O abismo que separa a indústria do futebol brasileiro da que se vê nas principais ligas europeias pode ser reduzido se os próximos passos foram bem dados. Um estudo divulgado nesta terça-feira (30) pelo Itaú BBA, assinado pelo consultor de Finanças do Esporte, Cesar Grafietti, mostra que o momento, apesar de difícil, é oportuno para mudanças e comprova o quanto nossos clubes já deixaram de evoluir por amadorismo, individualismo e problemas de gestão.

Primeiro exemplo: em 2019, as receitas diretas dos clubes da Série A do Brasileirão totalizaram 1,1 bilhão de dólares, ou 0,06% do PIB. Na Espanha, esse percentual chega a 0,25%, que se aplicado no PIB brasileiro nos permite pensar que há espaço para os clubes da primeira divisão daqui faturarem mais R$ 17 bilhões!

Segundo exemplo: nas principais ligas europeias, os direitos de transmissão são negociados coletivamente e, na Inglaterra, chegaram a 3,4 bilhões de euros. No Brasil, com negociação individual, eles totalizaram 473 milhões. Evidente que há outra diferença: a renda média do cidadão em cada país. Mas é possível fazer um cálculo usando cada um desses fatores. E se usarmos a Itália como referência, por exemplo, a negociação coletiva no Brasil teria condições de chegar a quase 900 milhões!

Esse tipo de negociação é um dos passos a serem dados pelos clubes brasileiros. Outro seria um trabalho conjunto no Congresso, para que os dois projetos de lei que tramitam por lá – o PL 5082/16, na Câmara, e o PL 5516/19, no Senado – sejam agrupados num só, talvez até com a inclusão da MP 984, recentemente editada pelo Governo e que trata de mudanças na regra para a venda de direitos de transmissão das partidas de futebol.

Mas há uma discussão maior: afinal, vale a pena virar clube-empresa? Será esse o caminho? Aqui está uma questão de resposta difícil, porque até lá fora existem vários modelos implementados. Atualmente, no Brasil, existem 874 clubes de futebol profissional e apenas 9% (83) são clubes-empresas – os demais são associações sem fins lucrativos.

Brasil x Europa

Na Inglaterra, existem associações e empresas limitadas, com controle único ou compartilhado, e clubes de capital aberto, mesmo modelo usado na Itália. Na França e na Holanda os clubes podem ser administrados por pessoas físicas ou empresas. Na Espanha, apenas Real Madrid, Athletic Bilbao e Barcelona seguem como associações; os demais são empresas limitadas. Na Alemanha uma lei obriga os clubes a serem empresas. Em Portugal, o sistema é o de sociedade anônima desportiva.

Mas imagine no mesmo campeonato um clube/associação e um clube/empresa: este, com custos bem mais elevados por conta dos impostos que deve recolher, terá seu potencial de investimento afetado, com o risco, inclusive de ir à falência, estando em jogo o patrimônio próprio de seus donos. E será que o dirigente amador aceitará abrir mão de seu status para que um empresário tome as rédeas do negócio, do futebol? O torcedor vai aceitar um futebol mais empresarial, em que o lucro está também nas finanças e não apenas na conquista de taças?

Na Europa há clubes com acionistas únicos (PSG), de capital aberto (Manchester United), associações (Barcelona), e empresas mistas (Benfica).

Mas independentemente da opção a ser escolhida, há metas comuns a serem desenvolvidas, fundamentais no momento atual da indústria do futebol: aporte consistente de capital, internacionalização da marca, investimento em estrutura para a formação de atletas e até mesmo em um estádio próprio, investimento em tecnologia, reforços e luta por títulos e a transformação do clube em uma marca com inserções em diversas outras forma de entretenimento.

Em resumo, o estudo vem confirmar, e deixar bem claro, que o futebol brasileiro tem muito a evoluir se os clubes decidirem trabalhar de maneira conjunta. A transformação de uma associação em clube-empresa é uma boa alternativa, mas deve ser vista como oportunidade e não como solução. A resposta maior está na gestão. Se ela for eficiente, não importa se o clube for uma associação, como o Real Madrid; uma empresa de capital aberto, como a Juventus; um clube com dono, como o Liverpool, ou um de múltiplos acionistas, como o Bayern de Munique.

Por Sergio du Bocage, apresentador do programa No Mundo da Bola, da TV Brasil

Coluna – Os riscos e as oportunidades do clube-empresa no Brasil