias a Fernando Cury foi publicada no Diário Oficial desta quinta-feira, 25. Ao Estadão, Carlão Pignatari disse que pretende discutir na próxima segunda-feira, 29, em reunião do colégio de líderes, a data de votação da punição. “Eu pretendo pautar o mais rápido possível”, afirmou o presidente.
Isa foi apalpada por Cury durante uma sessão plenária em dezembro do ano passado. O ato, registrado pelas câmeras da Alesp, foi parar no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, que, no dia 5 de março, aprovou, por 5 votos a 4, o afastamento inferior a quatro meses do deputado.
O parecer aprovado no Conselho de Ética será levado ao plenário da Casa e precisa de maioria simples para ser referendado. A mensagem elaborada pela campanha “Por Uma Punição Exemplar” e enviada aos deputados é clara: “Vote na emenda parlamentar que proporá a cassação de Fernando Cury”.
Indignada com o encaminhamento do processo, Isa Penna afirmou ao Estadão pode recorrer até à justiça internacional caso a apresentação de emendas seja vetada sem discussão. “Vamos judicializar esse caso, vamos até as instâncias internacionais se preciso for, porque esse é um caso emblemático de assédio e violência contra a mulher nos espaços de poder no Brasil”, disse a deputada do PSOL.
De acordo com a parlamentar, há uma “lacuna” no regimento em relação a este tema que causa insegurança em relação à análise do projeto. “O perigo é a gente ter um caso em que o Estado brasileiro – a gente está falando de uma parte dele, que é o Poder Legislativo do Estado de São Paulo -, se posicionar a favor do assédio. Em que sentido, no sentido da tentativa que estão fazendo de que esse processo vá a plenário sem a possibilidade de os próprios deputados debaterem qual é a pena cabível”, afirmou Isa.
Pressão na caixa de entrada
O movimento virtual que pede a punição de Cury a partir do envio de e-mail aos parlamentares é encabeçado por entidades como 342 Artes, Vote Nelas, Instituto Update, Elas no Poder, Girl Up, Vamos Juntas, Mídia Ninja e ELLA, e ganhou a adesão de celebridades, parlamentares e, claro, da própria Isa Penna. “Essa campanha é incrível. É feita pela sociedade civil organizada e mostra o quanto não estou sozinha na luta pelo direito das mulheres”, disse a deputada. “Alguns deputados da Casa já vieram me falar que têm recebido esses e-mails e sabem que o que aconteceu é realmente grave.”
Administradora da campanha e cofundadora do Vote Nelas, Maisa Diniz afirmou que a pena dada pelo Conselho de Ética confirma o quanto a política não é um espaço para as mulheres. “Os 119 dias mostram o corporativismo masculino presente também na Assembleia Legislativa”, disse. Segundo ela, a punição tornou-se praticamente “férias” para o deputado. Mas há esperança de um final mais justo. “Acreditamos que vamos, sim, poder contar com a Assembleia e fazer história com esse caso.”
O presidente da Alesp afirma que ainda não recebeu nenhum e-mail da campanha. Ao ser questionado se esse tipo de pressão popular pode ser determinante na posição dos deputados em relação à punição de Cury, Pignatari disse apenas que “o deputado vai ser punido dentro do regimento interno da Alesp”.
Além da bancada do PSOL, na Alesp Isa conta com apoio do PT e da bancada do Novo, além da deputada Marina Helou (Rede), para apresentar emendas pela cassação de Cury. O líder da bancada do Novo, deputado Sergio Victor, é co-autor de uma emenda com a Isa para mudar a suspensão e cassar o mandato. Segundo ele, a pressão popular pode, sim, reverter a pena branda: “A pressão popular sempre é um movimento importante da sociedade para atingir os objetivos políticos que se almeja, e nós, deputados, somos cobrados e temos de estar atentos aos anseios de nossos eleitores e da sociedade”.
O episódio envolvendo a deputada do PSOL não é exceção no País, lembrou a Maisa. “É um caso muito simbólico e representativo para as violências cotidianas que acontecem contra mulheres”, afirmou a administradora da campanha, citando que 97% das brasileiras relatam já ter sofrido importunação sexual.
Além de Maisa, participaram da criação da campanha a escritora Beatriz Bracher, a gestora cultural Mari Stockler, a diretora Daniela Thomas, o advogado Rafael Poço e a designer Julia Mariani. Mais de 14 mil pessoas já se engajaram no movimento.
Nesta sexta-feira, 26, as organizadoras lançaram também um questionário sobre importunação sexual no meio político. “Vamos colher depoimentos de servidoras públicas de Câmaras Legislativas do País sobre violência contra a mulher”, explica Maisa. A pesquisa pode ser acessada neste link.
Gabinete e suplente
O regimento da Casa e a Constituição Estadual dizem que “não perderá o mandato” o deputado que se ausentar por menos de 120 dias “por motivo de doença”, por isso a pena de 119 dias Cury é considerada branda. Os mesmos textos preveem que perderá o mandato o deputado “cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar”.
Perguntada sobre como vai interpretar os textos e se haverá a convocação de suplente ou manutenção do gabinete nomeado por Cury, a Mesa afirmou que essa questão não foi definida. “Deverão ser apreciadas pela Procuradoria ou pelo Plenário”, informou, por meio de nota.
Em janeiro, 14 dos 16 funcionários nomeados por Cury receberam o total de R$ 211.810,56 em remuneração bruta. Os outros dois só foram nomeados em fevereiro. Considerando apenas esses 14 funcionários, a Alesp desembolsaria cerca de R$ 847 mil reais com seus salários durante os 119 dias de suspensão. A presidente do Conselho de Ética, Maria Lúcia Amary (PSDB), afirmou que fez uma consulta à Procuradoria sobre isso e foi informada de que o colegiado não poderia entrar nesse mérito, devendo se ater ao que acontece com o Cury e não com seus funcionários. Por isso, o texto enviado à Mesa e que será levado ao plenário não fala dos servidores.
Outras punições
Além do julgamento na Alesp, Cury enfrenta um processo interno em seu próprio partido, o Cidadania. Em janeiro, o Conselho de Ética da sigla emitiu um relatório pedindo a expulsão do parlamentar. A defesa do político, no entanto, foi à justiça questionar a competência do Conselho para analisar o caso, o que resultou na suspensão do processo.
Há ainda uma investigação sendo conduzida pelo Ministério Público de São Paulo. O parlamentar também tentou suspender o processo, mas o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou o pedido e manteve a investigação sobre o assédio.