A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, por unanimidade, nesta quarta-feira (10), o Projeto de Lei (PL) Antifacção, que endurece penas para membros de facções ou milícias, limita progressão de penas e cria imposto sobre bets para financiar a segurança pública no Brasil.

O texto agora segue para o plenário com pedido de urgência, podendo ser votado ainda hoje. Se aprovado no plenário, o texto volta para nova análise da Câmara dos Deputados.

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O relator do PL 5.582 de 2025, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), estima que o novo tributo, o Cide-Bet, deve recolher R$ 30 bilhões por ano para o combate ao crime e defendeu que o texto representa “o mais duro golpe” contra o crime organizado no Brasil.

“Ao mesmo tempo em que endurece penas, endurece processo, endurece cumprimento de penas, cria novas ferramentas, reforça ferramentas de investigação e processo, cria fonte de recurso para as atividades, para investimento público necessário para o combate ao crime”, afirmou Vieira.

Ao contrário do que ocorreu na Câmara, o parecer do relator Alessandro Vieira teve, no Senado, apoio de governistas e da oposição. Na Câmara, o relatório do deputado e secretário de Segurança de São Paulo (SP), Guilherme Derrite (PP-SP), foi duramente criticado pelo governo e por especialistas.

Originalmente, o PL Antifacção foi enviado pelo Executivo para o Parlamento após repercussão da operação policial no Rio de Janeiro que causou a morte de 122 pessoas, sendo cinco policiais.

No parecer apresentado nesta quarta-feira, o relator Alessandro Vieira acolheu parcialmente mais 49 emendas, além das outras que já havia incluído, total ou parcialmente, no texto apresentado na semana passada.

Partilha dos recursos

O projeto prevê que 60% dos recursos da Cide-Bets sejam destinados para estados e o Distrito Federal. “Inclusive por transferência fundo a fundo, desde que os valores sejam mantidos em subconta específica dos fundos estaduais de segurança pública, carimbados exclusivamente para ações de combate ao crime organizado e de expansão e qualificação do sistema prisional, vedado seu desvio para outras finalidades”, afirmou Vieira.

O relator do projeto, por outro lado, rejeitou emenda que pedia que 10% dos recursos do Cide-bet fossem destinados à Polícia Federal (PF), argumentando que a medida provocaria uma briga entre instituições pelo recurso.

“Na regra sugerida, aprovada pela Câmara dos Deputados, você teria uma verdadeira luta pelas operações. Se a operação é da Polícia Civil, o recurso fica com a Civil; se for da Federal, fica com a Federal. Isso vai inibir a cooperação entre as forças. O recurso público, como diz a própria expressão, é público, não é da polícia ou do policial que faz a operação”, explicou.

Ainda segundo Vieira, os R$ 30 bilhões de dinheiro novo previsto no projeto garantem que “não tenhamos mais problema de financiamento na segurança pública”.

Comitê Gestor do Fundo da Segurança Pública

O relator incluiu, no parecer apresentado nesta quarta-feira, a previsão de membros do Ministério Público participarem do Comitê Gestor do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), que deve gerir os recursos oriundos da Cide-Bet e de outras fontes.

“Em decorrência dessa inclusão do Ministério Público, fazemos também a inclusão de dois representantes do Judiciário, observando também a representatividade estadual e federal. Assim, o Conselho Gestor passa a ter uma proposição que representa de fato um pacto federativo com governadores, União, Ministério Público e Judiciário”, disse Vieira.

Atualmente, o Comitê Gestor do FNSP é composto por sete integrantes indicados pela União e dois indicados pelos estados. Pela proposta do relator, a composição do Fundo será paritária entre União e estados.

Penas mais duras de até 120 anos

A pena para integrante de facção, previsto no relatório de Alessandro Vieira, vai de 15 a 30 anos de reclusão. No texto da Câmara, as penas podiam chegar a 40 anos.

Segundo o relator, a mudança não traz prejuízos a penas mais duras, pois, ao se somarem várias tipificações penais, pode se chegar a até 120 anos de prisão. O projeto ainda determina o cumprimento de até 85% das penas em regime fechado no caso das lideranças.

“O que fazemos no substitutivo é dar uma noção de proporcionalidade. Aumentamos a pena da organização criminosa comum, criamos essa organização criminosa qualificada, que é a facção criminosa ou milícia”, justificou.

Debate

Todos os senadores que se manifestaram na sessão da CCJ elogiaram o relatório de Alessandro Vieira. Senadores governistas criticaram o texto anterior elaborado na Câmara.

O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), destacou que o Brasil só avança no combate à corrupção quando o governo tem real compromisso de combater o crime organizado.

“É o governo do PT, do presidente Lula, que manda o projeto Antifacção para o Congresso Nacional; é o governo do PT, do presidente Lula, que manda a PEC da Segurança. Os outros falam de muitas ações, que querem botar bandido na cadeia, mas só quando o bandido é da periferia, porque o bandido que tenta dar golpe neste país tem o apoio de parte da política para poder passar a mão na cabeça, para poder garantir anistia”, afirmou Carvalho.

Por sua vez, o senador Sergio Moro (União-PR) defendeu o trabalho do relator Derrite na Câmara dos Deputados, mas reconheceu que o parecer do Alessandro Vieira trouxe melhorias. “Ambos fizeram projetos de lei, com as redações aqui que são próprias, diferentes, do processo legislativo, mas com o objetivo de fazer face a um dos grandes desafios do nosso tempo, que é a escalada do crime organizado”, ponderou.

Mudanças no texto da Câmara

O substitutivo do senador Alessandro Vieira rejeitou a criação de uma lei autônoma chamada de “organizações criminosas ultraviolentas” prevista no texto que veio da Câmara.

A inovação foi alvo de críticas do governo federal e de especialistas que previam que essa nova classificação poderia dificultar o enquadramento das facções por conter conceitos genéricos.

Pelo novo parecer, o crime específico de facção criminosa fica previsto da Lei de Organizações Criminosas, classificando a facção ou milícia como grupo que atua com controle territorial por meio da violência, coação e ameaça.

“Reformulamos o dispositivo de favorecimento do crime de facção, aproveitando a redação da Câmara, mas restringindo os tipos a fim de eliminar controvérsias interpretativas”, justificou o relator no Senado.

Milícias privadas equiparadas a facções

O substitutivo do Senado também incluiu dispositivo expresso que equipara a milícia privada à facção criminosa. “A milícia privada também será considerada organização criminosa para todos os fins legais”, escreveu o relator.

Ao mesmo tempo, o relatório aumentou penas para crimes de homicídio, lesão, roubo, ameaça, extorsão e estelionato “quando praticados por integrantes de facções criminosas ou milícias privadas”.

Tribunal do júri

O relatório apresentado no Senado ainda manteve a previsão de julgamento por meio de tribunal do júri nos casos de crimes contra a vida praticado por membro de facção. O texto da Câmara afastou a competência do tribunal do júri, alegando que os jurados estariam mais sujeitos à pressão dessas organizações.

Alessandro Vieira, por outro lado, defendeu que o julgamento de crimes contra a vida por tribunais do júri é uma determinação constitucional, não podendo ser alterada por projeto de lei.

Em contrapartida, inseriu novos mecanismos para proteção dos “jurados na hipótese de julgamento de crimes praticados por integrantes de milícias e facções”.

Vieira também excluiu trechos do projeto aprovado na Câmara que proíbem o uso do auxílio-reclusão e restringem o direito ao voto de membros de facções ou milícias, “considerando seu status constitucional, insuscetível de alteração por lei ordinária”.