P ara a subsidiária brasileira da Cargill, uma das maiores potências do agronegócio do mundo, 2005 foi particularmente importante. Naquele ano, a empresa completava quatro décadas de operações no País, iniciadas em 1965. A comemoração dos 40 anos de atividades coincidiu com a publicação, pela primeira vez no Brasil, de um relatório anual completo, com dados de desempenho econômico e financeiro, de gestão corporativa e de recursos humanos, que se tornou uma atividade corriqueira. De lá para cá, entre o que mostra o relatório de 2005 e o que está no de 2012, há um salto quase olímpico no desempenho em solo nacional. A empresa, que nasceu em 1863 no Estado de Iowa – na região chamada de Meio-Oeste, na qual está a maior parte da soja cultivada nos Estados Unidos –, viu praticamente duplicar a receita líquida da subsidiária, de R$ 13 bilhões para R$ 24 bilhões em sete anos, com lucro líquido de R$ 404 milhões no ano passado. O volume total de produtos originados, processados e comercializados passou de 13,8 milhões de toneladas em 2005 para as atuais 24 milhões de toneladas.

O mais recente investimento para alavancar as receitas da Cargill e abrir o leque de atividades no País foi a inauguração de sua primeira unidade brasileira de produção de biodiesel, replicando o modelo de negócio já implantado na Argentina, Bélgica, Alemanha e nos Estados Unidos. A usina de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, coroa um portfólio de produtos que inclui o processamento de soja, algodão, tomate e cacau, mais a produção de açúcar, etanol, amidos, adoçantes, produtos de consumo, como óleos e gorduras vegetais, óleos industriais e lubrificantes, além do comércio de energia e da prestação de serviços financeiros através do Banco Cargill.

No campo das novas iniciativas realizadas no ano passado a Cargill também passou a contar com a certificação UTZ para o cacau processado em Ilhéus, na Bahia, figurando como a primeira empresa do setor a receber tal distinção. A certificação UTZ é um programa baseado em critérios sociais e ambientais relativos a práticas responsáveis no campo. A estimativa do mercado é de que a Cargill compre no mundo 800 mil toneladas de cacau por ano, figurando como a segunda empresa do setor. Para 2014, não menos ousado é o projeto de iniciar o esmagamento de milho no município de Castro, no Paraná, em uma fábrica nova em folha na qual serão investidos R$ 400 milhões. “É um projeto moderno, no qual também preferimos começar do zero a construção de uma fábrica a adquirir alguma unidade já existente”, diz Luiz Pretti, presidente da Cargill no Brasil. Nos últimos cinco anos, a Cargill já investiu R$ 2,7 bilhões para melhorar processos e aumentar sua presença no agronegócio brasileiro. Por esse desempenho, além da nova postura da companhia, tradicionalmente discreta, de abrir suas portas para que o público a conheça melhor, a Cargill foi escolhida A Empresa do Ano no ranking AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL. A empresa também foi a melhor colocada na categoria Agronegócio Direto (leia mais na pág. 52) e recebeu medalha de bronze em Gestão de Cadeia Produtiva (pág. 70).“A Cargill pode ser comparada a uma grande biblioteca”, diz Pretti. “Há muitos volumes sobre diversos assuntos e o acesso a essa biblioteca é ilimitado.”

Mostrar-se ao público externo à sua atividade comercial é uma atitude muito recente na Cargill. Uma brincadeira entre os executivos da companhia é dizer que ela sempre foi uma empresa “não profile”, um trocadilho com a expressão inglesa “low profile” (comportamento discreto), para justificar sua ausência quase absoluta na mídia e em eventos fora de seu círculo direto de interesses. “Nisso estamos melhorando”, diz Pretti. “Hoje já conseguimos ser low profile.” A própria escolha de Pretti para comandar a companhia, desde agosto do ano passado, reflete a nova postura da empresa. O engenheiro de 54 anos, há nove anos na Cargill e sempre ligado ao setor financeiro, onde o paletó e a gravata são itens quase obrigatórios no vestuário cotidiano, é capaz de passar dias no campo, calçado de botinas velhas e de mangas arregaçadas. Nessas ocasiões, que atualmente são cada vez mais frequentes, Pretti é quase um “caipira botinu do”, uma expressão do interior paulista usada para designar quem não espera para colocar a mão na massa e está pronto para desafios em qualquer lugar.

