06/03/2023 - 19:34
Empresas agropecuárias brasileiras que tenham países da União Europeia como destino de suas mercadorias começam 2023 com a notícia de que as regras do jogo são oficialmente outras. Em meados de dezembro o Parlamento Europeu aprovou a lei antidesmatamento que impede a entrada na região de commodities produzidas em áreas desmatadas, degradadas e fruto de trabalho que violem os direitos humanos e dos povos indígenas. A decisão e seus desdobramentos estão sendo acompanhados de perto pelo setor e pela entidade que o representa, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “A posição da União Europeia nos preocupa na medida em que ela vai além do necessário”, afirmou Suemi Mori, diretora de Relações Internacionais da entidade.
Nas entrelinhas da fala da diretora da CNA, dois lados da mesma moeda. Em um, a informação de que o setor sabe e está comprometido — em grande parte — com a urgente necessidade de aliar a produção de alimentos com a preservação da natureza. Prova inexorável é que foi a inteligência brasileira a criadora de técnicas agrícolas de baixo carbono reconhecidas internacionalmente como a Integração Lavoura-Pasto-Floresta (ILPF), a agrofloresta e o plantio direto. Mesmo órgãos internacionais como o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) defendem a sustentabilidade da produção das commodities brasileiras, como disse à RURAL Alexander Rose, gerente sênior de Meio Ambiente, e também da Plataforma de Ação pelo Agro Sustentável da entidade. “O agro brasileiro é muito bem preparado tecnicamente com formas de cultivo e decisões ancoradas na ciência.”
Do outro lado da moeda lançada por Suemi, há uma preocupação com a falta de detalhes práticos do alcance da lei. Isso porque, entre outros pontos do texto, há a informação de que a regra valerá para toda a cadeia. Mas uma coisa é falar em uma cadeia da agricultura na Holanda, Suécia e até mesmo França. No Brasil a realidade é outra. De acordo com o último censo agropecuário realizado pelo IBGE, em 2019, o Brasil tem mais de 5 milhões de estabelecimentos agropecuários, que ocupam 351,3 milhões de hectares, ou cerca de 41% da área total do País.
Madeira, café, cacau, palma, boi e borracha na mira do Green Deal
Verdade seja dita, dentro do conceito ESG (ambiental, social e governança), das novas diretrizes europeias ou mesmo das leis brasileiras, grandes empresas são sim corresponsáveis pelas práticas de seus fornecedores. Vide exemplo dos diversos casos de trabalho escravo que ainda existem e que, vez ou outra, atingem grandes marcas. Mas o que se espera dessas novas políticas do Bloco Europeu é que forneçam aos seus parceiros comerciais, Brasil inclusive, mais detalhes sobre as novas normas e uma certa adaptação à realidade local.
IMPACTO De certo mesmo, há a definição das culturas para as quais a devida diligência ambiental e a de direitos humanos passam a valer desde o início. São elas: borracha, cacau, café, carne bovina, madeira, óleo de palma, soja, e alguns produtos derivados como chocolate, couro e móveis. Agora, compare a lista com o ranking das commodities agrícolas mais exportadas pelo Brasil: complexo soja (53,5% das exportações); produtos florestais (14,4%); carnes (8,3%); complexo sucroalcooleiro (7,0%) e café (3,9%). Ou seja, somente os derivados de cana-da-açúcar ficaram de fora do Green Deal (Acordo Verde, em tradução livre), que é como a política foi batizada.
Para se chegar ao potencial risco que a decisão traz para o País é preciso recorrer à matemática. No ano passado, as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 159,09 bilhões, sendo que as commodities-alvo da lei antidesmatamento representaram 80% dos embarques. Desse bolo, a União Europeia ficou com 20% das exportações dos produtos florestais; 14,2% do complexo soja; 7,8%, do café; e 5,1%, de carnes. Os dados são do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). O volume de cacau é marginal, mas o estrago geral pode ser considerável.
CONTRAPONTO Se na teoria a matemática é de uma exatidão inquestionável, na prática não é bem assim. E o que parece um problema, pode se transformar em oportunidade para o Brasil. Um dos motivos é o nível de maturidade do País em práticas sustentáveis. Por isso, segundo Alexander Rose, do Pacto Global da ONU no Brasil, os impactos nas exportações devem ser marginais. “O agronegócio brasileiro tem todas as competências para atender as demandas da lei, que há bem da verdade não traz nenhuma grande novidade”. É isso que explica o fato de muitas exportadoras já estarem adequadas às demandas como a necessidade de rastreamento de produtos desde sua origem. As demais, afirmou Rose, tendem a se adaptar porque no final, também ganharão. “Ao cumprir as novas normas, o produtor ficará mais produtivo”.
É esse o agronegócio que o presidente da CNA, João Martins, se dedica a mostrar para a Europa. “Intensificamos o intercâmbio de informações com autoridades europeias para mostrar que o nosso agro é sustentável”, afirmou. Além de reuniões bilaterais, seja no Brasil ou na Europa, a entidade também reativou em 2022 o programa de Intercâmbio AgroBrazil, interrompido por dois anos devido à pandemia. Nele, diplomatas de diversos países, europeus ou não, vão a campo para uma imersão em propriedades, cooperativas, entidades de pesquisa, como a Embrapa. Voltam com conhecimento do campo real.
Ao fazer o dever de casa dentro da porteira, ao contar com a ajuda de entidades para mostrar as boas práticas sustentáveis já implementadas e quiçá do governo para punir quem comete ilegalidades, o produtor brasileiro poderá reverter a ameaça do Green Deal e torná-lo uma oportunidade para aumentar o share dos países europeus na balança comercial.