07/06/2021 - 9:30
O caminho para os combustíveis mais sustentáveis no Brasil está no campo. Na cana-de-açúcar, no milho e também na soja, commodity que tem sido o carro-chefe das exportações do agronegócio e contribuído muito para amortecer a queda do Produto Interno Bruto (PIB). Mas o Brasil pode agregar ainda mais valor ao produto, o que pode ser uma alternativa para o aumento da competitividade no mercado interno. Quem entende bem essa lição é Erasmo Carlos Battistella, CEO e fundador da BSBIOS, possivelmente um dos maiores especialistas no Brasil em biodiesel – combustível que ele produz a partir do processamento da soja. Uma das líderes no mercado nacional, a empresa criada há 16 anos por Battistella teve em 2020 seu melhor resultado: faturou cerca de R$ 5,3 bilhões — em valores de hoje, US$ 1 bilhão. O primeiro bilhão, de reais, foi há 12 anos.
“Infelizmente, alguns setores da economia não performaram bem no ano em que a crise foi muito grande. Mas nós conseguimos organizar a empresa para isso”, disse Battistella à DINHEIRO RURAL. “Gestão atenta, custos controlados e a alta das commodities ajudaram a aumentar o faturamento, além da nova capacidade de nossas plantas. Tudo isso culminou com o resultado.”
Mas o voo desse empresário gaúcho de apenas 43 anos é ainda mais alto. O grupo dirigido pelo industrial gaúcho de 43 anos planeja ser, em 2030, o terceiro maior de biocombustível do mundo, quando deve faturar US$ 5 bilhões, o que vai significar aumento de cinco vezes em relação à receita atual. Em 2021, a perspectiva é de uma subida significativa em relação ao ano passado, já que a BSBIOS tem como previsão fechar o ano com faturamento de R$ 7,5 bilhões. Hoje, no Brasil, a liderança é da Olfar.
Em 2021, a BSBIOS planeja chegar ao melhor resultado da história, com faturamento de R$ 7,5 bilhões
Há um forte componente ambiental nesse horizonte. Em um cenário em que as políticas ambientais estão presentes em decisões de governos e de grandes companhias, produzir combustível mais verde tem virado um ativo importante. Para se ter uma ideia de como o tema está em pauta, a partir de 2027 passa a ser obrigatória a compra de créditos de carbono. Isso necessariamente está associado a uma neutralização das emissão de gases de efeito estufa (GEE). E o alcance da meta passa pela cadeia produtiva da qual Battistella é referência.
A análise começa com uma clara constatação: a produção de biodiesel captura carbono e não prejudica a agricultura. Ao contrário. Quanto mais biocombustível, mais oferta de alimentos. A equação é simples. Do processamento da soja, 75% se transformam em farelo, que é a proteína vegetal base da alimentação de bovinos e suínos. Há ainda outro fator. “Se nós não tivéssemos os biocombustíveis, provavelmente a agricultura estaria em sérios problemas, porque a parte de energia hoje é complementar à renda do produtor”, afirmou o CEO da empresa.
E esse crescimento vem aliado a um processo mais saudável, com a internacionalização da companhia. Ainda neste ano, começam as obras do projeto Ômega Green, biorrefinaria planejada no Paraguai, com investimentos de US$ 800 milhões, para a produção de biocombustíveis como o diesel verde (HVO) e o querosene de aviação renovável (SPK), a partir de matérias-primas como gordura, óleo de cozinha, pongamia e a própria soja. “O diesel verde é a grande aposta. E o querosene renovável vai ser um grande mercado no futuro da aviação. As companhias aéreas praticamente ainda não fizeram nada para reduzir as emissões de CO2”, afirmou Battistella.
Liderança A capacidade de produção no Paraguai será de 1 bilhão de litros ao ano, maior do que a soma da produção das unidades da BSBIOS em Passo Fundo (RS), matriz da companhia, e Marialva (PR), que no ano passado alcançaram juntas a marca de 936 milhões de litros. O projeto paraguaio, a partir do segundo semestre de 2024, quando estiver concluído, vai trazer à companhia US$ 1 bilhão no faturamento. E, de quebra, levar a companhia para liderança na América Latina de biocombustível avançado.
De acordo com o executivo, a fábrica já começa com ao menos 90% da futura produção vendida. Inicialmente, Battistella fechou contrato com a Shell para vender 2,5 bilhões de litros biocombustível, além de uma outra parceria para fornecimento de 1 bilhão para a outra gigante, a BP. Segundo o executivo, o material será enviado ao Uruguai de barca e, de lá, as petrolíferas distribuem para seus mercados no mundo.
A dúvida que pode ficar é por qual razão o empresário não montou a operação no Brasil e decidiu buscar novos ares no Paraguai. A resposta não poderia ser das mais direta: a falta de condição no País, inclusive de legislação, para isso. Há que se levar em conta, também, a abertura de portas do governo paraguaio para que os investimentos fossem feitos por lá, passando, inclusive, por reduções de ordem tributária. Para os próximos 30 anos, o país vizinho concedeu regime de zona franca para a região onde estará a fábrica. A perspectiva é de que a chegada da empresa comandada por Battistella irá garantir um acréscimo de mais de US$ 8 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) paraguaio em um prazo de 10 anos.
