22/12/2015 - 13:00
Todos os dias, 3,2 milhões de caminhões estão a postos para transportar mercadorias no País. Com mais de 200 milhões de toneladas de grãos para serem retiradas do campo, além das demais commodities, como café, celulose, hortifrutis e toda a cadeia da proteína animal e de alimentos processados, o agronegócio está entre os setores que mais utilizam esse serviço. Estima-se que quase 50% da frota de caminhões esteja a serviço do setor. “O campo sempre vai ser um ótimo cliente, porque a tendência de produção é crescente”, diz Valdecir Coelho Adamucho, sócio-diretor da G10 Transportes, com sede no município de Maringá (PR). A G10, uma das maiores empresas do setor, possui uma frota de 1,6 mil caminhões, dos quais 700 são graneleiros e 150 são unidades com tanques para óleo vegetal. Mas, o que ocorre hoje no setor de transporte de cargas representa o início do fim de um ciclo no País.
A mais visível mudança em andamento é o encurtamento das longas viagens por estradas, o que deve mexer no custo da carga transportada. E isso muda a regra do jogo. O que os especialistas do setor ainda não sabem é em que ritmo ela vai acontecer. O transporte é um elemento importante na cadeia, a ponto de determinar se vale a pena tirar a produção do campo. Um bom exemplo é o que ocorreu com o milho mato-grossense no início do segundo semestre. Entre julho e setembro, logo após o término da colheita da segunda safra do cereal, o preço do frete disparou, em função do atraso da retirada dos estoques de soja do Estado, colhida no primeiro semestre. Com o gargalo logístico, o milho para exportação ficou inviabilizado. De acordo com o Instituto Mato-grossense de Economia Aplicada (Imea), para transportar uma tonelada do cereal, entre o município de Sorriso e porto de Santos, uma viagem de dois mil quilômetros, o frete era de R$ 300 por tonelada, ante a cotação ao produtor de R$ 230.
Novas rotas: A G10 Transportes, comandada por Valdecir Coelho Adamucho, diminuiu a média percorrida por sua frota de dois mil quilômetros para um mil quilômetros
A tendência de encurtamento das viagens ocorre em paralelo à reorganização dos modais de transporte, principalmente no chamado Eixo Norte. Entre esses modais estão a modernização e a ampliação de portos, como o de Vila do Conde (PA), de Itaqui (MA) e de Itacoatiara (AM); a construção de zonas de transbordo de cargas de um modal para outro, como o de Rondonópolis (MT); o início de funcionamento de trechos de ferrovias, como a Norte-Sul, e a melhoria das rodovias em todo o País, ainda que ela ocorra lentamente. No Triângulo Mineiro, por exemplo, parte da produção vem sendo escoada através do Terminal Integrador de Araguari, na região de Uberlândia, com distâncias médias de 500 quilômetros entre os centros produtores e o transbordo para a ferrovia. Em Mato Grosso ocorre o mesmo com o terminal de Rondonópolis, o maior do continente sul-americano, que está recebendo, em 2015, 10 milhões de toneladas para serem embarcados em trens. O terminal já absorve grande parte da soja cultivada na região, com destaque para polos produtivos, como Lucas de Rio Verde, por exemplo, município a 600 quilômetros de distância.
Os trechos cada vez mais curtos começam a mexer na estratégia das empresas de transporte. Na G10, a atual média percorrida pela frota é de cerca de mil quilômetros, mas já foi superior a dois mil quilômetros. Para Adamucho, com a integração dos modais terrestres, caminhão-trem-navio, a tendência para os próximos dez anos é de 500 quilômetros, como média geral percorrida pela frota. “As viagens mais curtas, necessariamente, devem ser mais baratas e isso vai refletir no custo para toda a cadeia”, diz ele. “Ainda é difícil prever o quanto elas podem baratear, mas o fato é que teremos de ser mais eficientes”.
De acordo com Miguel Mendes, que faz parte do Fórum Permanente para o Transporte Rodoviário de Cargas do Ministério dos Transportes, além de ser o diretor-executivo da Associação dos Transportadores de Carga de Mato Grosso (ATC), com sede em Rondonópolis, município que possui cerca de 500 empresas do setor, o preço menor do frente, vai depender de estradas melhores, com menores custos de manutenção da frota.
Investimentos: Segundo Victor Carvalho, diretor de vendas da Scania, a empresa sueca direciona as pesquisas para desenvolver produtos mais eficientes
O Brasil possui 1,7 milhão de quilômetros de estradas, mas, apenas 204 mil quilômetros são pavimentadas, ou seja, 80% das vias são ineficientes para o transporte pesado. “Com a mudança de padrão da viagem, os trechos curtos que começam a ser realizados até poderiam ser mais lucrativos para as empresas”, afirma Mendes. “Mas não é o que ocorre hoje no Brasil, a conta do transporte ainda é muito salgada.”
“No Brasil, a conta do transporte ainda é muito salgada” Miguel Mendes, diretor-executivo da ATC
Para o executivo Glorivan Parreira, diretor geral da Trans-portadora Brasil Central, de Rio Verde (GO), empresa com uma frota de 250 caminhões graneleiros e basculantes de nove eixos, dedicados exclusivamente ao transporte de commodities agrícolas, a atual relação de preço do frete por tonelada nas distâncias mais curtas, por enquanto tende a ir na contramão do mundo, como ocorre na Europa e nos Estados Unidos. Isso porque, na conta das empresas, estão variáveis que vão além da rodagem dos veículos. “Perdemos muito tempo com carga e descarga, com a emissão de documentos fiscais e com a baixa produtividade operacional de muitos armazéns”, afirma Parreira. “A perda de tempo com burocracias e ineficiências têm um impacto alto no faturamento dos caminhões.” Atualmente, a média mensal de rodagem da frota de caminhões da Brasil Central é de sete mil quilômetros. Mas, de acordo com Parreira, para compensar o custo das viagens que começam a encurtar, os caminhões deveriam rodar dez mil quilômetros, por mês. “Além disso, precisamos de mais agilidade, por exemplo com balanças e tombadores, para operar com caminhões de 30 metros de comprimento”, diz ele. Hoje, a maior parte dos caminhões nas estradas são de 25 metros “Precisamos de mais investimentos.”
Na indústria de caminhões, a ordem é colocar no mercado veículos mais eficientes. Hoje, 16 montadoras atuam no País. Entre elas, gigantes como Ford, MAN Latin America, Volkswagem, Mercedes-Benz e Scania. Para Victor Carvalho, diretor de vendas da sueca Scania, que no ano passado faturou cerca de US$ 2,2 bilhões em suas unidades de negócio na América Latina, as pesquisas vêm sendo direcionadas para produtos mais eficientes, por exemplo, em economia de combustível, em desgastes mecânicos e de pneus, e em dirigibilidade. “O que estamos fazendo com muita regularidade é ouvir as demandas do setor, porque as mudanças de fato vêm ocorrendo”, diz Carvalho. “E estamos tomando decisões.” Uma delas ocorreu em agosto, quando a empresa, por demanda da transportadora G10, colocou um caminhão no mercado com uma configuração que desde 2009 vinha sendo estudada por 25 engenheiros, para transportar até 37 toneladas de carga, gastando menos pneus e combustível.