O fogo na Chapada dos Veadeiros já dura dez dias, chegou à área do Parque Nacional e consumiu mais de 23 mil hectares de vegetação na região, o equivalente a 23 mil campos de futebol. As queimadas ocorrem em meio a um cenário de aumento de focos de incêndio no Cerrado.

Essas queimadas cresceram 12% no bioma em 2021, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Desde o início do ano, foram 46.693 focos de incêndios detectados por satélite, superando a marca de 41.674 de 2020. Só em agosto foram 15.043 focos de calor, o que significa um crescimento de 48% em relação ao mesmo mês do ano passado. O registro foi o maior valor desde 2014 (15.525 focos).

De acordo com o coordenador da força-tarefa, capitão do Corpo de Bombeiros de Goiás, Luiz Antônio Dias Araújo, 170 pessoas estão envolvidas no combate ao fogo, entre bombeiros, brigadistas do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio) e voluntários. Além disso, as equipes continuam fazendo o monitoramento das áreas durante a noite. Nesta quarta, 22, a expectativa é de que o efetivo deve aumentar para 190.

“As condições climáticas não ajudam e a velocidade do vento tem dificultado muito esse controle das chamas. Hoje (terça, 21), juntamente com o pessoal que estava em solo, três aviões fizeram o lançamento de água durante todo o dia. A expectativa é de que a gente possa progredir nessas linhas e que amanhã tenhamos um panorama melhor”, enfatiza o capitão.

Os bombeiros têm contado com auxílio de aeronaves para o lançamento de água. “Estamos usando o combate direto com a tropa em terra, utilizando abafadores, soprador, bomba costal e ferramentas para manuseio de terra (enxada, enxadão e pá). Outra técnica é o ataque combinado, que é quando os Air Tractor, os aviões que lançam água, auxiliam a tropa em terra”, explica o coordenador da operação.

De acordo com o brigadista Alex Gomes da Silva, as condições climáticas (tempo seco e a baixa umidade do ar) e as reignições têm dificultado o trabalho de combate às chamas. “Em relação aos locais mais atingidos, no Vale da Lua e no Vale de São Miguel, temos reignição todos os dias. Mas o maior estrago na verdade está sendo em toda a Área de Proteção Ambiental de Pouso Alto (APA), com um terço atingido”, informou.

A Polícia Civil está na Chapada dos Veadeiros mapeando a área para investigar se os incêndios, que começaram no último dia 12, são criminosos. Luiz Antônio, que é coordenador da força-tarefa que combate as chamas, acredita que o fogo tenha sido causado por um incendiário, mas, com a proporção de destruição, não é um trabalho rápido de investigação e essa apuração demanda tempo. O fogo teve início no Vale da Lua, onde cerca de 100 turistas que estavam no local foram resgatados após cerca de 1h30 de espera.

Na terça-feira, 14, o fogo atingiu 8 mil hectares e, por causa do incêndio, o Vale da Lua e a Cachoeira do Segredo foram fechados. Já na quarta-feira o incêndio provocou o fechamento do Parque Estadual Águas do Paraíso, depois que uma linha de fogo com 7 quilômetros de comprimento começou a se aproximar da unidade.

Em meio ao incêndio que já dura mais de uma semana, um agricultor relatou perda de cerca de R$ 1,5 milhão da produção de milho depois que a lavoura foi atingida pelo fogo. A fazenda fica em São João D’Aliança, no nordeste de Goiás. O vento forte e redemoinhos de cinzas fizeram o fogo se espalhar rapidamente.

Turismo

Segundo o coordenador de prevenção e combate a incêndios do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade, João Morita, as chamas chegaram à área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros por dois pontos específicos, mas não apresentam risco para os locais de visitação e aos turistas.

Ontem, as ações se concentraram na região conhecida como Cascata e Ponte de Pedra. “Esses dois focos adentraram o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e estão cerca de 60 quilômetros distante das áreas de atrativos turísticos. Portanto, não oferecem risco até o momento aos turistas”, afirma Luiz Antônio Dias Araújo. O Parque Nacional continua com a visitação sem comprometimento. O guia de turismo e condutor credenciado da Chapada dos Veadeiros João Paulo por exemplo, destaca que ainda não houve impactos até agora. “A cidade continua cheia, mesmo em dias de semana. Ao meu ver, não abalou o turismo que retomou o fluxo original pré-pandemia, e está numa crescente agora. Alguns locais fecharam, mas, logo após o incêndio ser controlado, já foram reabertos”, contou.

‘Queimada, seca e desmate estão conectados’, diz Mariana Napolitano, gerente de ciências do WWF-Brasil

Dados do Inpe apontam crescimento de 12% das queimadas no Cerrado, com mais de 41,6 mil focos de incêndio em 2021. O que está acontecendo?

Estamos no segundo ano de eventos extremos e tem sido um período de bastante seca no País. Em 2020, houve as queimadas no Pantanal. Hoje, é o Cerrado que está queimando mais. Só em agosto foram mais de 15 mil focos de incêndio detectados, o maior índice da série histórica desde 2014. Existe uma forte conexão entre desmatamento, seca, desequilíbrio e queimadas. No caso do Cerrado, existe sim o fogo natural que começa, por exemplo, após um raio. Mas isso acontece no período de chuva, em outubro. Em período de seca, esses focos de incêndio são antrópicos, produzidos pelo homem. É o que estamos vendo na Chapada dos Veadeiros.

Como é essa conexão entre desmate, seca e queimada?

Todos estão conectados. Não há uma fronteira clara: Amazônia, Cerrado e Pantanal dependem um do outro. A Amazônia tem os rios voadores, massas úmidas que se deslocam por grandes distâncias, e contribui com a umidade de outras regiões. Uma vez que o bioma já perdeu 17% da sua cobertura, tem outra parcela grande degradada e o desmatamento se mantém alto por três anos seguidos, isso vai afetar o volume de chuva no Cerrado e no Pantanal.

Quais os possíveis impactos do cenário atual?

O Cerrado tem 30% da biodiversidade brasileira e 5% dos animais e plantas de todo o planeta. Os animais não conseguem escapar de incêndios de alta intensidade, principalmente anfíbios, répteis e pequenos mamíferos, sem falar nos invertebrados. Com desmatamento e queimadas, a gente pode estar perdendo espécies que não existem em outros lugares. Vale dizer que o Cerrado é conhecido como “a caixa d’água do Brasil”, porque abriga a nascente de oito das 12 bacias hidrográficas. Todo esse sistema está frágil.

É possível projetar o comportamento dos próximos meses? Como evitar estragos maiores?

Geralmente, agosto e setembro são os meses com mais focos de incêndio. Em outubro, a chuva começa a dar uma pausa. Mas com as mudanças climáticas e os atuais níveis de desmatamento, a gente corre o risco de passar a conviver mais com eventos extremos, como as queimad[ ]as. E não é só aqui. Na Califórnia, em Portugal, isso está virando algo comum. Cada vez mais, o Brasil vai precisar olhar essa questão de forma mais séria. Não adianta esperar queimar e ir lá combater. Tem de planejar e prevenir.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.