Depois das fintechs mudarem o sistema financeiro, chegou a vez das chamadas agtechs reinventarem o agronegócio. Entenda esse movimento que tem transformado o Brasil em um celeiro de inovações e conheça as principais startups

Nos últimos anos, uma revolução tecnológica começou a transformar o setor financeiro e movimentou os principais bancos do planeta. As chamadas fintechs, empresas que oferecem serviços de banco, mas com plataformas digitais mais ágeis a preços muito mais acessíveis, ganharam corpo e acabaram com a confortável posição em que as grandes instituições se encontravam. Agora, o mesmo fenômeno que chacoalhou o mundo das finanças promete mudar radicalmente o agronegócio. E as primeiras sementes desse movimento, batizadas de agtechs,estão sendo plantadas no Brasil, um dos mercados mais desenvolvidos do globo quando o assunto é agricultura e pecuária. É um mercado que já nasceu milionário e, com a entrada de grandes fundos e multinacionais em cena, deve movimentar vários bilhões de reais nos próximos anos. Nesse campo, o Brasil promete ser um celeiro de startups, empresas iniciantes e com alto poder de inovação. “As mesmas características encontradas no Vale do Silício americano estão presentes no agronegócio brasileiro”, diz Francisco Jardim, fundador da SP Ventures, um dos principais fundos de capital de risco (capital venture) para o agronegócio no País. “Nossa agropecuária também é cercada por grandes centros de pesquisas e universidades. Atrai um consumidor ávido por novas tecnologias, além de ter uma cultura empresarial forte.”

Até o fim de 2017, a SP Ventures vai investir R$ 60 milhões em startups do agronegócio – o que representa 70% de seu capital disponível para aquisições. A ideia de Jardim é aumentar o foco nesse nicho. “Em cinco anos, destinaremos 100% dos recursos para as agtechs”, diz. Essa estratégia começa a ser replicada em todo o País. Segundo a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), dos R$ 76,1 bilhões investidos nos últimos cinco anos no País, R$ 2,1 bilhões tiveram como destino empresas de agronegócio. Trata-se de um caminho irreversível e que tem mudado também a cultura dos homens do campo. Até pouco tempo atrás, quando se falava em aplicação de tecnologias no agronegócio, a referência era o melhoramento genético de plantas e animais, e a adoção de um manejo eficiente. Hoje, fala-se muito em algoritmos, geoprocessamento, análise de dados (big data), automação e a comunicação entre as máquinas, a famosa internet das coisas. “Aos poucos, o produtor brasileiro vai incorporando isso e incentivando mais empresas a entrar nesse mercado”, diz Fernando Martins, que, recentemente, deixou o cargo de presidente da Intel no Brasil para assumir o comando da Agrotools, empresa especializada em monitoramento de fazendas.

De olho nas novidades que têm surgido e também na agilidade com que as startups se movimentam, grandes companhias passaram a monitorar esse mercado com lupa. No mês passado, as americanas Monsanto e Microsoft criaram um fundo de R$ 300 milhões para financiar ferramentas digitais voltadas para a agricultura no País. Em junho, a americana Qualcomm anunciou uma parceria com a Embrapa para desenvolver tecnologias em veículos aéreos não tripulados (Vants). A alemã Bayer, por sua vez, criou um fundo de € 50 milhões para desenvolver pesquisas inovadoras no manejo de pragas e doenças e convocou startups do mundo inteiro para mostrarem suas soluções. “Na primeira rodada, encerrada em maio, das 70 propostas aprovadas, dez eram do Brasil”, diz Renato Luzzardi, gerente de alianças da Bayer para a América Latina. Com tantas iniciativas surgindo, o clima se torna ideal para que as empresas quebrem paradigmas e mudem completamente o setor. Conheça, a seguir, as companhias que estão liderando esse processo no País.

Uma fazenda de leite no SMARTPHONE


Claudio Notini, CEO da 4hoofs

  •  4milk 
  • O que faz: gerenciamento específico de fazendas de leite com controle de custos e acompanhamento genético do rebanho
  • Criada em: junho de 2016

Ao apresentar o seu aplicativo durante a Megaleite, feira do setor, que aconteceu no final de junho, em Belo Horizonte, o engenheiro civil e produtor de leite mineiro, Claudio Notini, 57 anos, chamou a atenção do cônsul americano Sean Kelly. “Recebemos até um convite para participar da World Dairy Expo, uma das maiores feiras da pecuária leiteira, em Madison, no Estado de Wisconsin”, diz Notini, CEO da 4hoofs, criadora do aplicativo. Kelly ficou entusiasmado com o programa, que transporta uma fazenda leiteira para dentro de um celular inteligente (sistemas Android e IOS). Ele permite o acompanhamento do manejo sanitário e reprodutivo do gado, dos índices de fertilidade das vacas, além de gerenciar a venda de animais e de sua produção. “A ideia é livrar os produtores das planilhas de papel, dando maior visibilidade à sua atividade”.

