Uma obra de ampliação que praticamente dobrará a área do Museu Casa Mário de Andrade foi iniciada nesta semana na Rua Lopes Chaves, na Barra Funda. A intervenção ligará a antiga residência da capital paulista a dois sobrados que também pertenceram à família do escritor, o que permitirá uma expansão das salas de exposição e pesquisa e a instalação de auditório, cafeteria, loja e acessibilidade, com novas rampas e elevador. A previsão é de reabertura entre o fim do primeiro semestre e o início do segundo semestre de 2023.

A ampliação custará R$ 8,5 milhões, dos quais R$ 1,12 milhão foi utilizado para desapropriar os sobrados, que mais recentemente funcionaram como pensão. Durante a obra, que durará sete meses, o museu realizará as atividades presenciais na Casa Guilherme de Almeida, no Pacaembu, e seguirá com uma programação virtual. O acesso para o público está temporariamente fechado desde segunda-feira.

Os dois sobrados são geminados à casa principal e foram comprados em conjunto pela mãe do escritor, Maria Luísa, em 1921. A ideia da matriarca, já viúva, era que os filhos homens se mudassem para os endereços vizinhos ao se casarem, o que ocorreu com Carlos, mas não com Mário, que permaneceu solteiro e vivendo com a mãe, a tia (Ana Francisca, a Tia Nhanhã) e a irmã (Maria de Lourdes).

Foi na casa principal que o escritor passou grande parte da vida, encontrou os demais modernistas do Grupo dos Cinco nas terças-feiras de 1922, produziu obras icônicas e morreu, em 1945, por enfarte, aos 52 anos. Durante aqueles anos, escreveu sobre a residência em cartas e poemas, e, após dois anos no Rio, até citou a felicidade de voltar ao velho endereço.

VISITAÇÃO

A expectativa é de que a expansão também permita o aumento de público e a potencialização do local como espaço cultural, de pesquisa e turístico. Antes da pandemia, a média era de pouco mais de 4 mil visitantes por ano. A expectativa é de que o número ao menos dobre, segundo Marcelo Tápia, diretor da Rede de Museus-Casas Literários de São Paulo. “É um ganho para o bairro, vai colaborar com a revitalização da Barra Funda.”

Segundo ele, a expansão era um “anseio” de anos. “As casas são ligadas até pelo telhado. Ou seja, nada mais natural do que estender o museu às casas que já fazem parte da mesma história.” Entre as novas exposições, há a ideia de trazer um conceito idealizado por Mário, de “museu de reproduções”, com réplicas a serem apreciadas de forma sensorial. “Nos valeremos dos recursos atuais, incluindo a tecnologia, para trazer um ambiente cada vez mais dinâmico, com temas renovados”, comenta Tápia.

Outra ideia é que o estúdio de Mário ganhe espaço de realidade virtual, em que o visitante poderá visualizar as características de quando era parte da residência do escritor. Já o auditório, para 78 pessoas, receberá palestras, oficinas, sessões de cinema e outras atividades culturais. A obra inclui ainda mudanças na casa principal. A entrada principal será por um dos sobrados, enquanto a atual será voltada a cafeteria e loja, dispostas no saguão. Já o porão, hoje sem uso, ganhará sanitários e vestiários e outras instalações.

LEGADO

O secretário estadual da Economia Criativa e Cultura, Sérgio Sá Leitão, destaca que a ampliação será um legado deixado pelas atividades em celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna. “É para que a celebração não se esgote agora, dá um caráter de continuidade”, diz. Ele avalia que a estrutura era muito “aquém” do potencial e necessidades. “Agora vamos ter um museu à altura do que Mário representa e significa para a cultura de São Paulo e do Brasil”, avalia.

Com a obra, o museu também terá acessibilidade em Braille, Libras e audiodescrição, além de receber um novo sistema de prevenção e combate a incêndios. Além disso, o objetivo é cada vez mais valorizar o legado de Mário, não apenas como artista, mas também como intelectual e gestor público, ligado a projetos inovadores na área de educação infantil, cultura, folclore e preservação do patrimônio cultural. “Foi uma dessas raras figuras que podemos definir como um homem do renascimento, um intelectual, um artista completo e um gestor cultural que promoveu muitos avanços na história das políticas de cultura do nosso País”, destaca Sá Leitão.

MEMÓRIA

A casa e os sobrados fazem parte de uma mesma construção, do engenheiro Oscar Americano, datada do início do século 20 e de estilo eclético. Os imóveis são geminados e com um telhado contínuo. Com os anexos, o museu passará de 417 m² para 783 m². A residência de Mário foi tombada em 1975, pelo reconhecimento como espaço ligado a uma personalidade histórica, não pela arquitetura. Os demais foram considerados “área envoltória”, com restrições de altura, mas não precisavam ser preservados.

Para a obra, decidiu-se pelo restauro da maior parte das características originais dos sobrados, especialmente das externas, como a fachada, pelo entendimento de que também estão ligadas à trajetória do escritor. A avaliação técnica identificou que os sobrados estavam em “deterioração”. Entre os problemas, estão erosão de alvenaria, manchas de umidade e infiltrações. O reparo manterá as características arquitetônicas externas dos dois sobrados, de alvenaria de tijolos, que passarão por modificações internas e ganharão uma ligação entre ambos e com a casa principal. Além disso, aos fundos, serão construídos anexos, que ficarão “invisíveis” a partir da rua e permitirão a implementação de acessibilidade e outras intervenções.

No documento enviado para aprovação do projeto em órgãos de patrimônio, foi destacado que as residências foram construídas “em terras expandidas a oeste na cidade de São Paulo, acompanhando a ocupação ferroviária e industrial de bairros, como Barra Funda, Brás e Mooca”. A casa de Mário foi desapropriada em 1987 para virar um Museu de Literatura. Inicialmente, funcionou como Oficina Cultural e, em 2018, foi reaberta ao público como Museu Casa Mário de Andrade, quando ganhou uma exposição permanente com alguns itens do escritor, como o piano, estantes projetadas por ele e objetos pessoais. A maior parte do acervo é do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Antes da Barra Funda, Mário viveu em residências na Rua Aurora e na esquina do Largo do Paiçandu com a Avenida Rio Branco, ambas no centro paulistano.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.