O presidente Jair Bolsonaro (PL) entregou mais da metade das superintendências da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para o controle do Centrão. Com um orçamento de R$ 2,9 bilhões, o órgão vinculado ao Ministério da Saúde foi loteado em 17 Estados e em Brasília. Familiar de político, coach, especialista em “análise sensorial de cachaça” e dono de restaurante self-service assumiram cargos de comando por indicação de aliados de Bolsonaro no Congresso.

A missão da Funasa é levar saneamento básico e água de qualidade aos brasileiros. Nas mãos do Centrão, o órgão se tornou um duto de escoamento do dinheiro do orçamento secreto. Deputados enviaram mais de R$ 635 milhões para a fundação desde 2020 e indicaram como os recursos públicos deveriam ser usados sem transparência ou critério técnico, em um movimento sem precedentes. Como revelou o Estadão, poços de água no Nordeste foram construídos sem bombas para saída de água.

O núcleo duro do Centrão é formado por PL, Progressistas e Republicanos. O grupo tem ainda a companhia do PSD que, em troca de cargos, vota a favor das pautas de Bolsonaro no Congresso. Em 2021, o partido de Gilberto Kassab ajudou o governo em 86% das votações. A sigla fez as principais indicações na Funasa.

PARENTE. O deputado Diego Andrade (PSD-MG) indicou seu concunhado, o advogado Miguel Marques, para comandar a fundação. Nas redes sociais, eles exibem uma relação de proximidade. Em dezembro passado, Marques publicou uma foto ao lado do deputado e das mulheres de ambos, que são irmãs, com a legenda: “vale night com meus parceiros”. No currículo, o chefe da Funasa informa como experiência “confecção de projetos de lei através de prestação de serviços” para o congressista.

Desde 2020, o deputado indica o presidente da Funasa. Antes do concunhado ele emplacou na vaga o coronel da Polícia Militar Giovanne Gomes da Silva. Quando deixou a fundação, o oficial da PM mineira enviou e-mail de despedida com agradecimento expresso ao parlamentar. “Registro ainda um agradecimento especial ao presidente da República Jair Bolsonaro e à bancada do PSD, na pessoa do deputado federal Diego Andrade, a oportunidade e confiança a mim depositada”, escreveu.

A influência do deputado é tanta que ele também indicou o chefe de gabinete do presidente da Funasa e fez dele o substituto do executivo durante as férias do titular. Antes de assumir a vaga no órgão, Paulo Roberto Martinho de Souza foi assessor do parlamentar na Câmara. Procurado, Andrade não ligou de volta para a reportagem.

DIRETORIAS. Uma das diretorias mais importantes da Funasa foi entregue ao PL – sigla pela qual Bolsonaro tenta se reeleger. O Departamento de Saúde Ambiental (Desam) é chefiado pela advogada Deborah Silva Figueiredo Roberto, mulher do deputado Wellington Roberto (PL-PB). No currículo ela informa ser coach em excelência motivacional e analista comportamental, além de um MBA em Relações Humanas e Psicologia Positiva.

As áreas não têm nenhuma relação com seu departamento, responsável por tratar de programas voltados ao controle de qualidade da água, ações de educação e proteção para a saúde ambiental e desenvolvimento do saneamento.

Outro setor importante na Funasa que está loteado pelo Centrão é o Departamento de Engenharia de Saúde Pública (Densp), responsável por licitações milionárias. Comandado pelo PSD desde maio de 2021, o Densp é chefiado por Marlos Costa, apadrinhado pelo deputado Domingos Neto (PSD-CE). O diretor foi assessor do pai do parlamentar durante mandato na Assembleia Legislativa do Ceará.

Como mostrou o Estadão, o departamento chefiado por Costa fez uma licitação com indícios de sobrepreço de R$ 131 milhões para poços de água no Nordeste. Segundo a Controladoria-Geral da União (GCU), a Funasa teria colocado estimativas muito acima do preço do mercado para equipamentos como tubos e bombas. A empresa que arrematou a maior parte dos serviços licitados tem como sócio o presidente do PSD em Quixeramobim (CE) e prefeito em exercício da cidade, Edmilson Júnior.

CACHAÇA. No Espírito Santo, o deputado Neucimar Fraga (Progressistas-ES) indicou para comandar a superintendência da Funasa o dono de um restaurante self-service. Em seu currículo no site da Funasa, Ayrton Silveira diz ser “especializado em análise sensorial de cachaça e boas práticas na fabricação da bebida”.

Ao Estadão, o parlamentar exaltou a formação do seu apadrinhado em Administração de Empresas. “A Funasa, o grande problema dela aqui era gestão. Ele tem feito um bom trabalho, tem organizado a Funasa aqui, tem destravado alguns projetos que estavam parados há muitos anos no Estado do Espírito Santo, obras paradas”, defendeu.

Filiado ao PSD do Maranhão e membro de um conhecido clã político, Augusto Ferreira é superintendente da fundação no Estado desde maio de 2021. Diferentemente de outros chefes regionais da Funasa, o currículo de Ferreira não está disponível na página oficial do órgão. Advogado, tem empresas no ramo agropecuário.

Procurada, a Funasa informou que “as nomeações que realiza estão em conformidade com decretos e legislações que disciplinam o tema”.

CARGOS. Bolsonaro foi eleito em 2018 com a promessa de não lotear cargos públicos com o Centrão. Naquele ano, durante convenção do PSL – então partido do presidente -, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, chegou a comparar os políticos do grupo com ladrões. “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”, cantou o general, parafraseando uma música de Bezerra de Silva.

A promessa do presidente foi descumprida já no segundo ano do seu mandato. Atualmente, o Centrão controla um orçamento de R$ 54,5 bilhões de quatro órgãos estatais. O grupo apadrinhou cargos na Funasa, no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs) e na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

No mês passado, o presidente se irritou e partiu para cima de um homem que o chamou de “tchutchuca do Centrão”. Seu principal opositor na campanha presidencial, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também tem explorado a contradição e disse que Bolsonaro virou um “bobo da corte” ao criar o orçamento secreto, mecanismo revelado pelo Estadão que entregou ao bloco o controle do dinheiro público. Bolsonaro responde que sempre foi do Centrão e precisou do grupo para governar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.