O 4milk (lê-se four milk) foi concebido com uma interface amigável e conta com a vantagem de não ser cobrado. “Fui chamado de louco quando disse que a ferramenta seria gratuita”, diz Notini. Os planos do empreendedor são contar com 15 mil usuários até o fim do ano e fazer com que o aplicativo se torne um canal poderoso para levar ofertas de empresas de insumos aos produtores. Aí é que ele pretende passar a lucrar com sua ideia.

No futuro, o 4milk terá um poder de constituir um rebanho leiteiro virtual, com informações de cada animal, com seu registro genealógico e indicações de cruzamento. Notini e seus três sócios investiram R$ 1,5 milhão no negócio, em recursos próprios. “E queremos mais”, diz. Dentro de três meses, a empresa deve lançar sua ferramenta para a bovinocultura de corte, o 4meat.

Da lavoura para a AGÊNCIA ESPACIAL


Raphael Pizzi, sócio da Agrosmart

  • Agrosmart
  • O que faz: por meio de sensores, monitora mais de dez variáveis ambientais e gera recomendações ao agricultor
  • Criada em: setembro de 2014

A empresa é tão inovadora que chamou a atenção da Agência Espacial Americana, a Nasa. A companhia brasileira foi uma das selecionadas, dentre outras 500 startups ao redor do mundo, para desenvolver uma pesquisa no centro da agência espacial. O que chamou a atenção dos americanos? A Agrosmart apresentou uma das melhores soluções para resolver a crise hídrica, ao propor a redução do uso de água nas lavouras a partir de seu monitoramento em tempo real. Por meio de sensores espalhados pelo campo e de imagens de satélite, o produtor pode acompanhar a sua plantação. A partir de dados transmitidos a um sistema que analisa as informações, são geradas as recomendações específicas para o produtor, como os melhores momentos para a irrigação e a aplicação de defensivos. “Com as nossas recomendações, os produtores podem diminuir em até 60% a quantidade de água utilizada, reduzir o custo com energia, combustível e aplicações químicas, e aumentar a produtividade”, afirma Mariana Vasconcelos, 24 anos, CEO da Agrosmart.

O custo anual dessa tecnologia pode variar de R$ 30 a R$ 300 por hectare, dependendo da necessidade do produtor. Entre os seus financiadores estão o Google e a SP Ventures. Até o final do ano, a empresa deve faturar R$ 2 milhões, cobrindo 400 hectares irrigados. Segundo o sócio e cofundador da companhia, Raphael Pizzi, a tecnologia pode ser uma grande aliada do produtor para a conservacão ambiental. “Dessa forma, a Agrosmart tem tudo para contribuir para uma agricultura mais sustentável”, diz Pizzi.

O oráculo das safras


Antonio Morelli Arruda Junior, CEO da Agronow

  • Agronow
  • O que faz: gera índices de safra, atual e passada, da propriedade rural, determinando as áreas de maior produtividade
  • Criada em: outubro de 2015

A matemática e a tradução de imagens de satélite podem ajudar a prever como serão as safras de soja, milho ou algodão. Ou até mesmo prever se vai faltar pasto para o gado. Essa é a ideia da Agronow, fundada pelo biólogo Antonio Morelli Arruda Junior, CEO da empresa. “O negócio conta com um índice de acerto que chega perto de 95%”, diz Arruda Junior. Segundo ele, trata-se do melhor método de previsão de safras, a um baixo custo, para os produtores. Cada vez que o cliente usa o serviço, ele paga uma taxa de R$ 19. “É um custo inferior a um serviço de consultoria particular, por exemplo”, diz.

A ferramenta é acessada pelo site da empresa. O produtor, ao se cadastrar, demarca a área de sua produção em um mapa. A partir daí, o programa passa a indicar as leituras com base em um histórico de imagens. “Com a ferramenta posso dizer ao produtor se o resultado de sua safra vai ser melhor do que a do ano anterior e se os insumos que ele aplicou na safra passada vão surtir o resultado esperado, por exemplo.” Segundo Arruda Junior, dentro de dois anos, além das previsões de safra, o programa também fornecerá informações climáticas e de mercado. “O sistema é uma promessa para diminuir o risco do produtor no momento de tomada de crédito”, diz ele.

