Erguida por escravos negros por volta de 1775, a capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi reaberta nesta quarta-feira, 9, após passar por restauração no quilombo de Ivaporunduva, em Eldorado, interior de São Paulo. O monumento religioso, que é único no Brasil com essas características, foi reaberto em um dia de festa para a comunidade quilombola com cerca de 400 pessoas que há décadas lutavam pela restauração de seu maior patrimônio.

As obras do governo do Estado, ao custo de R$ 1,2 milhão, foram iniciadas em dezembro do ano passado. As intervenções, de acordo com o secretário de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, Sérgio Sá Leitão, incluíram o telhado, o piso, reforços na estrutura de taipa de pilão e a recuperação do altar-mor. “Era uma demanda antiga da comunidade e conseguimos reunir os recursos do próprio governo para viabilizar o projeto. Houve necessidade de incluir obras de acessibilidade e de proteção contra incêndios, mas sem alterar a originalidade da construção”, disse.

A comunidade quilombola se formou ao final do século 17 (por volta de 1680), mas a capela só foi construída quase um século depois e se tornou um marco do quilombo de Ivaporunduva, que foi reconhecido pela União em 1997. O templo e seu entorno foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) em 1972. “Após o reconhecimento da comunidade quilombola, os moradores receberam a posse das terras do entorno”, disse o secretário.

A capela está localizada no ponto mais alto do povoado, que fica à margem esquerda do Rio Ribeira de Iguape. Com 130 m² de área construída, o templo passou por algumas intervenções que foram consideradas inadequadas. O piso da nave principal, que era de terra batida, foi cimentado em 1970. Agora, o cimento foi retirado e o piso refeito com tijolos de barro, mais compatíveis com a capela original. Em madeira, o forro da nave e o forro e o piso do coro foram refeitos com tábuas das mesmas dimensões.

O trabalho de restauro incluiu o altar-mor de madeira e os sinos de bronze da capela. Houve a retirada do reboco degradado das paredes, que recebem caiação – pintura à cal, como era originalmente. Conforme o secretário, a capela foi adequada para seu uso tradicional, como a celebração de cultos e as reuniões da comunidade. “O entorno também foi urbanizado, permitindo maior convívio da população com aquele espaço. Durante as obras, a comunidade se engajou com a equipe do restauro, pois os moradores têm um apreço imenso pela capela, além de ser um componente afetivo muito forte”, disse.

A expectativa é de que o restauro favoreça também o turismo, já que a região é muito procurada pelos turistas devido às cavernas e cachoeiras dos parques estaduais – Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira e Parque Estadual e Parque Estadual Caverna do Diabo. “Vai contribuir para fortalecer o quilombo inclusive como destino turístico. Com a receita do turismo, da venda de artesanato e de alimentação, os moradores terão mais renda e poderão reforçar suas tradições culturais”, afirmou.

História

Após a fixação dos portugueses nas atuais cidades de São Vicente e Cananeia, no litoral de São Paulo, no século 16, alguns aventureiros seguiram o curso do Rio Ribeira de Iguape em busca de ouro. Entre eles estavam os irmãos Domingos e Antônio Rodrigues da Cunha, que se fixaram com dez escravos à margem do rio. Com a escassez do minério nessa região, a maior parte dos mineradores foi para Minas Gerais. Alguns escravos, no entanto, permaneceram no local e formaram uma comunidade que recebeu escravos fugidos ou alforriados de outras regiões.

O povoado de Ivaporunduva surgiu antes mesmo da fundação de Xiririca, antigo nome da cidade de Eldorado. Os habitantes faziam mutirões para a roça, a construção de casas, a criação de animais, para fazer cultivos de subsistência e manter os caminhos ao redor da comunidade, isolada pelo rio de um lado e pela exuberante Mata Atlântica do outro.

A capela foi construída em planta de nave única, em formato retangular. A capela-mor, em alvenaria de pedra cangicada (fragmentada), só foi construída no século 19. A fachada principal possui uma única porta e, acima, duas janelas na altura do coro.