21/01/2016 - 13:00
Com foco em educação, treinamento e motivação de lideranças, os cooperados da Coamo, em Campo Mourão, se tornam exemplos de sucesso na arte em transformar a economia colaborativa em um gigantesco negócio rentável, que faturou R$ 8,6 bilhões no ano passado
O executivo José Aroldo Gallassini, presidente da Cooperativa Agroindustrial de Campo Mourão (Coamo), no noroeste do Paraná, é um tipo muito simpático, falante e extrovertido, que sorri com certa facilidade e não aparenta os 74 anos que tem. Gallassini também é metódico e rotineiro: de segunda às sextas-feiras, às sete da manhã, ele já está na sede da cooperativa, a não ser que precise cumprir algum compromisso. Por volta das 18 horas deixa a sua sala e vai para casa, sob pena de levar uma bronca da esposa Marli, caso chegue atrasado para o jantar. “Mas, quando estou trabalhando sou muito produtivo”, diz ele. “Nunca perco tempo.“ Disso, não têm nenhuma dúvida os 27,9 mil produtores rurais cooperados da Coamo, nos Estados do Paraná, de Santa Catarina e de Mato Grosso do Sul, produtores de soja, milho, algodão, café e trigo. Em 2014, sete milhões de toneladas de produtos agrícolas cultivados por esses agricultores renderam um faturamento de R$ 8,6 bilhões. O crescimento foi de 2,9% na produção e de 6% em receitas, que geraram R$ 647,7 milhões em ganhos após os impostos. Os ativos chegaram a R$ 7 bilhões. A Coamo é a maior cooperativa de produtores rurais da América Latina e responde por cerca de 3,5% da produção de grãos do País. “Vamos faturar
R$ 10 bilhões em 2015”, afirma Gallassini. “Se faltar alguma coisa para furar essa barreira, vai ser muito pouco.” Os resultados do ano serão apresentados aos cooperados em janeiro. Pelo trabalho de 2014, a Coamo foi escolhida a EMPRESA DO ANO NO AGRONEGÓCIO pelo anuário AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL 2015, único prêmio do setor no qual as empresas e instituições precisam se inscrever e prestar informações detalhadas para serem avaliadas pelo seu desempenho (confira a metodologia na pág. 106). A Coamo sagra-se entre todas as participantes pelo conjunto da obra. Obteve a maior pontuação na categoria COOPERATIVA, ficando à frente em GESTÃO FINANCEIRA e em GESTÃO CORPORATIVA, e ficou em segundo lugar na categoria GESTÃO DA CADEIA PRODUTIVA. Para o professor José Luiz Tejon Megido, coordenador do Núcleo de Estudos de Agronegócio da ESPM de São Paulo, o que explica o sucesso da cooperativa é a consistência de sua liderança. “Sempre foram focados em treinamento, educação, assistência técnica e desenvolvimento do espírito cooperativo”, diz Tejon Megido. “Devem ser olhados e estudados, porque são inspiradores não apenas a outras cooperativas, mas a qualquer empreendedor que queira ter uma empresa séria.”
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Dos 45 anos de existência da Coamo, comemorados no dia 28 de novembro, Gallassini é presidente há 40 anos. Formado em agronomia na Universidade Federal do Paraná, em 1967, o executivo tem a carreira praticamente construída na cooperativa. De sua longa história como presidente, desde que a Coamo foi fundada por 79 agricultores, Gallassini gosta de recordar o seu passado como um administrador autodidata. Para ele, o que explica a sua longevidade no cargo foi o olhar cuidadoso sobre as possibilidades que cercam os negócios dos cooperados, do plantio ao comércio dos produtos. Com duas indústrias de esmagamento de grãos, uma torrefadora e dois moinhos de trigo, no ano passado as marcas Coamo, Primê, Anniela, Sollus e Dualis, compostas por óleo refinado, margarinas, gorduras vegetais, farinha e café torrado em grãos e moído, renderam R$ 767 milhões. Mas, o que de fato empolga Gallassini é o futuro da Coamo. Hoje, três tarefas tomam boa parte de seu tempo: encontrar saídas para melhorar a infraestrutura da instituição, formar bons administradores para agilizar os negócios da cooperativa e cuidar da sucessão que virá através de jovens líderes que estão sendo formados dentro de casa. “O tempo não espera, é preciso andar rápido porque somos instrumentos passageiros”, diz.
