02/07/2019 - 15:08
No horóscopo chinês, 2019 é o ano do porco. Há quem aposte que esse período, iniciado em 5 de fevereiro e que vai até 24 de janeiro de 2020, seja repleto de boas energias, prosperidade e soluções imediatas de problemas. Por outro lado, exotéricos menos otimistas preveem mudanças drásticas, motivadas por um processo de descontrole. Certamente, essa segunda versão tem mais a ver a com a atual situação do próprio animal retratado no zodíaco chinês. Desde a identificação de um foco da peste suína africana, na China, em agosto do ano passado, o quadro sanitário do suíno mudou drasticamente. Isso deve levar a uma mudança radical no hábito alimentar dos chineses daqui para a frente. “A doença vem se alastrando rapidamente naquele país”, afirma o advogado Ricardo Santin, vice-presidente e diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa os setores de produção de aves e suínos. “A China corre o grande risco de perder até 35% de toda a sua produção. O evento é uma disrupção no mercado global de carnes”, analisa Santin.
A doença, transmitida por um vírus letal somente aos suínos, causa a morte do animal em até duas semanas. Além disso, a transmissão é facilmente concretizada. A peste passa de um animal a outro pelo ar, água e objetos contaminados. “Se um chinês pisar numa área contaminada, poderá propagar a doença se tiver contato com outros suínos”, destaca Santin. A única forma de controle é o abate do rebanho vítima do mal. A doença afeta especialmente a produção familiar chinesa, de criações que vão de 1 a 500 animais, e que responde por 20% da produção de suínos no país. Até o final deste ano, o gigante asiático e segunda maior economia do planeta – atrás apenas dos EUA – deve abater 200 milhões de porcos. “Esse estilo de produção faz parte da tradição chinesa e põe em xeque o maior criador de suínos do mundo”, diz Santin.
No ano passado, a China produziu 54 milhões de toneladas, 48% do total mundial. Para saciar sua fome, o país ainda importou mais 1,6 milhão de toneladas, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês). Para este ano, o órgão americano prevê que a China reduza sua produção para 48,5 milhões de toneladas, 10,3% a menos ante o ano passado. Já as importações podem alcançar 2,2 milhões, 41% a mais do que em 2018. Há previsões mais drásticas, como o do banco holandês Rabobank, que lançou um relatório no início de abril, indicando a queda da produção chinesa de suínos para 35 milhões de toneladas, o que levaria a uma redução de 35%.
Quando o assunto é um titã como a China, as perspectivas não são muito boas para o mercado, porque desregula o comércio mundial de carne como um todo. A produção global de carne suína é de 113 milhões de toneladas, sendo que 8% são de exportações. “Isso significa que a carne tem um forte apelo para o abastecimento interno”, diz Santin. “Estima-se que os grandes produtores dessa carne, como os europeus, os americanos e os brasileiros, foquem primeiro no atendimento ao mercado interno.” Com um rebanho de 38,4 milhões de animais, o Brasil é o quarto maior produtor de carne suína do mundo. Este ano, o País deve produzir 4 milhões de toneladas e exportar 900 mil, segundo o Usda. Os ajustes devem ser pontuais, mas não devem atender à demanda chinesa.
DESCONTROLE Ainda é nebuloso o procedimento de combate à peste suína pelos chineses, já que não há relatos de reestruturação do modelo familiar de produção. No final de janeiro, na sede do governo, em Pequim, o vice-ministro de Agricultura, Yu Kangzhen, se reuniu com a veterinária Monique Eloit, diretora geral da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE, na sigla em francês). No encontro, o governo falava em controle do surto da doença e do abate de animais infectados. De lá para cá, os surtos aumentaram, se estendendo ainda mais pelo país. Hoje, a doença aflige outros 11 países, entre eles, Hungria, Rússia, Ucrânia e Vietnam. “Há previsões de que a China só poderia voltar ao normal dentro de 10 anos”, diz Santin. “Mas eu acredito na reversão desse quadro em até cinco anos”.