Convergência política baseada em transparência é uma condição capital para o agronegócio avançar em pontos cruciais, como vem ocorrendo em relação às áreas ambientais, de pesquisa, logística e segurança do alimento

Mesmo após um ano adverso com problemas de origem climática, escassez de insumos e barreiras comerciais, o agronegócio entrou em 2022 com previsão de safra recorde de grãos e de crescimento nas exportações de proteína animal, além de boas perspectivas em outros segmentos. Para o deputado federal e membro da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), Arnaldo Jardim, o setor está enfrentando uma crise de crescimento e por isso necessita de uma sustentação bastante sólida. “Precisamos garantir que os pilares desse crescimento sejam mantidos, para que não seja frágil ou inconsistente”, afirmou à RURAL.

Rural – Como o senhor vê o ano de 2021 para o agronegócio?
Arnaldo Jardim – Primeiro, passamos pelo teste da pandemia em 2020. O agro não só continuou a funcionar como cresceu. A crise econômica que se abateu sobre o Brasil, com redução do PIB em 4,3%, só não foi maior por conta da performance do setor. Agora, o agro vive uma crise de crescimento e por isso se depara com novos desafios. No ano passado vimos as consequências dessa evolução, a demanda por insumos cresceu de maneira significativa, principalmente de fertilizantes e defensivos. E deve continuar, pois estamos em condições de ter mais uma safra recorde de grãos.

Como equilibrar essa relação entre crescimento e desafios?
Precisamos garantir que os pilares desse crescimento sejam mantidos, para que não seja frágil ou inconsistente. O primeiro pilar é o crédito, e estou muito contente porque grandes instituições financeiras estão vindo para o crédito rural. As já tradicionais no setor estão reforçando essa posição, e outras que no passado preferiram deixar o dinheiro no Banco Central a aplicar em crédito rural estão revendo essa postura.

Como a entrada das fintechs no agro favorece esse cenário?
As fintechs terão um papel cada vez mais importante no setor, até por serem dinâmicas e favorecerem novas formas de financiamento. Como o Fiagro [Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustriais], que dá condições para negociar papeis tradicionais do setor, como CRA [Certificados Recebíveis do Agronegócio] e LCA [Letras de Crédito do Agronegócio]; os imobiliários; e a produção propriamente dita. O Fiagro crescerá de forma muito significativa, lastreando o surgimento de novos empreendimentos na área agrícola ou agroindustrial.

Quais são os outros pilares do crescimento do setor?
O segundo pilar que precisamos manter é a pesquisa, segmento estratégico para o agronegócio. A Embrapa, por exemplo, cumpre um extraordinário papel, mas acredito que a instituição deveria ser revitalizada e atuar com mais ousadia, com mais parcerias. Precisamos dar uma sacodida nessa área da pesquisa e de fomento, pois esse é o caminho da produtividade.

O que o senhor quer dizer com “mais ousadia”?
Foco! Ter mais foco em questões estratégicas, fundamentais, que precisam ser equacionadas. Um exemplo é a incidência do carrapato nos bovinos, que compromete a produção de leite, carne e couro e, segundo estimativas, gera perdas de R$ 7 bilhões por ano ao setor. Precisamos resolver esse problema. Ainda no campo do avanço científico, trabalhamos para aprovar o projeto de lei do alimento mais seguro [PL 6299/02], que visa a trazer mais objetividade, critérios e prazos mais bem definidos para que moléculas [de defensivos] que já estão em uso em outros países possam ser implantadas mais rapidamente aqui no Brasil. Muitas vezes se diz que estamos buscando liberar mais “agrotóxicos”, mas na verdade estamos em um voo no sentido de termos moléculas menos impactantes ao meio ambiente, mais eficientes e que por isso serão mais baratas. Ganha o produtor e ganha o consumidor, que terá acesso a um alimento mais seguro e de menor custo.

Essas definições passam também pelo campo da política, seja de Estado, seja de relacionamento com a sociedade.
Nossa legislação tem sempre que buscar um correto equilíbrio. O desafio do legislador é descobrir um caminho de avanço, mas com os pés no chão. Isso é o que estamos buscando. Na Lei do Agro [Leinº 13.986/20] e na aprovação do Fiagro tivemos essa cautela. O que defendo em relação à Embrapa está no novo marco regulatório de pesquisa científica e tecnológica, são parcerias do setor público com o privado, de órgãos públicos como a Embrapa com empresas privadas, para poder ter foco naquilo que se faz. E até gerar remuneração para a instituição, que assim vai criando fontes próprias de financiamento.

