11/03/2015 - 15:16
A seca, em janeiro, pegou os cafeicultores desprevenidos e afetou o desenvolvimento da lavoura. A estiagem vai prejudicar a colheita da safra 2015 e ainda poderá ter reflexos na produção, em 2016. Contudo, os preços estão em patamares que agradam aos produtores e as exportações vão de vento em popa. O Brasil teve uma receita recorde de US$ 589 milhões, em janeiro, com o embarque de 2,9 milhões de sacas do grão, um faturamento 50,4% superior ao registrado no mesmo período do ano passado. Carlos Alberto Paulino da Costa, presidente da Cooxupé, a maior cooperativa de cafeicultores do mundo, comenta o
cenário de incertezas na produção, custos nas alturas e o dólar supervalorizado. Baseada no município mineiro de Guaxupé, a cooperativa representa 11,5 mil associados.
DINHEIRO RURAL – A seca de janeiro pegou os cafeicultores de surpresa?
CARLOS PAULINO – Sim. Era para chover e não choveu. Já registramos secas no passado, em períodos entre junho e agosto. Mas, em janeiro, não é comum. Foi uma seca severa e inesperada. Com um problema climático dessa magnitude, ninguém tem condições de evitar os prejuízos.
RURAL – Quais são os prejuízos e em quais regiões?
PAULINO – É preciso entender o ciclo fisiológico da planta, que são ciclos de dois anos. Ela produz de acordo com o seu crescimento no ano anterior. A seca gera um impacto imediato, porque compromete o desenvolvimento dos grãos. No entanto, também prejudicou o crescimento da planta, o que deverá ter reflexos na produção de 2016. Em Minas Gerais, a região Sul foi a mais afetada, principalmente em municípios como Varginha e Três Pontas. Felizmente, embora a planta esteja apresentando pouco crescimento, aparentemente está verde e saudável. Vimos poucos casos de escaldadura, que acontece quando o cafeeiro queima.
RURAL – Como isso vai afetar o recebimento da Cooxupé?
PAULINO – Estamos avaliando as implicações da seca. A Cooxupé faz um levantamento próprio da produção de café de seus associados. A pesquisa é feita por 60 engenheiros agrônomos, em 4,1 mil propriedades, localizadas em 200 municípios do Sul de Minas Gerais, Triângulo Mineiro e na região Norte de São Paulo. Em 15 dezembro, quando fizemos o levantamento mais recente, os dados apontavam para o mesmo resultado de 2014. A nossa estimativa é de um recebimento de 3,8 milhões de sacas de café neste ano.
RURAL – É possível estimar as perdas dos produtores?
PAULINO – Ainda não temos condições de dizer qual será o impacto da seca. O próximo levantamento da Cooxupé será feito em maio, às vésperas da colheita. Só aí teremos uma avaliação mais real da safra. A produtividade média, que é de 30 sacas por hectare, pode ser afetada.
RURAL – Além da seca, como as previsões de baixo crescimento econômico do Brasil, em 2015, vão impactar na cafeicultura?
PAULINO – Nos últimos anos, o cafeicultor vem investindo muito em mecanização, renovando o maquinário, comprando pulverizadoras, colhedoras e tratores mais sofisticados. Em 2015, pode haver uma diminuição dos financiamentos e uma redução dos investimentos.
RURAL – O consumo de café pode cair?
PAULINO – Não estamos preocupados com o consumo. Desde 1994, quando foi implantado o Plano Real, o café é um dos produtos com valores mais acessíveis. Um quilo de café é vendido por uma média de R$ 12 e rende cerca de 120 xícaras. Então, cada xícara de café custa apenas R$ 0,10. É muito barato. Não acredito que o consumo vá cair no Brasil. Além disso, o consumo mundial aumenta todo ano, num ritmo de crescimento de 2%.
RURAL – O mercado interno pode crescer?
PAULINO – Acredito que sim. O consumo per capita do brasileiro é de cinco a seis quilos de café por ano. Na Noruega, o consumo per capita é de dez quilos ao ano. Já no mercado externo, há muitos anos se cria uma expectativa sobre a China, mas os chineses não estão aumentando muito o consumo. Acredito que os mercados com bom potencial de crescimento estão no Leste Europeu, em países como Eslovênia e Rússia.
