O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, passou as últimas semanas dizendo que a proposta que o Brasil vai levar à Conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas (COP-26) é resultado de um amplo debate e diálogo feito com mais de 200 empresas e instituições civis e públicas. Conforme apurou a reportagem, porém, diversos dos 219 citados negam oficialmente ter participado de qualquer conversa com o governo Bolsonaro sobre a COP, evento que será realizado em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), por exemplo, foi taxativa em declarar que não participou de nenhuma consulta, depois de fazer um levantamento em todas as suas áreas que poderiam ter lidado com o assunto. “A Sabesp informa que não colaborou com o governo federal em questões relacionadas à COP-26”, declarou.

A organização ambiental WWF-Brasil, uma das mais atuantes na área, também negou qualquer tipo de contato com o governo para tratar do assunto. “Foi com surpresa que tomei conhecimento que o WWF-Brasil foi incluído entre as organizações ouvidas pelo governo federal ao longo deste ano para construir o posicionamento oficial do Brasil na Cúpula do Clima. Não participamos de nenhuma conversa com o governo brasileiro sobre a COP-26”, disse Maurício Voivodic, diretor executivo da WWF-Brasil.

A ONG lembra ainda a péssima relação que o governo Bolsonaro fez questão de estabelecer com as instituições do setor desde o início do mandato. Ele chamou organizações ambientais de “câncer” a ser eliminado. Ricardo Salles alimentou, durante toda a sua gestão no MMA, uma relação de confronto com essas instituições do terceiro setor. “Vale lembrar que, desde 2019, o atual governo federal tem restringido a participação da sociedade civil em órgãos de governança e processos de consulta”, comentou Voivodic.

Outra instituição que negou conversas com o ministério, mas que figura na lista de seus colaboradores climáticos, é o Instituto Centro de Vida (ICV), que atua há 30 anos na área ambiental no Mato Grosso. “O ICV não participou de nenhuma reunião com o MMA ou qualquer outro setor do governo federal”, informou.

DUPLICIDADES

A reportagem questionou o Ministério do Meio Ambiente sobre as negativas, mas não obteve resposta. O MMA também não explicou diversas duplicações verificadas no material. São listados nomes de associações que representam setores empresariais, mas, paralelamente, a pasta também faz menção às empresas dessas instituições, como se tivessem participado individualmente.

É o caso, por exemplo, do Grupo Notre Dame Intermédica, que aparece como colaborador na lista do MMA, mas que é apenas um dos membros do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que também está na relação. “A empresa apoia e endossa as iniciativas em prol do meio ambiente promovidas pelo CEBDS, mas não participou diretamente das tratativas com o governo”, declarou o grupo.

Trata-se do mesmo caso da Danone, que se limitou a participar por meio da associação Viva Lácteos, e não de forma individual. A história é igual na Natura, que tem atuado sobre o assunto, mas por meio de entidades setoriais, como o CEBDS e a Câmara de Comércio Internacional (ICC). A mesma situação foi mencionada pela Dow Brasil, que afirmou não ter feito nenhum contato direto com o MMA ou qualquer órgão do governo federal. Sua participação, quando ocorre, se dá via CBDES ou Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

Na resposta que o MMA encaminhou à organização Política Por Inteiro, que obteve a lista, o MMA declarou que “as reuniões foram realizadas ao longo de 2021, em sua maioria de modo virtual, entre o Ministério do Meio Ambiente e as entidades relacionadas”. Segundo a pasta, “a realização das reuniões teve como objetivo obter subsídios para a construção da posição do Brasil na COP-26”, mas “não existe atas das referidas reuniões”.

Entre os 219 nomes mencionados, que incluem diversos ministérios do governo, há citações como a de uma instituição “Boy Control”. O MMA não informou o que é essa instituição ou o que faz.

No dia 7 de outubro, em encontro com parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o ministro Joaquim Leite disse que vai defender os interesses nacionais nas negociações climáticas. “Posicionar claramente o Brasil como um país que está no acordo do clima, que tem uma meta ambiciosa de 43% nas reduções de gases de efeito estufa até 2030”, afirmou.

O ministro também elogiou a ampla consulta que a pasta fez “para construir o posicionamento oficial do Brasil na Cúpula do Clima”, com contribuições de diversos setores. “É importante que esse posicionamento venha de toda a sociedade, pois o tema afetará a todos nós.” A COP-26 reunirá 196 países signatários do Acordo de Paris, firmado em 2015 para tentar contar o aquecimento global. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.