Pretti justifica a posição histórica da empresa em se comportar como uma ostra. “Cada um tem seu tempo”, diz ele. “A Cargill está quase chegando aos 150 anos, mas, se a gente parar para pensar, ela ainda é uma empresa familiar.” A Cargill, com 142 mil funcionários em 65 países e faturamento de quase US$ 137 bilhões em 2013, ainda é uma das raras grandes empresas de capital fechado, a exemplo da Ford, hoje comandada pelo bisneto de seu fundador, Henry Ford. Na Cargill, o atual CEO mundial, Gregory Page, responde diretamente aos herdeiros de William Wallace Cargill, comerciante que iniciou seu império no agronegócio a partir da compra de um armazém de grãos.

A missão de Pretti, além de aplacar a curiosidade das pessoas em relação aos passos da Cargill, é fazê-la crescer para acompanhar a demanda dos principais mercados de alimentos no mundo. “Somos uma empresa de bens de consumo”, diz o presidente. “E a procura por eles cresce a olhos vistos nas regiões em desenvolvimento, como os países asiáticos, mas especialmente no Brasil.” Um estudo apresentado em outubro pela Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura mostra que o aumento da renda no Brasil, de 8,6% nos últimos cinco anos, puxou a alta do consumo de carnes e derivados do leite, além de bebidas.

Pretti diz que espera por um crescimento orgânico da empresa, em função dos investimentos realizados, mas também alerta que não descartará oportunidades. “É um misto de decisões”, afirma. “Queremos crescer organicamente, junto com a renda da população, mas também podemos repetir a história do tomate.” Pretti se refere à compra da linha de produtos à base de tomate que pertencia à Unilever no Brasil e que incluiu as marcas Pomarola, Tarantella, Elefante e Pomodoro. O negócio de cerca de R$ 600 milhões foi concluído no final de 2010. “Você sabia que 76% dos brasileiros já experimentaram o molho de tomate Pomarola?”, costuma argumentar Pretti para justificar a aposta nesse nicho de mercado. Em nenhum outro país a Cargill atua na cadeia do tomate. “Nesse caso, ousamos porque a linha de molhos da fruta se casava muito bem com produtos que industrializamos, entre eles os óleos e a maionese”, diz. “Além do mais, sempre tivemos uma relação muito boa com a Univeler, que continua como cliente da Cargill para ingredientes industriais.” Entre eles está a soja, que entra na fabricação de sucos da marca Ades. “Nomes tradicionais de produtos que estão no mercado nos atraem, desde que façam sentido em nosso portfólio e que estejam de comum acordo para não sermos concorrentes de nossos clientes.”

No entanto, no melhor estilo cultivado pelo grupo sesquicentenário, Pretti desconversa quando se trata de falar sobre novos investimentos em produtos. Mas há rumores no mercado de que a Cargill sonda a possibilidade de uma parceria para engordar bois em confinamento no Brasil, ao contrário do que acontece com a matriz americana. A Cargill é a terceira maior confinadora de bovinos do País, depois da Cactus e da líder Five Rivers, que pertence à holding brasileira J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. Até dois anos atrás, antes da seca americana, considerada a pior dos últimos 50 anos, a Cargill engordava cerca de 700 mil animais por ano, atendendo 10% da demanda por matéria-prima de seus frigoríficos, outra atividade em que a subsidiária não atua. Segundo fontes do setor, as conversas entre a Cargill e AC Agro Mercantil, em Araxá, Minas Gerais, têm futuro. O confinamento da AC Agro, um dos maiores do País, pertence ao empresário Daniel Conde, que também cultiva café e grãos em mais de 50 mil hectares em Goiás e Mato Grosso, além de Minas Gerais.