07/11/2018 - 12:46
O Brasil e a Argentina possuem duas características em comum: a paixão pelo futebol e o peso do agronegócio na economia dos dois países. No caso da bola, as paixões ficam sempre na cara do gol, sem definições. Agora, para grãos e carnes, produtos que sustentam as balanças comerciais de ambos, enquanto o Brasil passa por momentos de euforia, com uma supersafra e exportações firmes, o agronegócio argentino vive em estado de alerta. A volta das sobretaxas nos produtos de exportação, as chamadas “retenciones”, em que o governo fica com até quatro dólares por peso, que é a moeda local, trouxe uma certeza aos produtores: o ano de 2018 passa para a história como tempo de menos renda no campo. “A cadeia da soja arca com uma carga de impostos bem alta na Argentina e isso tira muita competitividade”, afirma Luis Zubizarreta, presidente da Associação da Cadeia de Soja (ACSoja). “Essa taxa não existe em outros países concorrentes da Argentina, e, obviamente, se torna um desincentivo à produção.” Cálculos da Sociedade Rural Argentina (SRA) estimam que as perdas podem chegar a US$ 6 bilhões com a taxação. “Isso representa 64% do que se planeja arrecadar com as exportações para o próximo ano na agroindústria da soja”, diz Ezequiel de Freijo, economista chefe do Instituto de Estudos Econômicos da SRA. “A soja tem uma alíquota total de 28% e para o resto dos produtos é 10%”.
Em 2017, quatro de cada dez dólares exportados entraram na economia com produtos agropecuários. No ano passado foram US$ 58,4 bilhões, dos quais US$ 38 bilhões vieram do campo. No caso da soja, para safra 2018/2019, a Bolsa de Cereais de Buenos Aires estima vendas externas da ordem de 15,5 milhões de toneladas, recuperando a baixa da safra anterior, prejudicada por uma estiagem que afetou a produtividade das lavouras. Mesmo assim, o complexo soja injetou na economia US$ 15 bilhões, dos quais US$ 9,1 bilhões vieram de sua excepcional agroindústria de processamento de soja. Aliás, a Argentina, embora seja o quarto maior produtor global do grão, é o maior do mundo em farinha. Responde por cerca de 40% do mercado.
A volta das taxas sobre a exportação vem após uma forte retomada do setor, principalmente da agroindústria, com a posse do presidente Mauricio Macri, em dezembro de 2015. Foram os governos K, que se referem a Néstor Kirchner e Cristina Kirchner, a partir de 2003, que criaram as taxações agropecuárias. Isso fez a economia agonizar por falta de moeda estrangeira.
Macri fez o contrário. Com redução de taxas para quase todos os produtos na nova gestão, a produção de grãos saltou de 100 milhões de toneladas para 125 milhões de toneladas na última safra. Produtos como trigo, milho e o setor de carnes tiveram suas tarifas de 23%, 20% e 15%, respectivamente, zeradas. A soja passou por uma queda de 35% para 30%, com o compromisso de redução gradativa. Isso animou o setor. Em três anos, a produção de trigo saltou de cerca de dez milhões de toneladas para 17 milhões de toneladas no último ano. O milho saiu de 22 milhões de toneladas para 39 milhões. No mercado de carnes, onde 85% da produção atende ao mercado interno, as exportações saltaram de 200 mil toneladas para 420 mil toneladas no período 2016/2017. Neste ano, somente a carne bovina, que deve repetir as exportações do ano passado, pode render US$ 1,8 bilhão.
No entanto, a piora na economia argentina fez com que o Produto Interno Bruto (PIB) retrocedesse 4% no segundo trimestre deste ano. Mas o PIB de 2017 havia sido de US$ 911,5 bilhões, 3,6% acima do ano anterior. Foi a explosão do déficit nas contas públicas que forçou o governo a anunciar o retorno das ‘retenciones’, uma maneira fácil de fazer caixa. Segundo estimativas da Fundação Agropecuária para o Desenvolvimento da Argentina (Fada), embora a soja seja a commodity mais importante nas exportações, o impacto será maior para os produtores de milho e de trigo. No milho, o imposto sai de zero para 10%. Na soja, sai de 28% para 30%. Por conta da medida, a rentabilidade cai 20% em dólares, por hectare de soja, e 50% no caso do milho. “Possivelmente, veremos um pequeno impacto nesta safra e potencialmente maior na seguinte”, diz David Miazzo, economista-chefe da Fada.
Mas o impacto das sobretaxas nas cadeias do agronegócio argentino depende – e muito – da volatilidade do dólar. Por isso, por enquanto, a desvalorização abrupta da moeda local, que bateu os 40 pesos por dólar, ajuda a amenizar o problema. Um executivo da indústria frigorífica argentina, que pediu anonimato DINHEIRO RURAL, disse que a desvalorização do câmbio trouxe uma competitividade inesperada. “Estimávamos o peso para o ano entre US$ 8 a US$ 19. Hoje está em US$ 40. Esse salto da moeda fez com que focássemos muito na exportação”, afirmou. “Estamos exportando mais de 90% de nosso abate porque o câmbio favorece muito nossa margem”. A China tem sido o destino mais fiel. De janeiro a julho de 2018, o país asiático comprou 96,5 mil toneladas, de acordo com o Ministério da Agricultura do país, metade dos embarques totais. Para Freijo, da SRA, o importante nesse momento é entender o contexto econômico, já que nos governos anteriores as políticas públicas eram contra o setor. “Vemos as sobretaxas como uma política temporária, porque não há mais remédio e é preciso sanar o problema fiscal”, diz Freijo. “Foi o contexto internacional nos afetou e fez com que chegássemos a essa situação.”