Mais preparados, bem remunerados e com uma carreira promissora. uma pesquisa exclusiva da Dinheiro Rural e da Flow Executive Finders mostra o que as empresas doagronegócio estão fazendo para formar e reter os seus talentos

Na marginal do rio Tietê, via que corta a cidade de São Paulo, uma das áreas mais congestionadas da capital paulista, é difícil prestar atenção em outra cena que não seja a de caminhões, carros e o veio d’água sem vida, poluído, pedindo socorro. Mas, na altura da ponte das Bandeiras, um dos 19 pontos de travessia do rio, quem prestar um pouco de atenção vai ler no alto de um prédio de dois andares, caiado de branco e com grandes janelas de vidro, um letreiro com os dizeres Universidade Zumbi dos Palmares. Fundada em 2000 por acadêmicos, profissionais liberais e intelectuais, até hoje ela é a única instituição de ensino superior com foco na inclusão do negro, na América Latina. Mas o que este prédio tem a ver com o agronegócio? Tudo, se depender de Luiz Pretti, presidente da Cargill no Brasil, uma das maiores empresas americanas de alimentos no País. Pretti frequenta o local com regularidade para ministrar palestras e participar de atividades da instituição, assim como o amigo Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Bradesco. “Uma das minhas grandes paixões é a diversidade porque nela estão os melhores talentos”, afirma Pretti, que está na Cargill há 11 anos, dos quais os três últimos no cargo máximo. “Uma pessoa com potencial para ser desenvolvido não é custo, mas um investimento, seja em uma empresa ou na sociedade.” A Cargill, gigante que no ano passado faturou R$ 26,2 bilhões com o processamento de 21 milhões de toneladas de produtos, como óleos de soja e de milho, azeites, atomatados, chocolate e ração animal, além de fornecer produtos para outras indústrias, emprega dez mil pessoas, entre elas algumas cooptadas na Zumbi dos Palmares. Para gerir toda essa mão de obra espalhada por 178 municípios e lapidar os seus talentos, os conceitos de oportunidade e diversidade estão na base da busca constante por lideranças.“Temos grandes líderes dentro da empresa que começaram do zero”, diz Pretti. “Precisamos estar atentos para reconhecer as características de um profissional, quando ele abraça uma oportunidade.”

No agronegócio não é apenas a Cargill que está em busca de líderes.  Outras empresas, como Duratex Florestal, MSD Saúde Animal, Odebrecht Agroindustrial, JBS, além de fazendas que produzem grãos e gado, como a Roncador, em Mato Grosso, estão em uma corrida contra o tempo para colocar o agronegócio em linha com as modernas regras de gestão corporativa, em que os talentos fazem a diferença para liderar os negócios. Isso porque, até poucos anos atrás, não mais que uma década, as respostas aos desafios da inovação no agronegócio estavam relacionadas apenas à melhoria em máquinas agrícolas e seus implementos, sementes, fertilizantes, defensivos, medicamentos e alimentação animal. Mas agora o salto necessário vem sendo outro porque, além dos resultados financeiros, o campo também precisa de líderes preparados.


Equipe de ponta:Antonio Oliveira, presidente da Duratex, diz que a maior parte dos líderes são forjados na própria empresa

Em busca de respostas, a revista DINHEIRO RURAL, em parceria com a Flow Executive Finders, consultoria especializada em recrutamento de executivos para posições de liderança, realizou uma pesquisa da qual participaram 134 empresas do setor (confira alguns indicativos nos quadros). De acordo com os dados obtidos, 53% das empresas do setor do agronegócio passam por uma evolução no que se refere à adoção de políticas, regras e procedimentos de gestão de pessoas. As empresas estão em busca das melhores práticas, capazes de atrair e reter talentos que ajudem a levar as organizações ao alto desempenho. Do total das que participaram da pesquisa, 36% são da agroindústria e varejo, 34% são cooperativas, produtores e fazendas, e as demais são dos setores financeiro, fornecedores de máquinas e insumos, operadores logísticos, serviços e governo. Em relação ao porte, as maiores representações, 37%, são multinacionais que atuam no setor e 27% são de capital fechado e gestão familiar.


