Vinte e uma cidades nas quais os votos dos moradores foram para candidatos à Câmara dos Deputados que perderam as eleições na disputa de 2018 ficaram sem um centavo do orçamento secreto. O modelo criado no governo do presidente Jair Bolsonaro para garantir apoio no Congresso repassou aos parlamentares R$ 53,5 bilhões nos últimos dois anos e meio. Levantamento do Estadão mostrou que nenhum deputado ou senador mandou dinheiro para essas cidades, transformadas em “desertos políticos” justamente por falta de representantes que as defendam no Legislativo.

Após a aliança de Bolsonaro com o Centrão, a partilha do orçamento secreto deixou de fora do repasse de verbas 179 municípios do País. Nessas cidades ignoradas pela distribuição do dinheiro federal vivem 1,2 milhão de pessoas. O critério eleitoreiro para distribuição de recursos contraria a Constituição e as leis orçamentárias.

As prefeituras excluídas pelo orçamento secreto estão nas regiões pobres e menos desenvolvidas dos Estados. Essas cidades também tendem a preferir a oposição: 33 delas tiveram um candidato a deputado do PT como o mais votado em 2018. Em seguida aparecem o governista PP (23) e o MDB (22). O Estado com mais moradores nos “desertos políticos” é a Bahia, com 199,1 mil habitantes. O Rio Grande do Sul vem em seguida, com 131,1 mil, e depois aparece Minas Gerais, com 122,2 mil.

SERTÃO

Um dos municípios excluídos na divisão do orçamento secreto está no sertão do Piauí. A pequena Lagoa do Barro, no sul do Estado, tem IDH Municipal considerado baixo, de apenas 0,502. “Eu não sei quais são os critérios que os parlamentares utilizam”, disse o prefeito Gilson Nunes (PSD), numa referência à distribuição dos recursos.

Ao lado de Lagoa do Barro fica a cidade de Coronel José Dias (PI). Na zona rural, um investimento pequeno poderia aliviar um grande problema: a falta de energia elétrica. “Estamos cercados de luz por um lado e por outro e aqui não tem”, queixou-se o aposentado Bartolomeu Benedito dos Passos, 67, morador do povoado de Lagoa do Benedito.

A rede elétrica está muito perto: a menos de dois quilômetros, pela estimativa do aposentado. Só na Lagoa do Benedito são 12 famílias sem luz. A poucos metros da casa de Bartolomeu vive Maísa de França Badu, de 22 anos, com o filho de dois, os pais e os irmãos. No pequeno sítio, a família planta hortaliças com um sistema de irrigação, que utiliza energia solar. Mas a falta de uma bateria mais potente impede que eles continuem usando a eletricidade à noite.

Na noite de 23 de julho, quando o Estadão esteve no rancho dos Badu, o jantar estava sendo preparado no fogão a lenha, iluminado por lanternas. A firma familiar se chama Hortaliças Badu. “Enquanto tem sol, tem energia e está carregando as coisas”, disse Maísa. A mãe Maria José, de 47 anos, usa vela.

A família sonha em poder ter geladeira. “Ultimamente, a gente fez esse sisteminha para o poço (artesiano). Não resolve tudo, mas já ajuda. Aqui tem bastante sol”, diz o pai de Maísa, Edilson Badu, de 48 anos.

Dulcineia de Sousa Brito dos Passos, 77 anos, é uma das moradoras mais antigas da Lagoa do Benedito. À noite, a única luz disponível é a do candeeiro com pavio.

Enquanto isso, ali do lado, a cidade de João Costa coleciona placas de obras do governo federal. O município é base eleitoral do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP) e da ex-mulher dele, a deputada federal Iracema Portella.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.