Da entrada de um contencioso do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) até as sanções aplicadas aos Estados Unidos, que se recusam a eliminar os subsídios para o algodão que seus agricultores produzem, se passaram longos anos de negociações. Elas começaram em 2002 e terminaram em 2009, ano em que o Brasil ganhou a causa e o poder para aplicar contramedidas no valor de US$ 829 milhões àquele país. Até então, no quase meio século de existência da OMC, nunca uma política agrícola protecionista de um país desenvolvido havia sido condenada.

Depois do algodão, o Brasil foi novamente à OMC em contenciosos sobre o açúcar, o suco de laranja e, mais recentemente, o etanol. Agora, parece que chegou a vez da carne bovina.

Até o final de 2011, o governo brasileiro deve requerer a abertura de um painel na OMC para discutir a causa de barreiras impostas pela União Europeia ao produto. “Estamos tentando uma última e derradeira negociação fora do âmbito da OMC, que envolve a comissão europeia, o Ministério da Agricultura e o Itamaraty”, diz Antonio Jorge Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). A entidade quer colocar nos painéis de negociação da OMC duas questões relacionadas ao comércio de carne in natura: a lista Trace e a cota Hilton.

Camardelli: “Queremos que a autoridade de determinar quem pode exportar seja do Mapa”

A lista Trace foi criada em 2008 para determinar quais fazendas no Brasil podem vender bovinos que serão abatidos e depois exportados para os mercados europeus. A lista foi criada porque os técnicos da União Europeia passaram a desconfiar que o Ministério da Agricultura não estava monitorando a rastreabilidade animal, conforme as regras estabelecidas entre as partes. Há três anos, os técnicos europeus informam às autoridades sanitárias brasileiras, através de auditorias locais, quais fazendas podem e quais não podem exportar carne para a Europa. Segundo a Abiec, no início, para os europeus habilitarem uma fazenda o processo demorava uma semana, prazo que hoje pode chegar a três meses.

“O tempo longo é pura má vontade por parte dos europeus”, diz Fernando Sampaio, diretor-executivo da Abiec. Segundo ele, não há mais justificativa técnica em manter a lista que, atualmente, é de pouco mais de 2.300 fazendas aptas à exportação. “Queremos que a autoridade de determinar quem pode ou não pode exportar seja do Ministério da Agricultura”, diz Camardelli. Por causa da pequena quantidade de fazendas especializadas na criação do chamado boi Europa, o Brasil deixou de vender cerca de US$ 3 bilhões para os países desse bloco nos últimos quatro anos. “Em 2007, antes da instituição da lista Traces, o Brasil faturou US$ 1,1 bilhão com a venda de carne para a Europa.”

Em relação à cota Hilton, a história é mais antiga. O sistema foi criado para apoiar exportadores de países de fora da Europa depois que os países do continente adotaram subsídios agrícolas, em 1979. A cota Hilton é fixa e composta por 34 mil toneladas para todo o mundo e somente têm acesso a ela os países credenciados. “Mas esse volume pode aumentar de um ano para outro, a depender da demanda”, diz Camardelli.

De maio de 2010 a junho de 2011, o Brasil vendeu perto de 400 toneladas de carne pela cota Hilton, volume correspondente a 4% do oficial permitido pela comissão europeia ao Brasil. Segundo a Abiec, os frigoríficos do País têm permissão para exportar até dez mil toneladas por ano, dentro da cota. Segundo Camardelli, o Brasil deixou de cumprir quase toda a cota Hilton a partir de 2009 porque as exigências recrudesceram.

Demandas na OMC

fim da lista Trace

princípio de equivalência para regras na Cota Hilton

Perdas nas exportações

acima de US$ 3 bilhões para carne comum à Europa

cerca de US$ 110 milhões em cortes especiais na cota Hilton

Atualmente, pode embarcar para o continente europeu apenas carne de bovinos criados exclusivamente a pasto e rastreados a partir da desmama, próximos dos dez meses de idade. “São poucas as fazendas aptas a rastrear a vida do animal e não vamos sair desse quadro facilmente”, diz Sampaio. Segundo ele, as regras aplicadas ao Brasil não são as mesmas que a União Europeia cobra de outros países.

Aos americanos, por exemplo, é permitido que enviem para a Europa carne de animais rastreados por apenas 100 dias e criados totalmente em confinamento. Para a Austrália as regras são mais flexíveis: não há menção à dieta dos animais ou se são criados a pasto ou confinados. “O que vamos argumentar na OMC é que para a mesma cota não pode haver tratamentos diferentes”, diz Sampaio. Segundo Camardelli, a falta de equivalência em relação ao que a Europa exige de outros países fez com que o Brasil perdesse cerca de US$ 110 milhões em exportações nos últimos quatro anos. “Estamos nos armando para desmontar, um a um, os argumentos de forma técnica, que é a linguagem da OMC”, diz Camardelli.