Floresta em pé: na Duratex, a área florestal é de 270 mil  hectares, a maior parte cultivada nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, além do Sul e Nordeste

Para Thiago Pimenta, economista e sócio diretor da Flow, o campo onde acontece a produção de alimentos – 80 milhões de hectares para a agricultura e 180 milhões de hectares destinados à criação de animais – é com certeza a principal arena do setor, mas há um entorno complexo de atuação profissional além do cultivo das lavouras e da produção de proteína animal. No agronegócio, o trabalho vai desde cargos de peões de fazenda até cientistas e técnicos altamente especializados, em uma extensa rede de agentes econômicos que também passa por insumos, pela transformação industrial, indo até a armazenagem e a distribuição dos produtos da agropecuária. De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do ministério do Trabalho, o agronegócio emprega 35% da População Economicamente Ativa (PEA), o que significa cerca de 17 milhões de pessoas dedicadas ao setor. “Poucos setores da economia possuem tanta complexidade operacional como o agronegócio”, diz Pimenta. “Por isso, o líder precisa estar preparado para as competências agrícolas, como também para as incertezas climáticas, os gargalos logísticos, ou seja, gerenciar previsibilidades que não estão em suas mãos, como a chuva, por exemplo.” De acordo com ele, o alto nível de desafio no agronegócio acaba gabaritando os profissionais da área para liderar negócios em qualquer outro setor da economia.


Fábrica de papel:a Duratex emprega 14 mil pessoas, das quais 2,5 mil estão na área florestal. Os outros funcionários estão nas demais unidades de produção de lâminas de madeira

Na Cargill, por exemplo, Pretti conta com um batalhão de 25 super profissionais preparados para enfrentar os grandes desafios da gestão do negócio. São treinados para a liderança nos altos escalões, para lidar com a inteligência emocional e com a gestão de pessoas. Um exemplo desse super time é o diretor de grãos e processamento Paulo Sousa, formado na Faculdade de Zootecnia de Uberaba (MG) em 1987, que começou a trabalhar na Cargill em 1990 como trainee. “Para desenvolver e manter um líder de alto desempenho é preciso desafiá-lo o tempo todo”, diz Pretti. No caso de Sousa a mais nova atribuição foi nomeá-lo para a equipe global de sustentabilidade da Cargill, um cargo que a princípio seria do presidente da empresa. “Mas na Cargill isso é o que menos importa, porque são os desafios, além das próprias atividades diárias, que levam um profissional ao máximo de seu potencial.”

No jargão do mercado, os profissionais de alto padrão são chamados de “C-Level”, termo em inglês para “chiefs”, ou chefes, nas áreas gerenciais, administrativas, financeiras, internacionais e de relacionamento com o mercado. São eles que vêm provocando mudanças em todos os setores das empresas, indo até as relações no campo. Na Duratex Florestal, o braço agrícola para a produção de madeira da Duratex, a empresa possui 2,5 mil funcionários e 270 mil hectares cultivados com eucalipto, principalmente nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, além de algumas áreas no Sul e no Nordeste. Em toda a Duratex, o número de funcionários chega a 14 mil pessoas, incluindo os que trabalham nas fábricas de lâminas de madeira que ano passado renderam ao Itaúsa e ao Grupo Ligna, seus controladores, uma receita de R$ 3,9 bilhões.  O engenheiro Antonio Joaquim de Oliveira, presidente da empresa desde 2013, diz que 100 executivos compõem seu time de frente na companhia. “Muitos profissionais construíram suas carreiras dentro da própria Duratex”, diz Oliveira. Para ele, são pessoas que entendem a cultura empresarial e se integram a ela. Do total de dez diretores que trabalham diretamente com Oliveira, apenas quatro não foram formados na base da empresa. “Floresta plantada é uma agricultura de árvores, como a soja é uma agricultura de grãos. Isso é um entendimento da cultura da empresa.”