A queridinha das gigantes do agronegócio


Sérgio Rocha, fundador (em pé) e Fernando Martins, CEO da Agrotools

  • Agrotools
  • O que faz: gerencia fazendas territorialmente, monitora riscos e serve como consultoria para a cadeia agropecuária
  • Criada em: janeiro de 2007

Há nove anos, o executivo Sergio Rocha criou um sistema para mostrar o que o produtor brasileiro estava plantando, a quantidade que ele iria colher e quando essa produção chegaria ao mercado. Com a ferramenta, Rocha poderia informar a um comprador onde estaria a oferta mais vantajosa. Foi baseada em leituras de geoprocessamento que a Agrotools se consolidou como uma grande empresa de big data e monitoramento territorial. É um exemplo de startup que passou a ser uma grande empresa de tecnologia, servindo gigantes como Amaggi, Cargill, BRF, JBS e Walmart. Para a rede varejista americana, por exemplo, a Agrotools fez um mapeamento completo do fornecimento de carnes na Amazônia, conseguindo identificar se a proteína bovina vem de gado criado em áreas de desmatamento. “O projeto foi tão bem aceito que virou uma referência internacional”, diz Rocha. “Eles criaram um sistema inovador, que foi reconhecido internacionalmente pelo Walmart e o desdobramento disso é a expansão do monitoramento da carne bovina para todo o Brasil até 2017’’, diz Luiz Herrisson, diretor de Sustentabilidade do Walmart.

Em maio, o CEO da Intel, Fernando Martins, deixou uma carreira de 20 anos na companhia para comandar a Agrotools. “O mercado de agricultura digital acontece aqui no Brasil”, diz ele. Atualmente, a empresa monitora 150 mil fazendas, que equivaleriam o tamanho da Itália, França e Portugal juntos. O plano agora é entrar nos mercados do Paraguai e da Argentina.

A dieta do boi na palma da mão


Danilo Leão, CEO da Bovcontrol

  • Bovcontrol
  • O que faz: gerencia fazendas de pecuária de corte e de leite, monitora custos e indica o melhor momento de venda
  • Criada em: janeiro de 2011

Para entender o quanto a Bovcontrol é promissora – e inovadora – basta ver quem são os principais investidores da empresa: Romero Rodrigues e Rodrigo Borges, os criadores do Buscapé; a Telefônica Brasil, e o investidor sul-africano Hein Brand, ex-presidente do grupo Naspers. O que atraiu profissionais desse porte foi um aplicativo que permite ao produtor de gado de corte e de leite gerenciar o manejo nutricional de seu rebanho, monitorar os acasalamentos, além de ser guiado para um melhor momento de venda de sua produção. Assim como a Agrotools, a startup pode ser considerada um caso de sucesso à parte.

Em julho do ano passado, sua base de usuários era de cinco mil, e no mês passado, o número já ultrapassava os 25 mil, que monitoram um rebanho equivalente a 2,5 milhões de animais. “Entramos num processo de crescimento ainda mais arrojado e devemos crescer cerca de 360% até o final do ano”, diz Danilo Leão, CEO da Bovcontrol e idealizador da startup. “Se a área que a empresa cobre fosse uma fazenda física, hoje seria do tamanho da Alemanha”, diz Leão. “Até o fim do ano, teremos o equivalente à área da França.”
Com sede em São Paulo e dois escritórios nos Estados Unidos, a empresa promoveu recentemente uma maratona tecnológica com desenvolvedores que poderão integrar o sistema. Entre as novidades, foi construído um protótipo de um chip que monitora o quanto o animal come. Com esse chip, instalado no brinco identificador, o sistema pode detectar se o animal está comendo mais ou menos. “Podemos medir a taxa de conversão em carne e leite.”

Controle de pragas a bordo de um avião não tripulado


Roberto Konno, sócio da Promip

  • Promip
  • O que faz: produz e libera agentes biológicos, por Vants, para o controle de pragas
  • Criada em: junho de 2006

A veia tecnológica da Promip está um pouco longe dos sistemas de smartphones ou de sistemas de gestão. Seu foco é essencialmente a biologia e como ela pode ser uma grande aliada no manejo integrado de pragas. A empresa, que começou trabalhando com a produção de ácaros para controle de pragas de hortaliças, incrementou seu portfólio com a produção de microvespas, segundo o entomologista Marcelo Poletti, CEO da Promip. “Isso fez com que passássemos a atuar também em grandes culturas como soja, milho e algodão”, diz. A empresa que atende propriedades que totalizam 20 mil hectares poderá chegar a 100 mil hectares até o final do ano.

