Mais de 2 mil rótulos de cerveja foram registrados no Brasil em 2023, de acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Há 45.648 rótulos no país, sendo que o aumento entre 2022 e 2023 foi de 6,6%, que significou 2.817 registros a mais solicitados em um ano.

Na esteira desse crescimento, a produção de lúpulo no país também vem subindo vertiginosamente com o passar dos anos.

Segundo dados do Mapa do Lúpulo Brasileiro, pesquisa anual realizada pela Associação Brasileiros de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), o volume de produção no Brasil chegou a 88 toneladas em 2023, 203% a mais do que o registrado no ano anterior. A área cultivada cresceu 133%, alcançando 111,8 hectares. Ao todo, são 114 produtores no país, espalhados por 13 estados e 99 municípios. Em 2015 havia somente 1 produtor de lúpulo no Brasil

Tudo isso vem sendo impulsionado pelo crescimento de novas cervejarias no país. Em 2023 foram 118, de acordo com o Anuário da Cerveja, realizado pelo Mapa. Em um ano o número de novas cervejarias subiu de 1.729 para 1.847.

“A industrialização em padrão internacional em altos volumes vai permitir o avanço em um mercado praticamente inexplorado hoje, que é o das médias e grandes cervejarias. Com isso, a demanda para os produtores saltaria para um patamar muito superior ao atual. Já há algumas iniciativas nessa direção e acredito que nos próximos anos o crescimento da escala será muito significativo”, explicou o vice-presidente da Aprolúpulo Daniel Leal.

Apesar da qualidade do produto nacional ser comparável aos importados, a produção brasileira não supera 1% da demanda da indústria.

O presidente da Associação Brasileira da Cerveja Artesanal (Abracerva) e proprietário da Cervejaria Tarantino, Gilberto Tarantino, reforça que os principais gargalos da produção nacional são o volume e a disponibilidade do produto para as grandes indústrias.

“As cervejarias não vão deixar de comprar lúpulo importado para apostar no brasileiro, com possibilidade de ter ruptura, de faltar. As propriedades com maior área de plantio hoje em dia são de cinco hectares. Não tem ninguém com 10 hectares. Na Argentina, nosso país vizinho, tem duas propriedades grandes com quase mil hectares cada uma, já com um volume bem industrial”, ponderou.

Produtor trocou 500 pés de laranja por lúpulo em SP

Murilo quer criar cooperativa de criadores de lúpulo em Aguaí (SP) Foto: Pé de Galo Hops

Murilo Ricci começou a plantar lúpulo por acaso. Decidido a morar no interior de São Paulo no início da pandemia de Covid-19, em 2020, o engenheiro recebeu de um amigo a ideia de plantar lúpulo. Derrubou 500 pés de laranja, cuja produção foi prejudicada por conta do greening, e plantou 2500 pés de lúpulo. Hoje ele planta lúpulo em um hectare da propriedade da família, na cidade de Aguaí.

“A principal dificuldade foi preparar o campo. Como ela é uma planta trepadeira que precisa crescer enrolada, precisa ter postes e cabos de aço para ela crescer. Além disso, é preciso ter lâmpadas, pois como os dias aqui no Brasil são mais curtos do que no hemisfério norte, é preciso investir em uma iluminação artificial porque sem luz a planta cresce muito pouco. Então a gente faz essa suplementação luminosa para que a planta cresça sem o florescimento”, explicou o criador da Pé de Galo Hops.

O próximo passo de Ricci é tirar do papel a primeira cooperativa brasileira de lúpulo, onde produtores da região vão se reunir para garantir um espaço de beneficiamento da matéria prima. Ele afirmou que a prefeitura de Aguaí já garantiu um galpão de mil metros quadrados.

“Pra mim essa é a engrenagem que falta para a cultura explodir no Brasil. Esse local vai ser para que os produtores possam beneficiar e padronizar a qualidade, que é o que as cervejarias pedem. A cervejaria depois que faz uma receita ele quer sempre receber um lúpulo igual a da safra passada, e a gente só consegue fazer isso misturando lúpulo de vários produtores e esse local vai ajudar muito nisso”, afirmou.

Qualificação foi essencial para o crescimento

Junto com a abertura de novas cervejarias e o interesse em saber mais sobre a cerveja, o aumento da qualificação profissional foi outro ponto central para o aumento da produção da flor em terras brasileiras. Leal explicou que engenheiros agrônomos especializados em lúpulo mostraram que era possível a produção do produto localmente.

“O processo de tecnificação da cultura foi fundamental para o crescimento visto nos últimos anos. Hoje, temos engenheiros agrônomos especializados em lúpulo com alto nível de conhecimento e uma experiência já significativa. Além disso, também encontramos soluções para os processos de beneficiamento, uma exigência da indústria cervejeira. Esses avanços impulsionaram a abertura de mercado junto às cervejarias artesanais, que passaram a conhecer e reconhecer a qualidade do lúpulo brasileiro. Foram importantes conquistas, mas ainda temos um caminho a percorrer, principalmente em uma maior adesão do mercado cervejeiro”, afirmou.

A pesquisa da Aprolúpulo reforça que há produção da flor nas cinco regiões do país. Os estados com as maiores produções são: Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.

Lúpulo de sabor x lúpulo de amargor

O lúpulo é responsável por dar duas características na cerveja: amargor e sabor. O lúpulo de amargor aumenta o IBU (International Bitter Unit, Unidade Internacional de Amargor, em tradução livre) da bebida. Esse tipo de lúpulo está presente em todas as cervejas, mesmo as menos amargas, do estilo American Lager, o mais consumido no Brasil e no mundo.

Já o segundo tipo é o de sabor. Ele é responsável por dar um gosto mais frutado na bebida, muitas vezes remetido a maracujá ou laranja. Esse lúpulo não está presente em todas as cervejas e são comumente encontrados em estilo como a India Pale Ale (IPA), que também possuem um amargor mais elevado.

De acordo com o Mapa do Lúpulo, o mais comum de ser produzido no Brasil é o de sabor.

Tarantino afirma que por mais que os estilos mais amargos de cervejas estejam crescendo no mercado por conta das microcervejarias, o caminho para os produtores é aumentar mais a produção de lúpulos de amargor, já que o mercado é mais amplo.

“As IPAs são um caminho sem volta, mas é importante falar que as cervejas lupuladas representam 0,5% da produção nacional. Acredito que os produtores têm que plantar lúpulo de amargor para a cerveja do estilo American Lager. Essas são as que dão volume, essas que vão manter as plantações com pedidos constantes”, explica.