PRESENÇA A pesquisa DINHEIRO RURAL/Flow mostrou que no agronegócio, mais que em outros setores, a reputação da empresa no mercado é o item de maior relevância no momento de um profissional avaliar uma proposta de trabalho. Para 52% dos candidatos a uma vaga, a reputação é fundamental. “Essa questão é muito forte no agronegócio”, diz Pimenta. “Os profissionais querem saber para quem vão trabalhar.” A pesquisa também mostrou que o grau de atratividade do setor está baseado em três pilares: 56% querem entrar para o agronegócio porque ele é representativo e vai se expandir; 53% também consideram um desafio trabalhar no setor; e 52% acreditam que há boas possibilidades de crescimento profissional. Um dos reflexos disso é o tempo que os profissionais permanecem nas organizações. A pesquisa mostrou que, em média, 25% dos gestores e líderes permanecem mais de dez anos nas empresas, 23% permanecem por um tempo entre seis e dez anos e 49% ficam por até cinco anos. “As pessoas também deixam as empresas pela sua reputação”, diz Pimenta. De acordo com o executivo, toda a cadeia rural, incluindo da produção ao processamento, precisa desenvolver o que ele chama de pedagogia da presença. “O agronegócio precisa estar presente não apenas nas ciências agrárias, mas também nos cursos de direito, marketing, na engenharia, na tecnologia da informação, na robótica, entre outras profissões”, diz Pimenta. “As opções profissionais começam quando os talentos estão indo para a faculdade, ou saindo dela.”


Cadeia de valor: para o diretor da Flow, Thiago Pimenta, os talentos do agronegócio estão espalhados por muitos setores da economia e não apenas nas ciências agrárias

Para o executivo da Flow, o agronegócio possui um valor que talvez ele não carregue para a sua imagem. Isso ocorre pela pouca presença nos meios de comunicação urbanos. Pimenta dá como exemplo os bens de consumo, como celulares, por exemplo, com uma carga enorme de comunicação ao usuário final. “No agronegócio, as pessoas não entendem o produto na prateleira como um bem de valor do setor. “Não há propaganda de semente em horário nobre de TV aberta, por exemplo, e isso leva ao desconhecimento do setor fora das profissões agrárias.” Por isso, o professor Luiz Tejon Megido, coordenador de agronegócio da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e vice-presidente do Conselho Científico para a Agricultura Sustentável (CCAS), diz que os líderes devem ser preparados para as incertezas. “Grandes líderes atuam com a sabedoria nos ciclos da vida, da história e da economia”, afirma ele. “Os líderes são forjados nas dificuldades.” Para o professor, a importância que o setor vem ganhando na economia pode ajudar a construir o conceito de agrosociedade, integrando as duas pontas. Por isso, em tempo de economia fragilizada, mesmo o campo aparecendo como um setor blindado, é preciso atenção redobrada para não perder oportunidades.


Toque de mestre:o professor Tejon Megido diz que os grandes líderes atuam com sabedoria nos ciclos da vida,
da história e da economia

O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio pode crescer 2% neste ano e no máximo 2,4% em 2016. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP) faz um cálculo de R$ 1,2 trilhão, sendo R$ 825 bilhões (67,6%) vindos da agricultura e R$ 396 bilhões (32,4%)  da pecuária. Na contramão, o PIB para toda a economia deve recuar 3%.


Gigante no mercado:a Cargill processa 21 mil toneladas de produtos do agronegócio, como óleos e atomatados, entre outros

A proposta de que é possível gabaritar líderes em nichos ainda mais fechados do que a agricultura, como é a pecuária, está na base do trabalho desenvolvido pelo veterinário Edival Santos, presidente da americana MSD Saúde Animal, subsidiária da farmacêutica Merck. No Brasil, a empresa emprega 300 funcionários, dos quais 120 estão diretamente no campo e dão assistência a 3,5 mil fazendas de bovinos, além de granjas de aves, suínos e criação de peixes. “Para formar líderes, eu não abro mão de treinamento e desenvolvimento de conhecimentos específicos”, afirma Santos. “Para isso é preciso diagnosticar os potenciais e mapeá-los.” Na MSD, Santos criou uma universidade corporativa, designou um reitor para gerenciar as plataformas de conhecimento e fica atento aos movimentos. “A MSD é reconhecida no mercado como uma exportadora de talentos”, afirma. “Por um lado é boa a fama, mas por outro é preciso correr para formar pessoas cada vez mais intensamente.”