O crescimento da área de atendimento fez com que a empresa passasse a inovar em seu método de distribuição. “Manualmente era fácil soltar os ácaros nas plantações de hortaliças, por serem áreas menores. Mas a história é outra em grandes plantações de soja”, diz Poletti. Nesse sentido, a empresa vem testando, desde o ano passado, a liberação das microvespas por Veículos Aéreos Não Tripulados (Vant). De acordo com Roberto Konno, sócio da Promip, a novidade deve impulsionar a distribuição de todas as espécies produzidas pela companhia. “Hoje, contamos com cinco produtos registrados para o controle biológico, aplicado às principais pragas agrícolas. Esses produtos atuam de forma segura e eficaz no seu controle”, diz Konno.

A Promip também faz parte do time do agronegócio da SP Ventures. Nela, já foram investidos R$ 4 milhões e o retorno foi garantido. A empresa mais que duplicou seu faturamento, saindo de R$ 3,5 milhões, em 2014, para R$ 8 milhões, em 2015.

O classificado dos animais


Marcos fernando dos santos, CEO da Webgados

  • WebGados
  • O que faz: comercializa gado de corte e de leite, além de animais de elite e cavalos
  • Criada em: junho 2016

A criação de gado está no sangue de Marcos Fernando Marçal dos Santos, 20 anos. Desde criança, ele aprendeu com seu pai, Marcos Molina, o controlador do grupo Marfrig, a criar e ter um olho apurado na hora de escolher um bom lote de animais. “Aos 13 anos, fiz a compra de meu primeiro gado”, diz Santos. “Desde então, me especializei nisso. Chegou a um ponto que passei a tomar conta das operações de compra de uma das propriedades da família.” Hoje, afastado da lida do campo para concluir seu curso em administração, dá os primeiros passos para o seu primeiro negócio: administrar um serviço de anúncios de venda de gado a partir de smartphones. “Trata-se do primeiro aplicativo no mundo a unir vendedores e compradores de gado e com uma grande promessa de economia nas transações de comercialização dos animais”, diz.

Pelo aplicativo, é cobrada uma taxa de R$ 2,99 por animal de corte cadastrado. Para gado de leite e equinos, o valor é de R$ 50 por cabeça, em função da operação ser de menor volume e por envolver animais de maior valor agregado. Na venda de gado de elite, puros de origem, que têm um valor agregado ainda maior, o preço é de R$ 80 por cabeça. Segundo Santos, as taxas cobradas pelas leiloeiras, por exemplo, chegam a 6% da venda. “Vamos diminuir o custo da cada transação para o pecuarista, o que favorecerá no aumento das margens”, diz. Ele não revela seus investimentos nem quanto espera lucrar com o negócio de classificados. Ele vislumbra um mercado que deve movimentar R$ 73,2 bilhões este ano, segundo o Ministério da Agricultura. De olho nisso, Santos não mediu esforços para promover sua ferramenta, que até o final do ano deverá reunir 60 mil usuários. O ator Tarcísio Meira é garoto propaganda. “Ele já usou nosso aplicativo, e aprovou. Nossa ferramenta tem tudo para revolucionar a negociação de gado no País.”

A startup que está fazendo a América


Paulo Vianna, diretor da Strider

  • Strider 
  • O que faz: monitora lavouras com uso de GPS, auxilia na identificação de pragas e reduz gastos com defensivos agrícolas
  • Criada em: maio de 2013

E se, em vez de monitorar a presença de pragas da lavoura com uma prancheta e papel, o produtor passasse a usar um tablet? E se esse equipamento alimentasse o banco de dados de um sistema que passasse a dizer onde é preciso aplicar os defensivos agrícolas? Foi justamente isso que a mineira Strider desenvolveu. “Criamos um sistema de tomada de decisão para o produtor. Ele o orienta a distribuir esse insumo de forma mais eficiente”, diz o engenheiro de computação Luiz Tângari, fundador e CEO da Strider.

A solução pode reduzir em até 15% o uso de defensivos em culturas como soja, café e algodão. Para o sócio e diretor de operações da empresa, Paulo Vianna, além de ser uma boa ferramenta para reduzir os custos de uma propriedade, a tecnologia permite também a coleta adequada da informação no campo. “Pelo sistema, é possível ver por onde o usuário andou e se ele conseguiu fazer uma boa amostragem da área. Uma tarefa essencial para o planejamento das aplicações dos agroquímicos”.

Baseada em Belo Horizonte e com um escritório em São Paulo, a empresa recebeu investimentos dos fundos Barn e SP Ventures, que totalizaram cerca de R$ 20 milhões. Atualmente, a Strider conta com 200 clientes, cobrindo uma área de cerca de 1,2 milhão de hectares, no Brasil e nos Estados Unidos. A projeção da empresa é triplicar seu faturamento este ano, chegando a R$ 15 milhões. “Queremos conquistar ainda mais o mercado americano”, diz Tângari. Para isso, a startup mineira espera duplicar o número de propriedades atendidas, chegando a cerca de 20 fazendas, até o próximo ano.