02/05/2021 - 7:31
O que aconteceria se mais da metade de uma população fosse imunizada contra a covid-19? A pouco mais de 300 km de São Paulo, a cidade de Serrana foi escolhida para responder a essa pergunta. A vacinação em massa começou em 17 de fevereiro e foi concluída no dia 11 de abril, com a aplicação das duas doses da Coronavac. Nos dias 8 e 9 de abril, o Estadão esteve lá para ouvir moradores. Entre as expectativas estavam o desafogo do sistema de saúde, a retomada da economia, a volta da vida social e dos estudos – além da esperança em dormir mais tranquilo.
Ao todo, são 27.160 mil moradores imunizados – o equivalente a 95,7% da população-alvo na cidade, de 45.644 mil habitantes. “Essa adesão mostra a vontade de viver da nossa população”, diz Leila Gusmão, vice-prefeita e secretária de Saúde.
O Projeto S, uma referência ao vírus Sars-CoV-2 e à cidade, começou em meio a uma crise. “Em 2020 (após um surto de covid que atingiu idosos e funcionários de um asilo), fizemos um inquérito epidemiológico para avaliar a transmissão do coronavírus, além do Censo da Saúde para mapeá-la”, diz ela. Foi quando começou a parceria com o Instituto Butantan.
Com as informações, concluiu-se que 8,75% da população tinha tido contato com o vírus e 5% estava com o vírus ativo, infectando outras pessoas. “Essa foi uma das taxas mais altas entre todas as cidades do Estado que fizeram o inquérito”, diz Marcos de Carvalho Borges, investigador principal do Projeto S.
Ao se pensar o projeto, outros atrativos locais foram o fato de a cidade ser pequena, ter hospital estadual e funcionar como dormitório para aproximadamente 20 mil pessoas que trabalham em Ribeirão Preto. O grande fluxo intermunicipal foi visto como fator para medir a efetividade da vacinação.
Entre os já vacinados, há uma mescla de gratidão e alívio. “A sensação é muito boa, até porque nossa cidade foi privilegiada. A pandemia afetou um pouco os meus estudos e trabalho. Não só os meus, mas os de outras pessoas da minha família também”, afirma o estudante Gabriel Talavera, de 21 anos.
Sem falar nos que se sentem satisfeitos só pelo fato de colaborarem com um possível avanço científico. Nos meses de outubro e novembro, carros contratados pela prefeitura anunciaram o Projeto S de casa em casa e identificaram os moradores que topariam aderir ao estudo como voluntários, caso houvesse a fabricação de vacina.
“Decidi participar voluntariamente desse projeto do Butantan porque os pesquisadores ainda estão estudando o coronavírus”, ressalta o advogado Diego Braga, de 28 anos. “Fui vacinado contra a covid-19 na escola onde estudei. Tem coisas que ainda não sabemos muito bem, como os efeitos e as sequelas. Foi por livre e espontânea vontade, porque eu acredito na ciência, nos fatos e no SUS (Sistema Único de Saúde ).”
Dia a dia
A rotina, porém, ainda está longe do normal. “Antes do coronavírus, estávamos sempre aqui na praça central, todo dia. Por causa da pandemia, estamos ficando um pouco mais em casa. Às vezes, passo dois ou três dias sem vir. Temos medo do vírus, porque vimos o que ele andou aprontando por aí”, afirma Aparecido Donizzete Pedro, de 62 anos, um daqueles definidos no Estado para o grupo prioritário de vacinação.
Há ainda uma rotina igual a de outras cidades sem imunização: o respeito aos protocolos e às máscaras. “Quando todos estiverem imunizados, quero tirar essa máscara. Mas acho que ainda vai demorar um tempo, porque não adianta eu estar imunizado e acabar transmitindo para outra pessoa que ainda não se vacinou contra a covid-19”, diz o mecânico pneumático Guilherme Costa, de 33 anos, cujo serviço caiu bastante na pandemia. “O que custa participarmos? Conseguimos tomar a vacina de graça. Acho que não vai fazer mal, só nos ajudar.”
Com a paralisação da economia, muitos precisaram de ajuda para se manter. “Eu trabalho em um carrinho de pipoca no Novo Shopping, em Ribeirão Preto. Está fechado, sem ninguém trabalhando. Estou parada, mas os patrões estão pagando uma parte para nós”, relatou a atendente Arlete Neres Nogueira, de 36 anos.
E os patrões também sentiram a situação. “Com exceção de supermercados, farmácias e postos de gasolina, o comércio todo sofreu muito. Fizemos de tudo para segurar funcionários”, diz o comerciante José Antônio Issa, de 59 anos. “Para ajudar nos custos, participamos do programa do governo de suspensão de contratos. Comprávamos o que era necessário, mas foi difícil.”
Resultados
Concluída a vacinação, os pesquisadores avaliam agora seu impacto na redução de casos graves, na mortalidade, nas internações e na transmissão do vírus em Serrana. Segundo Marcos de Carvalho Borges, investigador principal do estudo, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), resultados preliminares começarão a ser divulgados no meio deste mês pelo Instituto Butantan.
Mas eles já começam a ser notados pelos moradores. “Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), atendemos todos os casos de síndrome gripal com diagnóstico ou suspeita de covid-19. A única mudança é na procura: já podemos observar queda na quantidade de pessoas que procuram a UPA. Os casos graves também caíram consideravelmente. Não tivemos nenhum paciente intubado nas últimas semanas”, diz o médico Angel Dario Ariza. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.