Dormir 11 horas por dia, dar uma pausa de 30 minutos a cada quatro horas e ser impedido de trabalhar mais do que dez horas diariamente parece a combinação perfeita para ter saúde e qualidade de vida, seja qual for a profissão. Mas não tem sido assim para quem ganha a vida na estrada. Todos os benefícios da Lei 12.619, anunciada em abril pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), conhecida como a nova lei dos caminhoneiros, têm tirado o sono de motoristas e empresas do setor de transportes. Isso porque a aplicação das regras – que já deveriam ter entrado em vigor, mas foram prorrogadas por seis meses, até março de 2013 – gera dúvidas sobre como será colocada em prática, ameaça encarecer o frete entre 20% e 50% e, a reboque, espremer ainda mais as margens de lucro dos caminhoneiros. “Estão acabando de vez com a categoria, porque somos obrigados a aceitar fretes baixos, senão não temos dinheiro nem para o diesel”, diz José Acácio Carneiro, presidente do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), em Minas Gerais. “Antes de começar a multar os profissionais, será preciso reajustar o valor pago pelo frete e definir locais adequados para a realização das pausas durante a jornada de trabalho.”

É nesse ponto que mora o problema. Um eventual reajuste do frete – um importante componente de custo dos produtos que chegam ao consumidor – poderá se alastrar por toda a economia e puxar a inflação para cima: tudo o que o governo, as empresas e os mortais consumidores não querem. “Um veículo que rodava dez mil quilômetros por mês, com a nova lei fará sete mil quilômetros, com uma queda de produtividade de 30%”, afirma o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Rio Grande do Sul (Setcergs), José Carlos Silvano. “Alguém terá de pagar a conta, porque o preço subirá entre 10% e 20% para o frete convencional e até 50% no transporte de contêineres, além de aumentar o tempo das viagens.”

Embora a nova lei tenha desagradado a gregos e troianos, a regulamentação da atividade – que está há 70 anos sem uma legislação específica – se mostra mais do que necessária, quando se olha para a segurança das estradas. No ano passado, de acordo com o último levantamento do Ministério dos Transportes, 29% dos acidentes com mortes das rodovias do País foram causados por caminhoneiros que dormiram ao volante, por negligência no transporte de cargas ou por déficit de atenção causado por medicamentos estimulantes. Segundo o Centro de Estudos de Logística da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os caminhões causaram 90 mil acidentes em 2011, número 13 vezes superior ao contabilizado com veículos de passeio e 14 vezes acima do índice registrado nos Estados Unidos. Em cifras, os prejuízos chegaram a R$ 9,7 bilhões. “Os prazos curtos para entregas das cargas, o frete baixo, a idade e a manutenção inadequada da frota, somada às péssimas condições das rodovias são fatores estruturais contribuintes para a ocorrência de acidentes”, afirma o consultor Márcio Dias Torres, especialista em risco de transporte.

Para o presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (Fecam), Éder Dal’Lago, a obrigatoriedade de repousar por 11 horas, nas viagens, é demasiada. “O governo não se preocupou em melhorar as rodovias e, agora, onde vamos parar para descansar?”, reclama Dal’Lago. “Oito horas de sono bastariam.”

Polêmicas à parte, o fato é que a nova lei dos caminhoneiros – boa ou não – deve gerar muita discussão antes de entrar em vigor. Até lá, muitas súplicas chegarão a São Cristóvão, o padroeiro da categoria. Quem sabe, com tudo resolvido, o santo passe a ter menos trabalho e as rodovias brasileiras sejam locais mais seguros.