RURAL – Em janeiro, o Brasil registrou um recorde nas exportações de café. O que explica esse fato?
PAULINO – Em janeiro do ano passado, os preços estavam num patamar muito baixo, que nem cobriam os custos de produção, porque se esperava uma grande safra. Com a seca, os preços se recuperaram. No mercado interno, a média de comercialização da saca, que em janeiro de 2014 foi de R$ 289, ficou em R$ 480, neste ano. Isso explica o recorde. O café gerou receita de US$ 589
milhões em janeiro, um crescimento de mais de 50%, se comparado com as exportações do ano passado.
RURAL – A alta do dólar influenciou essa conta?
PAULINO – A alta do dólar pesou positivamente nesse caso. Mas, por incrível que pareça, o dólar alto pode prejudicar o produtor, porque às vezes as cotações do café não acompanham o mesmo ritmo de sua valorização. Com isso, os insumos ficam mais caros. Os defensivos e fertilizantes são importados e representam de 35% a 40% do valor de cada saca de café.
RURAL – A partir de agora, o que podemos esperar?
PAULINO – O Brasil nunca exportou tanto café como agora. Foram 36,3 milhões de sacas, em 2014. As previsões dizem que as exportações vão cair um pouco, em 2015, para cerca de 33 milhões de sacas. O café é uma commodity muito instável, o preço sobe num dia, depois cai no outro. Não gosto de dar chutes sobre o que vai acontecer.
RURAL – Num cenário incerto como esse, a Cooxupé não parou de investir?
PAULINO – Sim, não podemos parar de investir em maquinário e tecnologia. Nossa antiga torrefadora estava ultrapassada e a demanda é maior do que sua capacidade. Por isso, decidimos investir R$ 18 milhões em uma nova torrefadora, que será inaugurada em abril. É uma unidade totalmente mecanizada, bem mais moderna e sustentável. Construímos um estacionamento coberto com painéis solares, para gerar energia que vai abastecer a torrefadora, por exemplo. Com a nova unidade, a capacidade de torrefação vai aumentar, de 300 mil quilos para 500 mil quilos por mês.
RURAL – A Cooxupé também investiu R$ 5 milhões na fabricação de óleo de café. Por quê?
PAULINO – Em 2009, firmamos um convênio com a Unicamp e com a UNESP Jaboticabal para desenvolver pesquisas sobre o óleo de café verde. Naquela época, o preço do café estava muito baixo e nós estávamos buscando alternativas para agregar valor ao produto. O óleo do café é uma ótima matéria-prima para cosméticos, mas poucos fabricantes utilizam. Como é um produto novo, a entrada no mercado é lenta. A produção da Cooxupé ainda é pequena. Estamos engatinhando nesse negócio.
RURAL – Como funciona o negócio?
PAULINO – Por enquanto, fornecemos a matéria- prima apenas para a empresa Cia Cosmética. Uma saca de café produz cerca de cinco quilos de óleo, cada quilo sai por US$ 100. O preço é bom, mas o lucro não é alto porque o processo industrial é bem complicado e a taxação é elevada. Estamos desenvolvendo pesquisas sobre a torta, que é um subproduto sem valor financeiro. A torta também pode se tornar matéria-prima para cosméticos. Se isso acontecer, a rentabilidade será melhor.
RURAL – Os cafés especiais não são um caminho mais fácil para ganhar dinheiro?
PAULINO – O Brasil tem 300 mil produtores de café e cada um deles vai dizer que o café dele é especial. Mas não é bem assim. Quem julga a qualidade é o consumidor. Os cafés especiais são um nicho de mercado. O Brasil exporta de duas a três milhões de sacas de café especial por ano. A Cooxupé opera uma empresa exportadora de cafés especiais, a SMC, que vendeu 103 mil sacas de cafés top de linha no ano passado. A estimativa é exportar 105 mil sacas neste ano.
RURAL – E quais são as perspectivas para os embarques totais da Cooxupé?
PAULINO – Em 2014, a Cooxupé exportou 3,2 milhões de sacas, que significou um crescimento de 19% em relação a 2013. Em 2015, a meta é exportar 3,6 milhões de sacas.