31/10/2025 - 7:00
Segunda maior cultura em Valor de Produção (VBP) e terceira em toneladas produzidas, a cana-de-açúcar é, indiscutivelmente, um dos cultivos mais tradicionais do Brasil. Nos últimos anos, porém, o setor vem enfrentando um conjunto de desafios, como quedas na produtividade, baixa rentabilidade e perda de competitividade frente ao milho na produção de etanol. O remédio para isso tem sido o investimento massivo em tecnologias e agricultura de precisão, tornando o setor um dos mais modernos do agro.
+Tereos aposta em tecnologia e agricultura regenerativa para driblar os desafios da cana
Em 2024, a cana-desbancou o milho e se tornou a segunda cultura brasileira com maior VBP, estimado em R$ 105 bilhões. Mas o cenário não é totalmente positivo. No ano passado, a safra de cana-de-açúcar registrou queda na produtividade devido ao clima e a ocorrências de queimadas em áreas de canaviais. A produção totalizou 759,7 milhões de toneladas, representando uma redução de 2,9% em relação ao ciclo anterior.

Neste ano, a situação segue similar. Dados da plataforma de benchmarking do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) indicam uma queda de 6,5% na produtividade média da cana-de-açúcar na região Centro-Sul em relação à safra anterior.
No acumulado de 2025/26 (abril a setembro), a média alcançou 77,7 toneladas por hectare, 5,5 toneladas a menos do que as 83,2 t/ha da temporada passada.
O diretor da Coplacana (Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo), João Paulo Félix, aponta que a produção desta safra não deve passar dos 600 milhões de toneladas, sobretudo por fatores climáticos.
“Temos uma revisão para baixo principalmente por conta da seca mais severa e prolongada do ano passado. Demorou mais para chover. Houve também impactos dos incêndios, que reduziram um pouco as reformas. Essa revisão resulta em produtividade um pouco menor”, explica Félix.
Concorrente ganhando força
Outro fator de preocupação para o setor é a perda de competitividade em relação ao etanol produzido a partir do milho. Projeções da consultoria Datagro apontam que a capacidade instalada para produção de etanol de milho será de 24,7 bilhões de litros em 2034, volume semelhante ao que as usinas de etanol de cana produzem atualmente.
Nesta safra, espera-se produção de 25 bilhões de litros. Não há perspectivas de aumento significativo na próxima década. Ou seja, daqui a nove anos, metade da produção brasileira de etanol será oriunda do processamento de milho — e, embora seja a mesma molécula, o etanol de milho é muito mais competitivo que o de cana.
Pierre Santoul, CEO da Tereos no Brasil, um dos principais grupos sucroalcooleiros, demonstrou preocupação com a competitividade do setor.
“Se você olhar para os últimos 15 anos, a produtividade da cana é bastante estável. Quando você compara com as outras grandes culturas do Brasil, a produtividade delas quase dobrou. Acredito que, para quem faz açúcar, como nós, não há assunto de produtividade ou de competitividade, porque o mundo precisa do açúcar brasileiro. Para quem faz só etanol, há um desafio de competitividade contra o etanol de milho, que acaba sendo mais competitivo”, diz.
A produção de etanol a partir de Cana‑de‑açúcar representa cerca de 80 % a 83 % do total nacional. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estimou para a safra 2024/25 cerca de 36,1 bilhões de litros no total, dos quais 28,86 bilhões eram de cana.
Etanol de milho x etanol de açúcar
Diferentemente do milho que é uma cultura anual e precisa ser plantada todo ano, a cana é uma cultura semiperene que pode ser cortada por anos sem necessidade de ser plantada novamente (em média 6 colheitas).
Outra diferença importante está no custo da matéria-prima. Enquanto o preço do milho segue as cotações internacionais do grão, o da cana depende das variações do açúcar no mercado externo e do etanol no mercado interno, conforme os critérios do Consecana de cada Estado.
A cana precisa ser moída em até 48 horas após a colheita, o que limita a produção de etanol entre abril e novembro. Já o milho pode ser armazenado e processado o ano todo, permitindo produção contínua e ajudando a reduzir a volatilidade dos preços.
Como as usinas de etanol de milho podem comprar o grão antecipadamente e estocá-lo quando o valor está mais baixo, ficam menos expostas às oscilações de custo. Assim, os custos de produção variam conforme o preço da matéria-prima e a localização da usina, o que pode favorecer uma ou outra rota.
A solução?
Para driblar esses desafios, o setor vem se tornando um dos mais mecanizados do agro brasileiro.
“Hoje já podemos praticamente cravar que 100% dos canaviais estão sendo manejados mecanicamente. Não há mais uso do fogo no manejo. O setor teve rápida adesão e evolução da mecanização”, aponta Félix.
O setor sucroenergético no Brasil é altamente fragmentado entre grandes indústrias, pequenos produtores e cooperativas. Estima-se que os 15 maiores grupos correspondam a 49% de toda a moagem de cana brasileira, enquanto os outros 51% se dividem entre os demais grupos.

Na região Centro‑Sul, principal área produtora do país, há em média 250 unidades em operação, segundo levantamento da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica).
“Para os menores, a aquisição de uma colhedora mecanizada, um drone ou outro investimento em tecnologia é mais difícil. Hoje, uma colhedora custa cerca de R$ 1,8 milhão. Para viabilizar o investimento, o produtor precisa de pelo menos 60 mil toneladas de cana por ano”, explica.
Tecnologias na cana-de-açúcar
Georreferenciamento de máquinas: colhedoras e tratores transbordos são georreferenciados com precisão milimétrica, permitindo gestão de tráfego que minimiza o pisoteio nas ruas de cana, melhorando brotação, produtividade e longevidade do canavial.
Plantio mecanizado: o plantio mecanizado é extremamente eficiente, pois a muda é cortada, plantada e coberta no sulco no mesmo tempo, evitando desidratação e resultando em melhor brotação e qualidade do estande.
Mapeamento detalhado do solo: identifica áreas mais ricas ou pobres, permitindo aplicação localizada de corretivos e fertilizantes na dosagem correta. Auxilia ainda na logística, planejando curvas de nível, alocando carreadores e pátios de transbordo, aumentando a eficiência operacional.
Irrigação: garante implantação bem-sucedida do canavial e vigor constante. Após a colheita, se realizada corretamente, assegura a longevidade e a produtividade do canavial.
Pulverização de catação: permite controle pontual de plantas daninhas mesmo em cana alta, quando tratores não podem entrar. Robôs autônomos pulverizam seletivamente, substituindo a mão de obra de mais de 20 pessoas.
Aplicação de maturadores: facilita a aplicação em áreas de difícil acesso, aumentando o ATR (Açúcares Totais Recuperáveis) enviado à indústria.
Controle biológico: liberação de cotésia em pontos estratégicos para combater a broca da cana.
Rotação de culturas: cultivo de soja durante a reforma do canavial melhora matéria orgânica, controla plantas daninhas e favorece produtividade futura da cana.
Nutrição complementar avançada: produtores com alta adesão tecnológica aplicam 4 ou 5 pulverizações de nutrientes (inclusive micronutrientes) em fases de maior resposta da cana, buscando equilíbrio nutricional e altos níveis de produtividade.
*Estagiário sob supervisão
 
  