A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, defendeu na manhã desta sexta-feira, 10, que a Corte máxima declare inconstitucional trecho do nova Estatuto da Advocacia que permitiu que policiais e militares da ativa, possam advogar em causa própria. A magistrada destacou que a ‘incompatibilidade’ entre o exercício da advocacia e as funções exercidas por policiais e militares ‘visa impedir abusos, tráfico de influência, e práticas que coloquem em risco a independência e a liberdade’ da profissão.

“A advocacia simultânea, mesmo em causa própria, exercida por policiais e militares põe em risco a boa administração da justiça, privilegiando estes servidores relativamente aos demais advogados. Compromete-se, ainda, pelo modelo legal assim adotado o bom e regular funcionamento das instituições de segurança pública e o exercício das funções inerentes aos policiais e militares”, ponderou.

A ministra é relatora de ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil contra dispositivos de lei sancionada em junho do ano passado, instituindo o novo Estatuto da Advocacia. Os ministros do STF analisam o caso em julgamento no plenário virtual, com previsão para terminar na próxima sexta-feira, 17.

Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia destacou que a ‘incompatibilidade’ do exercício da advocacia e das funções exercidas por policiais e militares na ativa tem ‘previsão legal há décadas’. Ainda segundo a ministra, o próprio STF já assentou que não existe ofensa à Constituição na restrição ao exercício da advocacia pelos agentes da segurança pública, mesmo em causa própria.

A magistrada explicou que tal limitação visa ‘resguardar a liberdade e a independência da atuação do advogado, afastando a subordinação hierárquica ou o exercício de atividades de Estado que exijam a imparcialidade em favor do interesse público na aplicação da lei’. Segundo Cármen, o advogado não pode atuar ‘sem independência e com sujeição a poderes hierárquicos próprios às atividades e regulamentos militares, e mesmo aos poderes hierárquicos decorrentes da atividade policial civil’.

A ministra chegou a ponderar sobre as atividades de policiais e militares, ressaltando que as ações dos primeiros visam ‘a preservação da ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, orientados pela busca imparcial da verdade dos fatos’. Já o militar da ativa ‘tem como funções essenciais a manutenção da ordem, da segurança e da soberania do país, subordinado à estrutura hierarquizada e à disciplina na realização de tarefas submetidas a ordens de comando’.

“Não há possibilidade de se conciliarem essas atividades com o exercício da advocacia, ainda que na atuação em causa própria, sem que ocorram conflitos de interesses e derrogação de regimes jurídicos pertinentes a cada carreira em particular”, ressaltou a ministra.

Cármen Lúcia ainda destacou que as restrições visam barrar eventuais conflitos de interesse, mantendo o direito à liberdade de profissão uma vez que apenas impede o exercício concomitante de duas profissões, ‘assegurada a liberdade de escolha entre elas’.

De acordo com a ministra, a ‘incompatibilidade’ garante o ‘adequado funcionamento das polícias e das Forças Armadas, em atendimento também à eficiência administrativa e supremacia do interesse público na manutenção da ordem, segurança e paz social’.

“Ao se permitir o desempenho da advocacia, mesmo em causa própria, por profissionais incumbidos das nobres funções estatais relacionadas à conservação da segurança pública e da paz social e que executam tarefas que os colocam, de forma direta ou indireta, próximos de litígios jurídicos, pelas normas questionadas abre-se flanco a propiciar influência indevida e privilégios de acesso a autos de inquéritos e processos, entre outras vantagens que desequilibram a relação processual”, frisou a relatora.