No Brasil, ainda falta um bom caminho para que os biocombustíveis avançados possam ser produzidos. Não há regulamentação definida. A Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), que é quem define as regras, não crava a data exata, mas diz que os trabalhos estão bem adiantados. Um bom indício foi anunciado no dia 17 de maio, quando a agência definiu a especificação do combustível, estabelecendo como critério básico que seja produzido de matérias-primas 100% renováveis. “O processo de regulação do diesel verde se encontra em fase final, já tendo ultrapassado as fases de audiências públicas e de apreciação da diretoria colegiada da ANP”, afirmou, em nota. O texto agora segue para última análise do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
A empresa investiu mais de R$ 100 MI na expansão das fábricas do Rio Grande do sul e do paraná, com aumento de 62,5% da produção
Para Battistella, que acumula a presidência da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), não dá para demorar mais. Ele acredita que o marco regulatório deva ser concluído entre o fim deste ano e o início de 2022. “Essa é uma oportunidade que está passando, mas ainda há tempo de corrigir”, disse. “Se a gente instituir o marco regulatório neste ano, o Brasil vai recuperar esse tempo.” A diretora do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Valéria Amoroso Lima, também acha que o Brasil vem perdendo tempo. “Há um trabalho para atrasar a regulamentação que permite a produção de biocombustíveis avançados.”
Antes disso, há um ponto importante que deve ser considerado, na avaliação do executivo da BSBIOS, que é não perder terreno em relação ao porcentual de mistura de biodiesel no diesel. O cronograma do CNPE mostra que até 2023 a participação do diesel verde deve alcançar 15%. O problema é que, em meados de maio, o Ministério de Minas e Energia manteve o índice de 10% de mistura como parâmetro para o próximo leilão público de biodiesel, no dia 2 de junho, a exemplo da decisão que já havia tomado em relação ao leilão anterior, de abril. O que se esperava é que o governo voltasse para a participação de 13%.
A Aprobio deixou clara a insatisfação do setor. “Com a medida, a cadeia de produção do biodiesel acaba sendo a única penalizada por uma condição macroeconômica que impacta os preços dos combustíveis, prejudicando aproximadamente 1,5 milhão de trabalhadores e a continuidade dos investimentos do setor”, afirmou em comunicado.
O Brasil não tem normas definidas para produzir versões mais avançadas de biodiesel
Além dessas questões regulatórias, Battistella também se diz preocupado com o plano de crescimento da BSBIOS, uma vez que a empresa realizou investimentos da ordem de R$ 100 milhões para a conclusão, ainda neste ano, da expansão das unidades do Rio Grande do Sul e do Paraná. A ampliação realizada significou aumento na capacidade de produção de 62,5% entre o fim de 2019 e o primeiro trimestre de 2021.
Esse crescimento de recursos para mais investimentos marca também o novo momento de governança da companhia, após o processo da saída definitiva da Petrobras da sociedade da BSBIOS, com 50%, discutida desde 2018 e finalizada no ano passado. A sociedade começou em 2010 e o fim da parceria é parte da estratégia de desinvestimentos adotada pela estatal nos últimos anos. “É claro que é significativo para uma empresa quando sai um sócio de tamanha importância e que conta com metade da participação, mas isso não será um limitador para nós. Vamos seguir investindo. Esse novo ciclo vai trazer crescimento e reorganização”, disse o industrial.
GOVERNANÇA Em um sinal claro de que a mudança societária da BSBIOS serviu, de certa forma, como uma alavanca para a consolidação do plano de crescimento nos próximos anos, a companhia de Battistella passou por uma alteração significativa na governança corporativa. Desde o início do ano, a presidência do Conselho de Administração do ECB Group, controlador da BSBIOS, passou a ser ocupada pelo ex-ministro da Agricultura e ex-presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) Francisco Turra, como uma espécie de recado ao mercado sobre os planos ambiciosos da empresa. E de credibilidade.
Para Turra, o desafio é mais uma importante oportunidade de discutir políticas para o avanço do setor em que atua desde quando ocupou postos no governo de Fernando Henrique Cardoso. “Assumir a presidência do conselho da companhia é algo muito importante e que traz muita responsabilidade. Tenho grande identidade com a história da empresa e encaro com muita disposição qualquer discussão em torno do agronegócio”, afirmou o ex-ministro.
O horizonte da empresa, na avaliação de Turra, é de crescimento. “O momento é propício para investimentos, já que o Brasil é um dos poucos lugares do mundo que tem espaço para aumentar a produção de proteína vegetal, sem agredir a natureza”, disse.
Com tamanho plano de expansão, é inevitável que a possibilidade de um IPO (oferta inicial de ações) da companhia esteja em um cenário de planejamento para curto ou médio prazo. “Hoje eu diria que há 50% de chance de isso acontecer nos próximos anos. Mas para isso é importante aguardar um pouco a melhora da economia e entender um pouco mais de como o setor reagiria a esse movimento”, disse Battistella.
Com horizonte e visão do empresário que virou dono de um império após começar a vida empresarial arrendando um posto de gasolina com cerca de R$ 20 mil emprestados em 1998, não é difícil de imaginar que Battistella saiba o momento certo para crescer ainda mais. E, quem sabe, cumprir seu plano de ganhar o mundo com seu combustível sustentável.