Para cuidar da infraestrutura, que vai muito além das fábricas e da atual capacidade de armazenar cerca de 4,9 milhões de toneladas de grãos em silos, e de 920 mil sacas em galpões, em meados de novembro Gallassini discutia com engenheiros a construção de um terminal privado em Itapoá, localidade próxima ao porto de São Francisco do Sul (SC). O terreno já está comprado. A região em que está o porto catarinense vem ganhando importância nacional no escoamento de grãos. Já recebeu, por exemplo, US$ 23 milhões de investimentos da Bunge e da Terlogs, uma parceria do grupo chinês Hopeful e da Litoral Agência Marítima, na construção de um robusto corredor de exportação. A Coamo quer fazer o mesmo: exportar parte de seus grãos por esse berço marítimo, atualmente o 11º maior do País, entre os 37 em operação. Em 2014, a Coamo embarcou um total de 4,5 milhões de toneladas de soja, milho, farelo e óleo bruto, por U$S 903 milhões, valor equivalente a 37% de tudo que as cooperativas brasileiras exportaram no ano, além de 960 mil toneladas de produtos industrializados, por US$ 409 milhões. Pelo porto de Paranaguá, onde mantém um terminal próprio, saíram 1,8 milhão de toneladas e outra pequena parte foi por São Francisco do Sul. O restante precisou seguir para o porto de Rio Grande (RS), a 1,2 mil quilômetros de Campo Mourão. “Com um terminal próprio em Santa Catarina, vamos ganhar eficiência de 600 quilômetros no frete”, diz Gallassini. “Essa é quase a mesma distância que percorremos hoje, até Paranaguá.”
Ações: além do investimento em infraestrutura e armazenagens, a Coamo também se empenha na formação de jovens líderes. Em novembro, aconteceu a formatura de 46 filhos de cooperados integrantes do programa
GENTE -– Juntar partes, organizar saídas e propor novas rotas é o que sempre moveu Gallassini. Quando chegou a Campo Mourão para ser um agrônomo extensionista, havia apenas cinco tratores em toda a região. Naquela época, os agricultores viviam do cultivo de arroz de sequeiro, sem adubação ou calagem. “O arroz era cultivado nas capoeiras que iam surgindo com a retirada da madeira de pinus”, diz ele. “Começamos a cultivar soja, construímos armazéns com a cara e a coragem, mas os tempos hoje são outros”. Por isso, na noite de 17 de novembro, Gallassini era o principal convidado para a formatura de 46 filhos de cooperados, integrantes da 19ª turma do programa Coamo de Formação de Jovens Líderes. Entre eles estavam as primeiras dez mulheres formadas, desde que o programa foi iniciado em 1998. “São garotas que podem exercer papel de líderes, tomar decisões e ajudar a fazer o nosso futuro”, afirma Gallassini. O programa já formou 800 jovens, que receberam lições de cooperativismo, administração, análise financeira e, claro, liderança. Esses jovens não são formados para serem funcionários da Coamo, hoje de 6,7 mil pessoas, mas são os herdeiros que um dia integrarão o corpo diretivo da cooperativa ou tomarão decisões em assembleias. “As empresas dificilmente chegam aos 100 anos e conseguem ultrapassar a terceira geração”, diz Gallassini. “Queremos mostrar aos nossos jovens que eles podem ser melhores do que nós fomos, porque ninguém é insubstituível, mas é preciso se preparar.” Com idades entre 25 anos e 35 anos, eles começam a integrar os comitês cooperativos fiscal e administrativo, muitos deles depois de cursos de MBA e pós graduação. São candidatos naturais a serem os futuros executivos da Coamo. Além do presidente, estão em cargos máximos três diretores e cinco superintendentes. “Esses jovens não precisarão fazer o que nós, os desbravadores, já fizemos”, afirma Gallassini. “Mas, provavelmente, eles terão desafios até maiores para manter os gigantescos negócios da Coamo, que não param de crescer.”
Embarques: Pelo porto de Paranaguá, onde mantém um terminal próprio, a Coamo, em 2014, exportou 1,8 milhão de toneladas de produtos, entre eles, soja, milho, farelo e óleo bruto
De acordo com a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), o País possui 6,8 mil cooperativas, divididas em 13 ramos de atuação, nos quais estão 11,6 milhões de associados que geram 340 mil empregos diretos. Nesse universo, 1,6 mil são cooperativas agropecuárias, que reúnem um milhão de cooperados. Desse total, no Paraná estão 223 cooperativas. Elas movimentaram R$ 50,5 bilhões no ano passado. Há dez anos, a receita era de R$ 16,6 bilhões. Estudo da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), realizado pelo técnico Robson Mafioletti, estima que essas cooperativas devem ultrapassar a barreira de R$ 100 bilhões em receitas em cinco anos, num cenário otimista, com um crescimento chinês de 12% ao ano. Em um cenário pessimista, esse valor deve vir em 2025, com um crescimento anual, até lá, de cerca de 7%. Não por acaso, o principal destino dos produtos tem sido a China, compradora de 22% da soja e de 20% do farelo do grão, industrializado pelas cooperativas paranaenses. “Vamos continuar a crescer, porque a adesão de novos cooperativados é ilimitada”, diz Gallassini. “O único impedimento à expansão dos nossos negócios é a capacidade de aumentarmos a estrutura física e dominarmos a administração, e nisso estamos muito atentos.”