10/08/2020 - 20:29
Em um Brasil de culturas tão variadas do Oiapoque ao Chuí, poucas manifestações são tão identificadas com uma região quanto o cordel com o Nordeste. A poesia popular leva adiante histórias e tradições de um povo que emana orgulho das raízes, de forma declamada ou cantada. O nome remete à maneira como os versos eram apresentados, em folhetos expostos em varais de cordas ou barbantes.
Unir a paixão pela cultura de onde nasceu com o esporte pelo qual se apaixonou aguçou a criatividade de Jônatas Castro. Natural de Paulista, uma cidade paraibana de cerca de 12 mil habitantes, que fica a 410 quilômetros da capital João Pessoa, ele é auxiliar técnico da seleção brasileira feminina de goalball, única modalidade paralímpica que não é adaptada, sendo praticada por atletas com deficiência visual, total ou parcial.
“Quando estou na roda de amigos, gosto de recitar alguns poemas, muitos deles de poetas consagrados do Nordeste. A professora Carla da Matta [coordenadora nacional de arbitragem e representante das Américas na federação internacional da modalidade], que é uma grande amiga, recebeu uma mensagem com o cordel do handebol e me provocou a fazer um do goalball”, conta Jônatas à Agência Brasil.
Ele precisou de uma só noite para criar o Cordel do Goalball, divulgado pelas redes sociais da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV). Segundo o autor, professor de Educação Física e técnico da Associação Paraibana de Cegos (Apace), a ideia era se colocar no lugar de alguém que está conhecendo a modalidade. A poesia começa:
“Um dia eu fui convidado
Pra assistir um esporte
De um cabra danado de forte,
Mas eu achei engraçado
Quando fui logo avisado
Que ele não enxergava nada
Como fazia a jogada?
Por onde ele era guiado?
Chega fui desanimado
Pra ver aquela empreitada”
Os versos seguintes descrevem regras do goalball, como o uso de óculos escuros (para igualar atletas de baixa visão e os que nada enxergam), o número de jogadores (três) de cada lado, o inglês como idioma universal, a necessidade da bola arremessada quicar no chão (para os atletas escutarem o guizo e se orientarem em quadra) e a importância do silêncio entre torcedores. Também demonstram o espanto, comum a quem vê ao esporte pela primeira vez, com a força e as variações nos arremessos da bola e a agilidade nas defesas. E continua:
“E assim seguiu o jogo
Cada bola uma pancada
De rasteira à quicada
Gol de um lado, gol do outro
Jogo ali pegando fogo
E eu só observando
Cada gol tava gritando
Mais ou menos entendia
E quanto mais eu assistia
Mais ficava admirando”
Segundo Jônatas, além de apresentar a modalidade de uma forma lúdica, o objetivo do cordel foi mostrar que o paradesporto é ilimitado. “Serve para o goalball e para todo o movimento paralímpico. Quero incentivar que as pessoas conheçam os esportes, os atletas, e que possamos quebrar alguns tabus e preconceitos socialmente construídos pelos anos e enxergar primeiro o desportista, o atleta”, diz, reforçando a mensagem da última estrofe do poema:
“No final da experiência
Eu via apenas atletas
Com suas vidas repletas
Além da deficiência
Pois quem tem a consciência
Não depende da visão
Não lhe falta inspiração
Que ao esporte é permanente
Que é incondicionalmente
Dada pelo coração”
Nada melhor que um recado em cordel para encerrar o texto, correto? Este, o próprio Jônatas enviou à Agência Brasil:
“Quem quer melhor conhecer
E desfrutar o Paradesporto
Pode ir com muito gosto
Procurar o CPB
Lá vocês poderão ver
Os atletas em destaques
Em muitas modalidades
Com extrema competência
Vencendo as deficiências
Com as demais capacidades”
Coluna – Cordel paralímpico