As relações estressadas entre a indústria frigorífica e os pecuaristas podem se tornar mais amenas, se depender de James Cruden, CEO da Marfrig Beef, braço de negócios do Marfrig, criado no ano passado para reunir as operações na área bovina, ovina e de couros nos três países em que o grupo atua no Mercosul – Brasil, Argentina e Uruguai. Em junho, durante a Feira Internacional da Cadeia Produtiva da Carne (veja a pág. 64), em São Paulo, Cruden anunciou duas ações para atrair mais produtores de bovinos para os seus programas de fidelidade. A Marfrig Beef certificou as operações do frigorífico de Tangará da Serra, em Mato Grosso, para receber o selo Rainforest Alliance Certified (RAC), e criou mais uma marca de carne, a Seara Hereford, em parceria com a associação nacional de criadores da raça. “Queremos pecuaristas que nos forneçam produtos de qualidade para compor nosso mix de carnes especiais”, diz Cruden.

As carnes especiais, entre elas a Bassi, a Seara Angus e a Nelore Natural são as marcas mais conhecidas do Marfrig pelos consumidores. Elas ainda representam, porém, muito pouco em relação à quantidade de bois abatidos pela empresa no País. “Hoje, cerca de 5% dos nossos abates são destinados a carnes especiais”, diz Cruden. Ainda é muito pouco, mas já foi bem menos. Há cinco anos era de apenas 0,5%. Atualmente, a capacidade de abate diário do grupo no País é de 13,5 mil bovinos. No ano passado, incluindo toda a operação da unidade no Mercosul, a receita foi de R$ 7,65 bilhões para 1,3 milhão de toneladas de alimentos à base de proteína animal. “Com um controle mais fino da produção, rastreando os bovinos desde a desmama, podemos vender mais carne em casas especializadas e também destinar parte dela à Cota Hilton”, diz Cruden. Dessa cota mundial de 65,25 mil toneladas de cortes especiais, determinada por importadores europeus que pagam mais pelo produto, o Brasil possui uma pequena parcela de apenas dez mil toneladas por ano. Mesmo assim, a indústria frigorífica não consegue cumprir a meta por falta de produto rastreado, uma exigência desse mercado.

Com o selo RAC, esse cenário poderia mudar. O selo concedido no Brasil pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal (Imaflora), com sede em Piracicaba (SP), comprova as boas práticas de manejo dos animais, além de monitorar a fauna e a flora das fazendas. O Rainforest, uma organização não governamental, foi criada há 25 anos e é uma das pioneiras na elaboração de protocolos de proteção florestal. Na indústria alimentícia, a certificação recebida pela Marfrig Beef, válida apenas para o frigorífico de Tangará da Serra, é a primeira no mundo a ser outorgada a uma unidade de proteína animal.

Para receber o selo e colocar no mercado um produto diferenciado, o frigorífico somente pode abater bovinos de fazendas que também tenham a certificação RAC. São 136 pontos observados pelos auditores, que vão do cumprimento de todas as exigências legais, até o bem-estar de animais e da mão de obra. Por exemplo, a automação dos currais conta ponto. Nas fazendas que já usam o sistema é possível empregar mulheres nesse setor, uma medida impensável até pouco tempo atrás.

James Cruden  – “Queremos pecuaristas que nos forneçam produtos de qualidade para completar o mix de carnes especiais”

O início dos abates certificados no Marfrig, na atual safra de bois, está se viabilizando porque, em abril deste ano, as fazendas JD, de Tangará da Serra e Juara, em Mato Grosso, também foram certificadas pelo Imaflora, como informou a revista DINHEIRO RURAL em sua edição do mês de maio. As fazendas JD, que pertencem aos herdeiros do empresário francês Jacques Defforey, um dos fundadores do Grupo Carrefour, fazem ciclo completo na pecuária. O abate médio é de 35 mil animais por ano. Arnaldo Eijsink, presidente do grupo JD, diz que para a fazenda receber o selo RAC foram feitas apenas adaptações, pois elas já têm a flora e fauna monitoradas há mais de uma década. “Também aproveitamos nossa experiência com frutas certificadas em fazendas no vale do rio São Francisco, no Nordeste, de onde já exportamos para a Europa.” Cruden garante que a carne e o couro dos bovinos produzidos na fazenda JD também já estão vendidos. “Há clientes para essa carne em países como Inglaterra, França, Alemanha e Holanda. Nesses mercados, competimos com produtos argentinos e uruguaios, de muito mais tradição”, diz Cruden. “Mas, com produto de qualidade é mais fácil quebrar barreiras.”

No caso da carne de animais da raça hereford, o outro projeto apresentado pelo Marfrig Beef na Feicorte, a intenção é ganhar mercado além do Rio Grande do Sul. A marca Raças Britânicas, na qual o frigorífico utiliza animais da raça hereford, já existe há alguns anos. Somente para essa grife, a unidade de Bagé abateu no ano passado 3,1 mil animais por mês, de um total anual de 118 mil animais classificados para participar desse selo. “Agora, como teremos um selo só para a carne da hereford, o volume de animais destinados ao abate tende a aumentar”, diz Fernando Lopa, presidente da Associação Nacional de Criadores da raça (ABHB). De janeiro a março, segundo a entidade, os produtores de bovinos da raça já aumentaram a oferta em 40%. Além do Marfrig, os pecuaristas também têm fornecido animais da raça hereford para o frigorífico Silva, em Santa Maria (RS), cerca de mil bovinos por mês.

Para incentivar a participação dos produtores no programa de carne hereford, mais macia que a do boi comum e com mais gordura entre as fibras, o chamado marmoreio, os frigoríficos estão pagando prêmios que podem chegar a 10% sobre o preço da arroba de boi gordo. “Esperamos que os confinadores de gado se entusiasmem com a ideia de engordar animais que tenham sangue dessa raça britânica”, diz Cruden. Segundo ele, essa carne mais nobre costuma ser disputada por churrascarias e supermercados que trabalham com produtos premium.