23/06/2020 - 18:58
As primeiras reações surgidas quando da publicação da MP 984/2020 foram negativas. A “MP do Flamengo”, como muitos chamam, em tese traria benefícios apenas ao Rubro-Negro do Rio. E por quê? A Medida Provisória permite que um clube mandante transmita o seu jogo em qualquer canal, sem a necessidade de acordo do visitante, o que até então era (ou é) proibido por lei. O Flamengo, sem contrato para a transmissão dos jogos dele no Campeonato Estadual do Rio, estaria automaticamente beneficiado pela MP, ao contrário de todos os demais times brasileiros, com direitos vendidos para a TV Globo.
Mas se isso é uma realidade, não é a totalidade do alcance da medida. Pela lei, inclusive, ela vale por 60 dias, prorrogáveis por mais 60, para que seja analisada pelo Congresso Nacional. Isso quer dizer que, em quatro meses, ela poderá, até, nem mais existir. O segundo aspecto é que, num cenário mais distante, muitos outros clubes vão se beneficiar. E, quando isso foi percebido, as divergências de opiniões aumentaram. Vamos aos fatos.
O Campeonato Brasileiro tem os direitos de transmissão vendidos para TV aberta e fechada, em separado. Na aberta, a Globo só não fechou ainda com o RB Bragantino e com o Coritiba – logo, esses dois clubes, se quiserem, poderiam vender os jogos como mandantes para qualquer outra emissora. Na fechada, oito equipes têm contratos com a Turner, e ela já se mostrou disposta a romper esse acordo, o que deixaria Athletico-PR, Bahia, Ceará, Coritiba, Fortaleza, Internacional, Palmeiras e Santos também liberados para venderem seus jogos. Desde que, é claro, arquem com os custos de uma transmissão, que não são pequenos. Quantos desses clubes teriam disponibilidade de investimento para uma geração própria, com qualidade?
Negociação coletiva
César Grafietti é consultor de Finanças do Esporte. E enxerga na MP um caminho para a mexicanização na venda de direitos de transmissão. Passaríamos a ter um mercado ainda mais fragmentado, com os clubes de mais visibilidade ampliando sua vantagem financeira sobre os de menos porte. Afinal, é melhor comprar o que atrai mais telespectadores. E por isso estes clubes poderiam cobrar bem mais alto.
Esse sistema, que se assemelha em muito ao implantado em Portugal, já existiu na Espanha, com Barcelona e Real Madri recebendo cotas bem mais altas que os adversários, mas há cerca de cinco anos a legislação mudou, e é esse movimento que devemos copiar. A MP pode se tornar uma divisora no futebol brasileiro.
“Essa MP é o primeiro passo para a negociação coletiva”, diz Pedro Daniel, da EY. Ele diz mais: “esse é o momento de os clubes perceberem a importância de se unirem na tão sonhada Liga Nacional”. Foi o que fizeram Alemanha, França, Inglaterra, Espanha e Itália, que conseguiram crescer na profissionalização do futebol e na organização financeira dos clubes quando entenderam que negociar coletivamente traria mais lucros a todos.
O difícil entre nós é o amadorismo de dirigentes e a paixão exagerada do torcedor que não enxerga, na grande maioria das vezes, a importância de o clube dele ter um rival à altura. Como abrir mão do meu dinheiro para ajudar o adversário?, é a pergunta mais ouvida.
Está lançado o desafio, que pode ser abraçado nesse primeiro momento não só pelo Flamengo, mas pelos oito que podem ficar sem o contrato com a TV fechada, caso seja rompido o acordo que eles têm com a Turner. Não foi à toa que alguns, como Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, se manifestassem favoráveis à MP. O que voltou a acontecer nesta terça-feira (23), na conta dele do Twitter. Bellintani viu de forma positiva a apresentação de emendas à MP, que propõem, na divisão de recursos oriundos da TV, “um equilíbrio muito maior, havendo uma diferença de no máximo cinco vezes entre o clube que mais recebe e o que menos recebe. Ao longo dos anos, essa diferença cairia ainda mais, para até três vezes. É uma mudança enorme”. O dirigente completa escrevendo que “a reforma do futebol brasileiro entrou de vez na agenda”.
A mudança operada pela publicação da MP surpreendeu, pois surgiu de um dia para o outro. E há questões jurídicas ainda não esclarecidas, que fazem com que outras emissoras não se arrisquem a entrar nesse mercado. É óbvio que o ideal teria sido chegar a esse ponto com negociação, estudo e colaborações de todos os lados envolvidos no negócio. Mas nada impede que isso aconteça a partir de agora.
Afinal, toda dificuldade, se bem estudada, gera oportunidade. E já que chegamos até aqui, que tal nossos clubes buscarem a união em benefício de todos? Até porque, quem é grande vai continuar assim, quem é bem administrado sempre vai levar vantagem sobre o rival. Não será uma possível redução de cota de TV que vai mudar o cenário atual do futebol brasileiro.
Por Sergio du Bocage, repórter da TV Brasil.
Coluna – Os direitos de transmissão e a mudança de legislação