Falta o terceiro pilar do crescimento do agro.
É a infraestrutura. Precisamos de transporte e armazenagem para escoamento de safra, a demanda está crescendo muito nesse sentido. Sou diretor de Infraestrutura e Logística da FPA, e temos debatido muito com o Ministério da Infraestrutura sobre matérias importantes relacionadas a esse pilar. Como o novo Plano Nacional de Logística, que traz um dinamismo muito acentuado para o agro; a BR do Mar [Projeto de Lei 4199/20], com as novas regras para a cabotagem; e o novo Marco Legal das Ferrovias [Lei nº 14.273/21], que permite o regime de autorização para ferrovias.

Como alcançar convergência política para tudo isso avançar?
Acredito na boa política. Tivemos durante muito tempo um embate na câmara entre ambientalistas e o setor produtivo em torno da definição do pagamento por serviços ambientais. Peguei essa matéria e fui debatendo, debatendo, debatendo… Fui o relator dela em plenário, e conseguimos aprovar com pouquíssimos votos contrários. Acho que é possível conciliar interesses. É hora de buscar convergência, não gosto quando há o embate pelo embate. Chega dos gladiadores, é hora dos construtores.

Esse embate pelo embate, como o senhor disse, também prejudica a comunicação do agro com a sociedade, inclusive sobre a sustentabilidade do setor?
A aproximação do mundo urbano com o mundo rural é um dos nossos maiores desafios. O agro é um setor avançado do ponto de vista das relações trabalhistas, o grau de formalidade no campo é superior ao dos grandes centros. A informalidade está nessas grandes metrópoles do nosso País, onde boa parte das pessoas trabalha sem carteira assinada. Do ponto de vista dos instrumentos modernos, metade das startups e dos aplicativos desenvolvidos nos últimos quatro anos tem relação com o agro. Nossa demanda por conectividade é grande porque o volume de dados com que se lida é muito significativo. Além disso, o setor é moderno no que diz respeito à sustentabilidade. Há quem vá dizer: “Mas tem o desmate ilegal”. A FPA já se manifestou contrária ao desmate ilegal, somos a favor de zerar e podemos nos aprofundar nesse assunto. Também fomos a favor quando o governo federal assumiu o compromisso de aumentar as metas de redução de emissão sobre gás carbônico e metano. O gás metano é um desafio que estamos transformando em oportunidade, inclusive apresentei um projeto de lei para ser o novo marco regulatório do biogás [PL 3865/21]. Há um potencial extraordinário de geração de biogás com dejetos do setor de proteína animal, com a vinhaça da cana-de-açúcar e com o bagaço da laranja após a extração do suco.

Por falar em bioenergia, logo após a COP-26 o governo decidiu reduzir a porcentagem de biodiesel no diesel de 13% para 10%. Isso faz sentido?
Eu achei absolutamente equivocada essa decisão do governo de diminuir a mistura do biodiesel e a discussão que chegou a existir em torno da diminuição da mistura do etanol na gasolina. O Brasil pode apresentar ao mundo uma matriz energética que é das mais limpas do mundo, e temos um particular orgulho dos biocombustíveis. Mais da metade dos veículos leves do País roda com etanol, e sua mistura na gasolina é de 27%. Houve um equívoco de análise da equipe econômica do governo. O argumento que usaram sobre redução dos preços dos combustíveis não resiste aos fatos. Diferentes entidades dos setores do biodiesel e do etanol demonstraram isso de forma muito clara.

Qual é o impacto disso para o setor de biocombustíveis?
Além de não ter fundamentação do ponto de vista econômico, essa medida ainda gerou uma instabilidade naquilo que é o mais importante: a previsibilidade. No caso do biodiesel, é muito grave quando você gera uma frustração em relação ao consumo do produto, quer seja de origem vegetal, vindo da soja, quer seja de origem animal, produzido a partir de sebo de bovinos. Por isso criamos na FPA a Biocoalizão, um grupo que vai atuar de forma integrada pelo fortalecimento dos biocombustíveis. Inclusive, há um projeto de lei do deputado Jerônimo Georgen [PL 528/20], do qual sou relator, que propõe um avanço gradual dessa mistura para 20% [até 2028]. Esse será um caminho fundamental para o Brasil cumprir suas metas ambientais e termos uma retomada de investimentos no setor de biocombustíveis.

Quais são suas perspectivas para as eleições deste ano?
Em relação aos desafios de manter o fluxo de investimentos no agro, continuar o esforço para que a pesquisa e a produtividade sejam buscadas permanentemente e criar uma infraestrutura de armazenamento e escoamento de safra atinente, faremos na Frente Parlamentar da Agricultura um ideário. Teremos um programa para apresentar a todos os candidatos ao governo federal e aos governos estaduais, é o que eu chamaria de premissas para que o setor agro sustente seu protagonismo na economia nacional — investimento, pesquisa, infraestrutura e logística e segurança jurídica —, com respeito à propriedade e às normas.