Desmatamento e queimadas ilegais afetam a reputação do Brasil, que poderia servir de exemplo ao agronegócio mundial com práticas sustentáveis como modelos integrados de lavoura (Crédito:luoman)

Diferentemente da maioria dos agricultores brasileiros, o casal Romeu e Dulce Ciochetta não tem ligação histórica com o campo. Quando se conheceram, ele era vendedor de máquinas agrícolas e ela, professora. Se casaram e, em 1985, resolveram se mudar para o Mato Grosso. Quatro anos depois, nova mudança. Arrendaram 200 hectares de terra, largaram as profissões e começaram a plantar arroz e soja. Hoje, cultivam 9,5 mil hectares da oleaginosa na 1a safra, 9 mil hectares de milho na 2a e ainda destinam mais 1 mil hectares para criação de gado no modelo Integração-Lavoura-Pasto-Floresta (ILPF). A próxima etapa é entrar no comércio de carbono, mercado que movimentou US$ 214 bilhões no mundo em 2019 e que tem potencial para ultrapassar os US$ 10 bilhões no Brasil. “No momento em que as operações por aqui começarem, estaremos prontos para coroar as boas práticas de agricultura que estamos implementando há anos na fazenda, com a venda dessa nova commodity”, disse Romeu.

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Quem visitar o Grupo Morena, a propriedade dos Ciochettas, terá a oportunidade de encontrar técnicas de manejo como plantio direto, cobertura de solo, tecnologias de agricultura de precisão, além de iniciativas para reuso da água e educação ambiental para funcionários. “Ainda no começo da nossa história, entendemos que deveríamos ter uma conduta mais sustentável do que plantar e crescer”, disse Dulce. A recompensa pelo esforço, segundo os proprietários, já vinha do solo em forma de produtividade. Agora, especialistas em sustentabilidade dizem que pode vir também do ar em forma de papéis de carbono.

Um dos grandes desafios técnicos que os produtores encontrarão nesta nova frente é conhecido como MRV – Mensurar, Reportar e Verificar. É aqui que eles terão ajuda como um dos participantes da Iniciativa Carbono Bayer. A multinacional alemã é uma das gigantes do agronegócio que apoia os produtores a se prepararem para entrar nesse mercado, previsto no Artigo 6 do Acordo de Paris. “A grande dificuldade para transacionar o carbono proveniente da agricultura é fazer a mensuração, de forma economicamente viável e em alta escala do volume sequestrado pela planta e estocado no solo. Essa é uma das etapas na qual temos a missão de ajudar”, disse Eduardo Bastos, diretor de Sustentabilidade da Bayer para América Latina. A iniciativa da empresa, feita com a Embrapa, começou ano passado ao selecionar pouco mais de 400 agricultores brasileiros de 15 estados. Eles terão a mensuração de CO2 no solo realizada antes e depois de implementar boas práticas de manejo, sob a orientação dos técnicos da iniciativa. No momento da reportagem, estavam na fase de coleta de amostra dos 60 mil hectares de terras do projeto para a última fase de análise. É justamente essa mensuração que pesa no bolso. Segundo Bastos, o custo chega a US$ 10 por hectare. “O ideal é que não passe de US$ 1, porque na realidade atual o produtor receberia cerca de metade do que investe”, afirmou.

Potencial estimado do mercado no brasil é de US$ 10 bilhões

 

Wenderson Araujo

Problema para uns, oportunidade para outros. A startup Agrorobótica usa o laser e a inteligência artificial para medir o nível de carbono no solo e, então gerar uma certificação que poderá ser usada para comprovar se o produtor está alinhado com a meta do Acordo de Paris. O tratado prevê aumentar em 0,4% o estoque de carbono no solo por ano. “A agricultura está sendo vista como vilã do aquecimento global, mas é uma das únicas atividades produtivas que, além de conseguir reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), é capaz de sequestrar carbono da atmosfera e estocá-lo no solo”, afirmou Fábio Angelis, fundador e CEO da agtech. Para a especialista em direito ambiental do Stocche Forbes Advogados, Caroline Prolo, os países que mais atacam o Brasil são os que mais precisarão dos papéis emitidos aqui. “Nosso agronegócio tem condições de gerar crédito de carbono que compense a emissão de gases por empresas poluidoras de países como Alemanha e França.” Para a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), de acordo com seu coordenador de Sustentabilidade, Nelson Ananias Filho, o uso político das operações em sobreposição à necessidade de se construir um modelo de desenvolvimento sustentável é uma das maiores preocupações. “A União Europeia tem uma resistência muito grande em abrir seu mercado de carbono a países que têm um grande ativo ambiental, como o Brasil. Se passarem a usar isso como barreira não tarifária teremos um problema internacional”, afirmou.

“A união Europeia tem uma resistência muito grande em abrir seu mercado de carbono a países que têm um grande ativo ambiental como o Brasil” Nelson Ananias filho, CNA (Crédito:Divulgação)

REGULAMENTAÇÃO A CNA junto a outras entidades do agronegócio brasileiro, empresas do setor e o Centro Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), presidida por Marina Grossi, lidera movimento para criar um mercado de carbono compulsório no Brasil. “Queremos um sistema de comércio similar ao que existe na Europa, com regras que sejam certificadas por entidades como Inmetro e envolvimento da B3, para pensar o mercado secundário”, afirmou Marina. O outro modelo possível é o mercado voluntário onde companhias poluidoras fazem a compensação por uma decisão estratégica e não por força de lei. “Para que o mercado funcione é preciso haver um consenso de regras, normas e definições globais para quantificação do carbono e que seja replicado no Brasil para a criação de um mercado estável e com segurança jurídica”, afirmou Ananias Filho, da CNA.

Um dos problemas apontados por possíveis compradores da nova commodity made in Brasil é a dúvida sobre o cumprimento da lei. Para embasar o argumento, usam os índices de desmatamento ilegal. De acordo com o Observatório do Clima, foram as queimadas e derrubada de árvores as principais fontes de emissões do País. De acordo com o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2019 e julho de 2020, foram 9.205 km² desmatados na Amazônia, o equivalente a 1.100.000 campos de futebol e 34,5% a mais do que no ano anterior.

DECISÃO Diante da articulação do setor, está nas mãos do governo brasileiro ajustar o discurso e a prática. “Os ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura e da Economia querem ter o mercado. Só que falta criar o ecossistema”, afirmou Bastos, da Bayer. Caso as autoridades decidam agir, o País poderá contar uma bela história na Cop 26, no próximo mês de novembro. Mas, por ora, fatos indicam que o País corre mesmo é o risco de ser banido da reunião por ter apresentado uma vexatória meta de redução de GEE ao Acordo de Paris, em janeiro. Na prática, as metas apresentadas por Ricardo Salles (Meio Ambiente) elevaram de 1,2 bilhão a 1,6 bilhão de toneladas as emissões de gases de efeito estufa do Brasil até 2030.